Arquivos do mês de

janeiro 2016

Brasil

Das nuvens

26 de janeiro de 2016

Por Carol Andrade


“Marquei seu salto pra 10:30 com o Lu”

O whatsapp me entregava essa mensagem da Alice quando eu já estava na Casa do Alemão com Débora tomando café, a caminho de Resende. Tinha acordado com medo: eita caramba, é hoje que eu vou saltar de paraquedas.

Nunca tive essa vontade antes, a ideia de pular de um avião no ar e apreciar o caminho vertical para o chão não me apetecia – até que, quando fui a Penedo na semana retrasada, essa ideia surgiu em forma de desejo, desejo-quase-necessidade.

Estava precisando sentir algo que me sacodisse de uma forma diferente de todas as minhas referências e nada melhor do que conversar com o Sombra, amigo querido e marido de Alice, uma das primeiras amigas da minha vida. Com anos de estrada e forte reconhecimento no paraquedismo, esse cara que já dobrou paraquedas do príncipe de Dubai por alguns anos, precisou ouvir todos os tipos de pergunta: as pessoas se mijam? Pode ter crise de pânico lá em cima? Tem algo que eu precise fazer para que a coisa dê certo? Eu que abro o paraquedas? Ele vai abrir?

Pasmem, mas ele respondeu a todas essas perguntas, ao longo de uma semana, entre um cigarro e um café, entre uma cerveja e um bolo de cenoura na enchente. Alice e Angela (mãe da Alice, professora querida e ex-colega de trabalho – vejam como essa família é um poço de referências de carinho na minha vida) empolgadíssimas com meus planos, davam força para que eu não desistisse.

Eu esperei o sábado e o sol, mas o segundo resolveu que daria lugar a nuvens carregadas e chuva contínua. Voltei para o Rio frustrada, mas na promessa de voltar, assim que o astro rei permitisse que eu passeasse no céu.

Enfim, essa semana, lá estava ele, nos devolvendo um pouco do calor infernal e dando dias mais bonitos.

“Alice, como está o tempo aí?”

“Está lindo.”

Eu entendi que era a hora.

Débora topou o passeio, vai que também decidia saltar…

Sete da manhã, pontualíssima, minha amiga há tantos anos passou para me buscar e fomos rumo a algo que eu não fazia ideia do que esperar. Ao longo do caminho ela me tranquilizou: eu não era obrigada a saltar, se chegasse lá e desse medo. Eu pensei que isso não poderia acontecer. E ainda bem que não aconteceu.

Após uma leve perdida na cidade, chegamos ao Aeroporto de Resende, Hangar 4. Alice era so sorriso. Débora registrava meus passos importantes com sua câmera. Eu estava na sétima decolagem. Macacão azul, por favor. Rosa não. Assina o termo. Débora, vou ler essa porra não, vou só preencher e assinar, fotografa pra eu ler depois em casa. Instruções do Luciano, simulando a saída do avião e a postura da queda. No carrinho do galpão e no skate, tudo parecia tranquilo. Prende o macaquinho no macacão. Vai ficar apertado, mas se incomodar avisa. Você segura aqui, abre o braço quando eu avisar. Cuidado com a cabeça, ao embarcar no avião. Vamos lá?

De repente eu estava num campo, concentrada com alguns caras de macacão, exceto um, de bermuda e camiseta que parecia bem tranquilo. O responsável pela filmagem externa me avisou: no ar, pode ser que eu segure a sua mão. Deixe apenas estendida, mas não segure a minha, ok? Ok. O instrutor disse que tudo o que eu precisava fazer era sorrir, ação que parecia impossível quando o avião chegou. Todos subiram, eu fui por último (mal sabia eu que essa ordem significava ser eu a primeira a saltar).

E aí começou.

O avião começa a andar com a porta aberta e de repente ele sobe e tudo vai diminuindo de tamanho do lado de fora, enquanto do lado de dentro, a sensação é de que há algo que não caberá mais em mim. “Não tem mais volta!”, brincou o instrutor. Mal sabia ele que essa irreversibilidade existia desde a semana que passei em Penedo.

Em poucos segundos, eu estava presa ao instrutor pela estrutura do macaquinho e em menos segundos ainda, o avião fez a reta do salto. Um alarme tocou e o avião diminuiu a velocidade. Chegou a hora, me pareceu. Abriram a porta do avião. Eu só conseguia dizer “Caralho”. Eu ia cair no google maps visualização satélite, aqueles pequenos quadrados que são o chão, aquele barulho ensurdecedor do avião, do céu, da minha cabeça, o frio na barriga, o instrutor me posicionando na porta do avião, os outros paraquedistas sorrindo, se despedindo, dando boa sorte, eu sentei com os pés para fora do avião e caralho eu to com os pés pra fora do avião, a janela que eu tanto gosto de olhar nas viagens não era mais uma janela; era o lugar onde eu estava com o corpo, eu ia cair ali, no céu, na cidade de Resende e tudo isso deve ter durado um segundo ou menos e de repente eu estava caindo e um medo absurdo apareceu e sumiu, pois magicamente eu entendi que não tinha dado merda. Tudo estava sob controle. E eu abri os olhos.

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Não sei dizer o que eu senti exatamente, eu olhava em volta e só conseguia chorar, a emoção era física e tudo o que eu queria era olhar o máximo possível, olhar para cima, olhar para baixo, registrar todas as sensações de se estar no céu. O paraquedas abriu e a coisa só ficou mais suave. Era voar de avião sem avião, era olhar tudo muito pequeno lá embaixo, sentir o corpo navegar sem chão. Não conseguia gritar urru, nem dizer o quão incrível aquilo estava sendo. Era tudo inacreditável. Não tinha angústia, não tinha tristeza, não tinha medo, não tinha fracasso, não tinha dúvidas. Todos os meus canais de perceber o mundo foram tomados por aquele momento de estar ali, depois de ter saído de um avião no ar. Pensei que meditar deve ser isso, estar consciente de uma presença grande, uma plenitude de aqui-agora, de infinito.

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Chegar no chão foi divertidíssimo – segui as instruções do Luciano e tudo acabou com um tobogã na grama com o paraquedas caindo atrás da gente. A primeira pessoa que eu vi foi Alice, feliz demais correndo em minha direção de braços abertos. Que inacreditável.

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Ao longo do dia eu fiquei tomada por um estado zen de espírito, uma tranquilidade, um sorriso calmo. Na cabeça, somente aquela imagem google maps visualização satélite, aqueles quadradinhos que tomavam forma de casas, de cidade, de pessoas jogando futebol, aquele gelado no corpo de saltar de um avião a 4 km do chão, aquele choro descarreguento, aquela emoção da ilusão de voar. Aquele carinho das amigas que estavam ali comigo, do Sombra que não estava lá, mas garantiu que estará na próxima – a próxima que eu espero acontecer o quanto antes.

Que bem maravilhoso que toda essa conjuntura me permitiu.

Voemos.


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Argentina, Causos

Chillhouse/Chill out

21 de janeiro de 2016

É um texto rápido esse, pra data não passar em branco. Rápido como nossa passagem no Chillhouse – que serve de gancho pra contar um causo.

Há 3 anos (e um dia) a gente desembarcava na Argentina pela segunda vez, naquela que seria nossa viagem pela Patagônia. Uma viagem planejada durante um mês, em caráter de improviso (e com uma boa dose de mau humor no início, uma vez que nosso destino planejado era pra cima, e não pra baixo do continente). Porém, antes de chegarmos à região patagônica, passaríamos um dia em Buenos Aires.

Por ser uma pausa rápida, topamos um albergue com quarto compartilhado. Fizemos a reserva no Chillhouse, que vinha muito bem recomendado em nossas pesquisas. Porém, assim que chegamos, fomos surpreendidos com uma reserva equivocada, que nos colocou em quartos coletivos SEPARADOS. Não sei mensurar o grau do meu emputecimento, já imaginando que uma “viagem de improviso” que começava daquele jeito podia desandar pra coisa muito pior. Em situação bizarra, nos separamos, e eu dividi o quarto com mais uma menina e três caras (sendo que um deles, OBVIAMENTE, roncava mais que uma motoserra. Amaldiçoava cada segundo naquele lugar até a manhã seguinte, quando pegamos nossas coisas e seguimos viagem.

Os malditos beliches da primeira noite em Buenos Aires.

Os malditos beliches da primeira noite em Buenos Aires.

Mesmo com esse início tétrico, a viagem foi incrível.

Voltaríamos pro Chillhouse ao final da viagem, e eu imaginava uma nova sessão de terror caso fizessem uma nova cagada com nossas reservas. Porém, a Dé havia se precavido, e pela primeira vez teríamos em um albergue um quarto exclusivo, em nossas (até então) quatro viagens acumuladas. Contra toda a desconfiança acumulada, recebemos uma suíte necessária e providencial após dias extremamente cansativos: ventilador, televisão, e um banheiro no quarto que tinha até banheira. Foi a analogia perfeita com o início e fim do planejamento daquela viagem: começou nas trevas, terminou no céu.

Contra a assombração no início da viagem, um quarto perfeito.

Contra a assombração no início da viagem, um quarto perfeito.

É bom saber que a noite de 20 de janeiro de 2013 não deu o tom de uma viagem tão urgentemente planejada. Bom saber que a gente às vezes se engana nas primeiras impressões sobre determinadas coisas ou lugares. E bom saber que depois de três anos, dá pra gente comemorar uma data que hoje é tão importante na nossa vida, mesmo que naquela noite tenha sido vivida em camas separadas, e com companhias bizarras.

Afinal, ronco bom é aquele que a gente CONCORDA em dividir 😉

Gastronomia, Romênia

Caru’ Cu Bere, e o eisbein gigante

19 de janeiro de 2016

Hoje a gente vai falar de gordice. O Caru’ Cu Bere* não é para amadores.

Depois de uma primeira incursão não tão feliz na culinária romena, resolvemos buscar indicações com procedência para nossa segunda refeição. Como chegamos em Bucareste à tarde, havíamos jantado num lugar esquisitinho – uma quase tradição em nossas viagens, nunca acertamos logo de cara um lugar bacana (apesar da cerveja ter funcionado como um belíssimo cartão de visitas). Nossa aposta estava no almoço seguinte, e nossas fichas foram pro Caru’ Cu Bere.

Antes de explicar as razões para essa escolha, um pouquinho de história:

O Caru’ cu bere é um restaurante cuja história começa em 1879, e está localizado no centro histórico de Bucareste. Os tapumes na fachada entregavam um delicado e cuidadoso projeto de restauração. Originariamente da família de Nicolae Mircea, o restaurante passou para o domínio da Companhia Comercial de Bucareste em 1948, durante o período pós-guerra, tendo suas paredes internas e pinturas cobertas por uma inexplicável e bizarra camada de gesso. O processo de restauração de seu interior começou na metade dos anos 80, sendo o prédio retomado definitivamente pelos descendentes de Mircea somente em 1999. Desde então, a restauração de sua arquitetura tem sido executada com os devidos cuidados.

E como é bonito, o danado...

E como é bonito, o danado…

Muito bem. Lá estávamos, e ao nosso lado um enorme grupo de turistas. Considerado o restaurante número um de Bucareste, é de se esperar que sua frequência seja alta. Uma moça nos atende em inglês fluente, e nos leva ao subterrâneo – um dos três pisos, além da área de calçada onde localizam-se trocentas mesas. Mais do que aparentar, o Caru’ Cu Bere dá a impressão de abrigar toda a população da Romênia. Recebemos o cardápio, e a paixão me arrebata logo de cara – definitivamente, nossas fichas estavam mesmo no lugar certo.

Quando você vê uma foto e reconhece o amor.

Quando você vê uma foto e reconhece o amor.

Estreando na Europa, a Dé pede um schnitzel – coisa que eu também estava com vontade de fazer, mas como resistir a um joelho de porco com uma faca enfiada? E não amigos, não estamos falando do Valdívia no Departamento Médico do Palmeiras! Mesmo com o aviso “for two persons” no rodapé da foto, ignorei completamente os bons modos e ativei o ogro que mora no meu coração. Enquanto esperávamos os pratos (e sim, o atendimento é lento – o que prova que paulista é realmente neurótico e mal-acostumado), abracei a cerveja da casa como se fosse uma velha amiga. A pequena fez o mesmo, em uma das poucas vezes em que ela se arriscou na viagem.

Dé, num raro momento "viking meigo com calor"

Dé, num raro momento “viking meigo com calor”

Algum tempo depois, estávamos famintos. Havíamos passeado durante toda a manhã e comecinho da tarde. O salão inferior era bastante barulhento, com os garçons passando a todo momento, pessoas falando alto (e bebendo como se devem afinal aquilo era também uma cervejaria). Quando estávamos quase desfalecendo de fome, abriram-se as portas da esperança.

Derramando lágrimas de saudade.

Derramando lágrimas de saudade.

O desafio estava lançado: o joelho de porco (com uma casquinha possivelmente inspirada nas sacanagens mais sujas dessa vida), pickles, polenta, raiz-forte, repolho e pimentas. Foram poucas vezes na vida em que um sorriso de satisfação foi tão espontâneo e sincero.

Isso, meus amigos, chama-se FELICIDADE.

Isso, meus amigos, chama-se FELICIDADE.

Mesmo mais modesta, a Dé também recebeu amor em forma de comida.

Mesmo mais modesta, a Dé também recebeu amor em forma de comida.

Almoçamos lindamente, e obviamente eu demorei muito mais que a Dé pra terminar o eisbein (contei inclusive com a ajuda dela em alguns momentos, pois dividir comida é amor). Foi a primeira de muitas visitas que fizemos ao restaurante, contrariando nossos hábitos de desbravar a maior quantidade possível de lugares diferentes numa viagem. Mesmo não sendo o lugar mais barato do mundo, cabia no bolso, o cardápio era gigante, e um almoço com tamanha qualidade e gostosura pedia novos desafios. Testamos coisas diferentes, que foram igualmente satisfatórias, mas ficou ali um gostinho de “precisamos fazer isso de novo, a quatro mãos”.

Não deixamos de dar aquele alô pra costelinha...

Não deixamos de dar aquele alô pra costelinha…

...e pra linguicinha...

…e pra linguicinha…

...recheada <3

…recheada <3

Decidimos: seria um outro eisbein nosso prato de despedida da Romênia (e da Europa) ao final da viagem. Quase um mês depois, voltamos. E numa noite chuvosa, após um dia corrido e cansativo, estávamos famintos e exaustos. Parecia o fechamento perfeito.

E foi. COMO FOI, MEUS AMIGOS. E assim que chegou aquele tarugo de porco cheiroso, resolvemos gravar um videozinho em homenagem ao outro viking que conhecemos, e que deveria domar tal iguaria com prática mais que natural: meu sogro 🙂

Se abriu seu apetite, não foi em vão. Amiguinhos: a Romênia é demais, e o Caru’ Cu Bere um dos lugares obrigatórios pra você visitar na vida. Um restaurante aberto há tanto tempo, que serve uma cerveja linda, trocentos pratos gostosos e UM PORCO DESSE TAMANHO está contribuindo para o avanço da humanidade, e precisa ser prestigiado por gerações e gerações. Vá com fome!

Para quem quiser saber mais: www.carucubere.ro


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Causos, Fofuras

Do amor e tantos Bowies

13 de janeiro de 2016

Por Beta Clapp


Esse é um relato sobre o amor. Daqueles amores que a gente sente instantaneamente quando para pra observar de um jeito mais atento. Quando desacostuma o olhar. Do amor e outras sensações que vem dele, das que não são descritas em palavras, por mais que a gente tente. Ta aí a minha tentativa de começar a falar do meu amor por São Paulo, pelo Masili e pela Dé, pela Isabella e pelo Bowie. E não reparem: amor e amar serão repetidos várias vezes por aqui.

Em janeiro de 2014, recebi o convite pro aniversário do Masili. Eu no RJ, ele em SP. Eu, que já amo SP, tinha mais um motivo pra encher a mochila e partir. Claro que eu não ia confirmar o evento e avisar pra ele que eu ia na comemoração: a ideia era brotar lá de surpresa e causar uma comoção mesmo. Foi aí que eu comecei a angariar as minhas parceiras no crime – Isabella (que na época nem conhecia o Masili) e Carol toparam a surpresa, e a Dé foi a aliada primordial no plano de causar um faniquito no moço.

O aniversário do Marcelo era na sexta, o bar estava marcado pra sábado. Mas quem vai pra SP na sexta podendo ir na quarta? Eu e Isabella estávamos com a agenda tranquila e decidimos chegar antes pra poder aproveitar essa cidade tão querida. Passagens compradas, hostel reservado, comecei a planejar o tour dos dias que viriam.

Uma pequena pausa pra falar sobre Isabella. Isabella é um amor que é. Não dá pra ir além disso. Isabella vive pensando nos outros. Eu vivo pensando em Isabella e em Isabella pensar nela. Essa viagem era pra mim, pra Marcelo e pra Isabella. Apesar de ela já ter ido pra SP, eu queria mostrar pra ela a cidade que eu amava. E na busca pela programação da viagem eu descobri que na sexta-feira, a mesma do aniversário do Masili, o Museu da Imagem e do Som (MIS) ia inaugurar uma exposição sobre David Bowie, um dos grandes amores de Isabella. A exposição tinha sido montada originalmente no Victoria and Albert Musem em Londres entre março e agosto de 2013 e tava indo pro MIS.

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Toda vez que Isabella falava do Bowie, os olhos brilhavam e ela abria um sorriso. A minha reação era sempre a mesma – eu (dizia que) não conhecia Bowie.

Então eu descobri a exposição e queria fazer a segunda surpresa da viagem, agora pra Isabella. Entrei no site e vi que dava pra comprar as entradas antes, o ingresso que era R$5 ia pra R$25, mas mesmo assim eu estava decidida a garantir a nossa ida na estreia. Mandei e-mail pro hostel pra ver se alguém podia me dar um help e comprar pra gente, a fim de evitar o prejuízo. No final das contas, não dava pra comprar antecipado no MIS, o site não funcionava e eu corri o risco de comprar no dia. Mandei pra ela a programação que tinha pensado e tinha um buraco na sexta de manhã. Era segredo.

Chegamos em SP na quarta-feira muito cedo, largamos as coisas no hostel e fomos pra rua. O dia terminou com uma chegada milimetricamente arquitetada por mim e pela Dé, na qual passamos pela portaria do prédio deles sem tocar o interfone e quase matei o Masili do coração quando ele abriu a porta e ta-dá!, estávamos lá.

Passei quarta e quinta andando com Isabella pela cidade. Sempre ficava tensa quando pegávamos o metrô: aquelas telinhas cheias de propaganda ficavam sugerindo eventos pela cidade e eu ficava sempre desviando a atenção dela, com medo de aparecer alguma coisa sobre a exposição. Consegui.

Sexta de manhã chegou. Eu estava mega ansiosa. A primeira surpresa tinha sido sucesso, a segunda ia rolar, eu tinha fé. Mal podia esperar pela reação dela. E mais uma pausa pra falar de Isabella. Isabella, que pensa muito pouco nela, estava sendo livre. Isabella estava sendo ela, fazendo o que queria, sem pressa, sem estado de alerta, sem preocupações constantes. O faniquito.

Pegamos um ônibus e fomos. Quando chegamos lá nos deparamos com um cartaz gigante e esse container aí de baixo. Os olhos de Isabella brilharam mais do que todas as vezes que ela falou do Bowie, encheram d’água e o sorriso não fechava nunca. Parecia que a gente ia entrar e dar de cara com o próprio Bowie. Não consegui um registro desse momento, mas tem esse aí que foi posterior à chegada.

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Ficamos um tempinho do lado de fora, a exposição abria às 11h. Eu achando que ia estar lotado e nada, muito longe disso. Rolou uma filinha com algumas pessoas, compramos nossos ingressos e entramos. Deixamos a bolsa num armário (felizmente era proibido fotografar, acho isso sempre um alívio) e antes de entrar pegamos um fone com um aparelho do tamanho de um radinho de pilha que deveria ficar pendurado no pescoço. No fone rolava o que até então eu achava era tão só uma trilha sonora pra curtir a exposição.

Passamos por um corredor escuro, com umas luzes azuis pelo caminho e a primeira sala era dedicada a nada menos que Space Oddity. Logo na abertura um cartaz contava a história da composição da música. Pra definir o nome, Bowie procurou Stanley Kubrick, e na minha cabeça foi algo do tipo: oi, Kubrick, beleza?, aqui é o Bowie, eu fiz uma música nova e queria saber se rola de fazer um jogo de palavras com Space Odyssey”. Isso foi sensacional demais pra mim.

Essa primeira sala era bem pequena, eu ainda estava tentando entender como aquilo ali rolava no mundo e eu não sabia. Fui acompanhando a sequência, rascunhos, matérias de jornal, cifras, e, de repente, quando virei, dei de cara com uma televisãozinha antiga que passava isso aqui:

Foi, então, que tudo fez sentido: o fone estava perfeitamente sincronizado com a TV e eu fiquei uns 15 minutos vendo o clipe se repetir. E, assim, eu me apaixonei.

Passamos mais de duas horas lá dentro. A cada passo que eu dava era um mundo que se abria. Eu não conseguia imaginar a possibilidade de fazer tantas coisas incríveis em uma única vida, de ter aquela capacidade de me reinventar, de me desorganizar e de expandir. E aos poucos eu fui percebendo que, sim, eu conhecia Bowie. Eu conhecia e sabia várias das coisas que vi lá dentro, as roupas, os filmes, as músicas. E mais do que o que era concreto, eu de alguma forma me reconhecia ali. Eu queria ser e era, em alguma molécula do meu corpo, um pouco de Bowie. Porque Bowie não era ele, era tudo, era todos e não era coisa alguma. David Jones. David Bowie. Ziggy. E por aí vai.


(esse vídeo também rolou numa televisãozinha e mais uns 15 minutos se foram no repeat)

Chegamos ao final. Uma sala enorme, escura, redonda, com um pé direito altíssimo e vários manequins vestidos com roupas dele. Toda a sala era feita de telões que passavam imagens de shows. Não um show, mas alguns. Às vezes dois, às vezes três. E por conta do radinho mágico, dependendo do lugar onde você estava na sala, o som ia mudando.

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A minha primeira reação foi ficar girando no mesmo lugar pra ouvir tudo e olhar pra tudo. Foi quando eu parei, olhei pros lados e vi: as várias pessoas que estavam na sala naquele momento experimentavam cada uma o seu show particular, escolhiam pra qual tela olhar, mas todas, sem exceção, estavam emocionadas. Eu me sentei no chão de carpete, encostada num canto e chorei. Quietinha, no meu canto, eu chorei um bocado. Eu não conseguia entender o que acontecia, mas acontecia e era incrível, era lindo e era totalmente inexplicável. E foi, assim, que o amor chegou. A paixão era evidente, mas sim, eu amava Bowie, assim. Talvez porque isso seja mesmo o amor, uma coisa que apesar de poder ser recíproco, compartilhado ou não, no fundo você experimenta sempre sozinho. Tem a ver com o que te afeta, como te afeta e como você olha e esquece tudo ao redor. Nada importava naquela hora, então eu me entreguei. E como em todo amor, não dava vontade de partir.

Várias vezes eu me perdi da Isabella lá dentro e quando olhava pro lado ela ainda estava com a mesma cara de quando tinha chegado. A gente digeriu cada pedacinho daquilo tudo e tentou guardar o máximo que deu. No fundo eu acho que se alguém me pedir pra contar as coisas que aprendi sobre ele na exposição eu não vou saber dizer muita coisa. Porque não é por aí. E quem sabe valha a pena a gente pensar se a gente aprende alguma coisa efetivamente sobre quem se ama ou sobre o que se ama, porque eu acho que não. O amor é essa experimentação constante do que diz alguma coisa, do que brilha na e da gente. Porque, na verdade, afeto a gente não vê, não toca, não define. Os afetos estão por aí, pra serem vistos com o corpo, pra serem sentidos pela alma e a gente sabe que eles vem quando dá aquele vazio que vai crescendo lá dentro do estômago e sai pela boca iluminando tudo ao redor. Quando a gente experimenta o amor é lisergia pura.

Quando eu comecei a escrever esse texto, tinha pensado em pesquisar fotos, falar da exposição, tentar contar pra quem não pôde ir o que deu pra ver por lá. Mas não deu. Não dá. Como eu disse no começo, esse é um texto sobre o amor, e só quem vive um amor é capaz de enxergá-lo como ele se dá.

http://arte1.band.uol.com.br/homenagem-a-david-bowie/

A nossa viagem continuou linda. A comemoração do aniversário do Masili teve ainda mais uma surpresa, com a chegada da Carol.

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Eu voltei pro RJ no domingo e a primeira coisa que fiz foi baixar a discografia do Bowie. Na época, escolhi 4 discos pra ouvir: Heroes, The man who sold the world, The rise and fall of Ziggy Stardust and the spiders from Mars e, claro, Space Oddity. Os quatro estão no meu iPod até hoje – já são dois anos – e ainda não consegui parar de ouvi-los, nem achei que era a hora de passar pra outros. Depois disso comprei o meu primeiro vinil do Bowie, claro, Space Oddity. Depois que minha irmã se mudou e levou a vitrola, o disco passou um tempo na casa da Isabella, até que no meu aniversário do ano passado, Isabella, sendo Isabella, me devolveu o disco – com uma vitrola de presente.

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Mas antes disso, no natal de 2014, eu ganhei da minha irmã e de outra amiga um outro presente maravilhoso. Um livro lindo e sensacional da exposição, que eu nem sabia que existia. Pra quem quiser ver mais, tá aqui ó: http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/2215/David-Bowie-.aspx

Quando Bowie se foi no início dessa semana meu coração apertou, mas eu não chorei. Eu disse pra mim mesma que era uma bobagem, que não tinha porque. E aí hoje, eu decidi usar esse lugar tão querido que é o Faniquito pra fazer a minha despedida desse grande amor que se foi. Finalmente, eu chorei. Eu ainda tento entender porque a tristeza de vê-lo ir. Mas como é amor, não tem nenhuma explicação. Pelo que vi e ouvi de algumas pessoas, a conclusão que chegamos é de que talvez seja mesmo difícil entender que Bowie era tão mortal quanto a gente, e que pra ser mais de um, todos e nenhum é só a gente querer.

E, assim, eu me despeço desse texto tão querido e do Bowie, esse amor tão recente e tão arrebatador, como eu já disse em algum outro momento. Agradecendo a ele por ter sido todos eles e até o fim ter sido mais. E aos meus amigos que me ensinaram, como o Bowie: “I never thought I’d need so many people”. Amo vocês.


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Em duas rodas

Tirando as rodinhas da bicicleta

11 de janeiro de 2016

Esses últimos dias foram de total expectativa pra gente: acabamos de comprar e montar nossas bicicletas, inspirados e influenciados por diversas coisas que andaram acontecendo por aqui.

A começar, obviamente, pela estrutura que São Paulo agora possui para a prática do ciclismo. “Ah, mas não é o ideal… ainda falta muito, tem muita coisa precária e nem tudo é essa maravilha“. Verdade. Mas ao mesmo tempo, é algo concreto, e que precisa ser ocupado, utilizado e com o tempo desenvolvido para que se firme e torne-se algo tão natural quanto uma rua ou uma calçada. Há espaço sim para todos, a cidade é imensa, e a alternativa maravilhosa sob diversos aspectos. Tivemos nosso primeiro e real contato quando da primeira visita à Avenida Paulista aberta. O ambiente presente naquela primeira visita (e que se repetiu na segunda, bem em como outros diversos finais de semana) nos tomou de assalto, e dali em diante a bicicleta passou de ideia a projeto.

Além disso, estar de bicicleta muda sua relação com a cidade. Os trajetos são livres, o contato diferente, e a vontade de redescobrir paisagens e elementos que fazem parte da sua então rotina acrescenta algo lúdico a lugares tão conhecidos. Nossa ansiedade em visitar a casa da mãe/sogra, ir comer um pastel no sacolão ou mesmo dar uma volta pelas redondezas é comparável à de uma criança no dia de Natal. Existe também a parte física, que os dois trintões (a Dé ainda é trintinha, eu que estou entrando nessa perigosa área do til) precisam cuidar.

Redescobrir a cidade: sempre é hora pra isso, e os amigos já estão lá.

Redescobrir a cidade: sempre é hora pra isso, e os amigos já estão lá.

Tão lúdico que até andar pelo Minhocão parece uma boa ideia (mas de bicicleta).

Tão lúdico que até andar pelo Minhocão parece uma boa ideia (mas de bicicleta).

Temos alguns/vários amigos que já fazem parte desse movimento: alguns utilizam a dita pra trabalhar, outros fazem trilha em grupos noturnos, e uns já se profissionalizaram e viajam de bike para distâncias não tão curtas assim. Foi justamente seguindo as dicas de um casal de amigos – a Gica e o André, o casal que faz algumas das viagens mais inacreditáveis nesse modelo, e que despertou um faniquito incontrolável em nós dois – que colocamos nosso plano em prática. Eles nos mostraram algumas das possíveis combinações entre os diversos elementos que compõem uma bicicleta: guidões, freios, manetes, quadros, pneus, passadores de marcha, selins, pedais e tantas coisas que podem facilitar ou dificultar sua pedalada. Nosso teste prático foi breve, mas bastante esclarecedor – além de potencializar definitivamente o projeto. Com isso, fizemos nossa compra e montagem durante o último sábado, e se o cronograma der certo vamos retirar as crianças nessa próxima quarta-feira.

A Gica e o André pintaram nosso faniquito de trocentas cores.

A Gica e o André pintaram nosso faniquito de trocentas cores.

Aos temerosos ou que ainda não sabem pedalar, um depoimento pessoal: a Dé também não sabia até 2008, quando nos metemos a eliminar essa lacuna no Parque Villa-Lobos, aqui em São Paulo. Alugamos duas bicicletas, e eu (que nunca tinha ensinado ninguém a andar de bicicleta na vida) fiz o papel de professor naquele dia. Sim: em UM DIA ela aprendeu e deu a volta no Parque comigo. Obviamente um tombinho aqui e uma tremidinha ali fizeram parte desse passeio, exatamente da mesma forma quando a gente aprende a dirigir, arruma um emprego, essas coisas. Fato é que depois de se equilibrar pela primeira vez, nunca mais você esquece. Alguns meses depois, esse dia nos permitiu desfrutar da mesma experiência de um passeio no parque – mas em Buenos Aires, o que foi muito legal.

Já ouvimos sobre o medo e os perigos de andar de bicicleta “na rua”. Bem, perigos existem sob qualquer circunstância, e enfrentá-los é o que nos faz crescer e amplia horizontes. Por isso mesmo, estamos muito felizes em poder inaugurar essa sessãozinha chamada “em duas rodas“, que em breve – esperamos – receba mais e mais conteúdo da gente, e de quem mais se habilitar a dividir suas experiências bicicletísticas aqui no Faniquito 🙂

Coreia do Norte

Coreia do Norte: o Projac asiático

7 de janeiro de 2016

Rolou uma substituição de pauta de última hora por aqui. Preferi abordar outro tema, que me parece bastante pertinente, dados os últimos acontecimentos dessa quarta-feira. Existe um país que eu morro de vontade de conhecer, pelos motivos mais óbvios e bizarros que uma pessoa pode ter (e eles nunca são plenamente explicáveis). Estou falando da Coreia do Norte.

Deixando de lado o fato dos caras terem supostamente testado uma bomba H (com a naturalidade de quem resolve sair pra comer um pastel), lembro de ter começado a prestar atenção no país quando do sorteio da Copa da África do Sul, e o chaveamento no grupo do Brasil. Aí aconteceu o tal jogo, o Brasil ganhou por 2×1, e os jornais daqui noticiaram que por lá informaram uma suposta vitória norte-coreana. Eu achei bizarro, e a partir dali passei a me interessar por toda e qualquer notícia que envolvesse a Coreia do Norte. Pouco tempo depois, aquilo que era somente curiosidade virou uma obsessão, quando vimos a repercussão local da morte de Kim Jong-il. Eram cenas inacreditáveis – e continuam sendo:

Pra alguém que leu 1984, saí devorando tudo o que dizia respeito à Coreia do Norte: me emprestaram livro, revirei o YouTube, diversos blogs e textos, e assisti a todos os especiais que pudessem acrescentar algum tipo de conhecimento sobre aquele país totalmente alheio à globalização. A tal filosofia juche (de culto à personalidade, base da política implantada no país desde 1948 e que fez de Kim Jong-il e de seu pai, Kim Il-sung, verdadeiros deuses aos olhos dos norte-coreanos), o modelo comunista e socialista, a economia, a relação com o mundo exterior (e a não-relação com EUA, Coreia do Sul e Japão)… quanto mais a gente mexe, mais difícil de entender o quebra-cabeça que constitui a imagem de um país tão único – sem juízo de bem ou mal, apenas entendendo que ele se encaixa no contexto mundial como verdadeira exceção em praticamente todos os aspectos.

Se isso não é capaz de despertar o faniquito, o que seria?

Em todas as fontes pesquisadas, os relatos de quem se aventurou a conhecer o país são muito semelhantes. Das curiosidades incríveis aos recém-chegados, segue abaixo uma breve lista:

  • a companhia constante e obrigatória de pelo menos dois funcionários do governo (um guia e um motorista), pois a locomoção pela capital Pyongyang é devidamente programada, aprovada, e jamais feita de forma independente;
  • de uma ampla série de coisas e lugares possíveis de se conhecer, absolutamente todos fazem menção explícita e exaltada “à soberania nacional, e aos méritos de seus dois líderes e salvadores históricos” anteriormente citados. Nada de pegar um cineminha, ou mesmo dar uma volta pelas ruas;
  • o contato dos turistas com os cidadãos, se não nulo, é mínimo e controlado – nada de novas amizades;
  • quando em visita ao país, seus documentos são literalmente sequestrados, e somente devolvidos no dia de saída;
  • a moeda local para turistas é diferente da utilizada pelos locais (!);
  • das vinte estações de metrô, o turista só é autorizado a passear entre duas (Puhung e Kaeson);

  • além das estruturas, esculturas e memoriais militares e políticos, as grandes atrações turísticas do país são uma fábrica de garrafas, uma tecelagem, entre outros programas injustificáveis;
  • é possivelmente o único país no mundo em que o acesso à internet é proibido (pense no seu cotidiano, e transfira sua realidade pessoal para um contexto desses – seja bem-vindo a 1984: pesquisas na Barsa, Voz do Brasil – mas em coreano, e que no caso, dura um dia, todos os dias, e nada de Menudos ou programa do Chacrinha);
  • todos os cidadãos utilizam um broche com o rosto do comandante da nação;
  • teatro, cinema, música, artes e espetáculos em geral não destacam artistas: toda obra artística e intelectual pertence ao Estado, e consequentemente tem como tema seus comandantes, o partido dos trabalhadores e a filosofia Juche. Em outras palavras: toda manifestação cultural é propaganda política;
  • e se você acha tudo isso absurdo, saiba que foram criadas artificialmente no país duas flores, chamadas Kimilsungia e Kimjongilia (em homenagem óbvia a Kim Il-sung e Kim Jong-il).
Kim Il-sung e Kim Jong-il - o centro do universo na Coreia do Norte.

Kim Il-sung e Kim Jong-il – o centro do universo na Coreia do Norte.

É fascinante, absurdo, medonho, bizarro, misterioso e provocador.

Por isso mesmo eu quero conhecer. Minha imaginação concretiza a imagem de um verdadeiro Projac tamanho gigante. Será que é possível ser genuinamente feliz num lugar onde absolutamente tudo é controlado pelo governo, onde a liberdade de expressão é nula, e você é invadido diariamente e sem intervalos por propaganda política? Qual será o efeito prático que a ignorância pela censura causa no desenvolvimento racional e emocional dos norte-coreanos? É possível sonhar com o que acontece no restante do mundo? Desenvolver algum tipo de curiosidade? Contestar uma realidade que é totalmente moldada num discurso que não evoluiu ou agrega?

Eu duvido, de tudo isso. Mas eu sou ocidental, e calçando meus sapatos é fácil achar tudo isso descabido. Será que eu conseguiria por um mínimo instante calçar os sapatos de um norte-coreano, e conceber o que seria uma semana de vida de um cidadão comum em Pyongyang? Não, certamente não. Nem mesmo o turismo ao país permite algo próximo disso.

Turismo que é sim permitido, mas de maneira bastante peculiar. Seu acesso acontece somente pela China, e o preço é bastante proibitivo (li que gira em torno de R$ 6500,00, fora passagens e vistos), além de todas as observações listadas acima, e mais uma infinidade de detalhes que a gente vai descobrindo pelo caminho. Ou seja: por mais algum tempo a Coreia do Norte estará somente em minha imaginação e em minhas pesquisas.

Mas se valer o desafio, tente se colocar no seguinte cenário: roupas comportadas (semelhantes às que o mundo vestia nos anos 60), o tradicional e obrigatório broche do comandante do país no peito, pouca comida na mesa, muito trabalho, e uma obrigação constante de culto aos heróis nacionais; um em cada 3 de seus amigos é militar; o grande evento do país é um festival cuja atração principal é um enorme e inacreditável mosaico humano – o Arirang – que conta a história da “excepcional vitória norte-coreana sobre os vizinhos japoneses” (obviamente, sob o comando do Grande Líder)…

…seu inconformismo, sua revolta, seu desprazer – se existirem – não podem ser externados, sob pena de prisão, tortura e morte por traição; possivelmente seu casamento será arranjado, e seu mundo restrito às fronteiras desse país.

É a Coreia do Norte: esse enigma que um dia pretendo – se não desvendar – pelo menos tocar.


Mais algumas dicas:

  • A busca por imagens do país no Google não chega a ser ruim, mas se quiser acompanhar um canal muito bacana com imagens de lá, siga o DPRK360 no Facebook. As fotos são ótimas e aparentemente trazem um pouco daquilo que os turistas não têm possibilidade de conhecer no país (mas isso é só uma hipótese, como tudo o que é noticiado de lá…).
  • Sobre o Arirang e o culto ao grande líder, assista A State of Mind (2004), documentário britânico da BBC que está disponível na íntegra no Youtube (com legendas em inglês);
  • Uma das melhores séries de reportagens sobre a Coreia do Norte realizadas no Brasil foi feita pelo SBT, em 2005, no Jornal SBT Brasil – e também está disponível no Youtube.
  • Um depoimento no TED que fez bastante barulho há algum tempo diz respeito a uma norte-coreana que relata como foi crescer na Coreia do Norte, e hoje enxergar o país de fora. Também está disponível e legendado no Youtube.
  • Outro depoimento no TED diz respeito a uma sul-coreana que passou seis meses disfarçada no país, lecionando em inglês. A entrevista está disponível (sem legendas) nesse link.