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Brasil

Brasil, Em duas rodas

Uma chácara (do jockey) no meio do caminho

11 de maio de 2016

Faz uns dez dias que inauguraram um parque aqui do lado de casa. O Parque da Chácara do Jockey é um espaço mais do que necessário na região, por uma série de fatores óbvios: um espaço de lazer público e gratuito, um ambiente natural, uma área para desenvolvimento esportivo e cultural (existem instalações temporárias para esse fim), enfim… tudo aquilo que um parque precisa ter. A gente ficou mais do que feliz, afinal de contas além de ter tudo isso por perto, ganhamos em segurança ao cortar caminho por dentro do parque até a ciclovia mais próxima.

Parece besteira, mas faz toda a diferença. Encarar um segmento do trajeto em que é necessário dividir espaço com ônibus e carros numa área não delimitada dá um tremendo cagaço, além de ser naturalmente perigoso. Some-se a isso pessoas com pouca ou nenhuma experiência em trânsito, bicicleta ou ambos e um possível novo hábito acaba indo pro espaço pelo contexto ambiental nada favorável.

Um dos belos prédios do parque...

Um dos belos prédios do parque…

...e uma lagoa que sequer sabíamos que existia.

…e uma lagoa que sequer sabíamos que existia.

E reafirmamos: a estrutura de hoje é amplamente favorável. Nas andanças que fizemos por outros pedacinhos de mundo, vimos todo tipo de situação e estrutura (ou falta dela). Porém, o hábito do ciclismo é algo consolidado em outras cidades que não São Paulo, que ainda está engatinhando nesse processo. Ainda nos falta o hábito de entender o espaço do ciclista, de vê-lo como participante no trânsito e respeitá-lo como ser humano – sim, porque “a fragilidade do transporte” não significa que seja dele a responsabilidade de se adaptar às barbaridades que a gente vê por aí. Com a estrutura que hoje existe em várias partes da cidade – e nesse caso, da Avenida Eliseu de Almeida -, transformar vontade em ação quanto à prática de exercícios é algo muito possível. Com um parque do lado, a coisa toda fica ainda mais robusta.

Olhando pro gramado do vizinho, vimos ciclovias bacaníssimas e super bem estruturadas, localizadas entre a rua e as casas e protegidas por canteiros e jardins; também encontramos estruturas bastante semelhantes à encontrada hoje em São Paulo, que são um mix de novas instalações com estruturas adaptadas, com ciclofaixas pintadas na rua ou em calçadas; e vimos também algumas situações bastante inusitadas, onde o espaço da bicicleta ladeava ou dividia terreno com ônibus, bondes e carros. Algo passível de xingamento aos mais exaltados, mas que se a gente pára pra pensar e imagina aquela situação sem vícios de momento, enxerga que sim: o espaço é o mesmo para todos porque… tem que ser assim. O que muda é o casco: são pessoas em movimento, e respeito é essencial em qualquer circunstância.

Uma ciclovia ideal em Bucareste.

Uma ciclovia ideal em Bucareste.

Uma ciclofaixa temerosa na Bratislava.

Uma ciclofaixa temerosa na Bratislava.

Por isso mesmo, estamos comemorando esse novo espaço – que sim, é uma dica turística em São Paulo, por que não? Uma área gigante (e ainda na laje, é bom que se diga que possivelmente haverá um maior paisagismo com o tempo – porém o nome “chácara” faz todo o sentido nesse momento), com amplo espaço verde, uma lagoa que nem sabíamos que existia, as cocheiras que estão se transformando em salas administrativas, e sim: uma ligação verde entre duas enormes avenidas. Recomendamos, adoramos e frequentamos.

Quer conhecer o casal Faniquito? Aos finais de semana de tempo limpo, aqui pertinho de casa :)

Quer conhecer o casal Faniquito? Aos finais de semana de tempo limpo, aqui pertinho de casa 🙂

Brasil, Em duas rodas

Bicicleta na estrada: de Mogi a Guararema

11 de fevereiro de 2016

Era sábado à tarde quando a Gica nos ligou, convidando para um passeio de bicicleta “de verdade”. Nossos já estabelecidos 12 quilômetros aos finais de semana aqui na vizinhança dariam lugar a corajosos 52, em terrenos nunca antes desbravados. Nossas bicicletas ainda estavam virgens de quase tudo, limpinhas da Silva e totalmente delicadas.

– Jinhu, você sabe que eu adoro me f**der.

Com essa singela frase que a Dé me convidou ao desafio. Eu, de maneira muito parceira e temerosa, aceitei.

No dia seguinte, saímos de casa por volta das 9h30. Percorremos os 6 primeiros quilômetros da ciclovia da Avenida Eliseu de Almeida. Um trecho de duas ou três quadras estava interditado para o desfile de Carnaval que aconteceria à noite, então seguimos cuidadosamente pela rua e calçadas até retomar a ciclovia, em direção ao metrô Butantã. Chegando lá, nova estreia, descendo as escadas com as meninas debaixo do braço, e agradecendo aos céus por termos comprado quadros de alumínio – que sim, são mais caros, mas que valem cada centavo investido na hora do levantamento de peso.

Seguimos do Butantã à República, onde encontramos Gica e André – os responsáveis pelo passeio (e por nossas bicicletas, como já contamos em outro texto). Mudamos da linha amarela para a vermelha, e seguimos a travessia pela cidade, indo de metrô até o Brás, e de trem dali em diante – do Brás até Guaianazes, fazendo nova baldeação e seguindo até Estudantes, em Mogi das Cruzes.

Suas definições de "atravessar a cidade" foram atualizadas.

Suas definições de “atravessar a cidade” foram atualizadas.

O primeiro passeio de bicicleta começou no metrô...

O primeiro passeio de bicicleta começou no metrô…

...e seguiu de trem.

…e seguiu de trem.

Lá, encontramos o Alex e a Su, que completaram o nosso grupo. Estávamos prontos pra seguir – enfim, de bicicleta. Capacetes e luvas seriam usados pela primeira vez. Estávamos ansiosos. Filtro solar distribuído e um breve lanchinho, começamos nossa pedalada.

Hora de pedalar pra valer :)

Hora de pedalar pra valer 🙂

Um primeiro trecho ainda pela cidade, e algumas mudanças já se fizeram necessárias: nossos bancos estavam baixos demais, e as pernas (ou melhor, as coxas) acusaram isso na primeira tentativa de acompanhar o grupo. Ajustamos, e agora confortáveis, seguimos viagem. O trecho urbano deu lugar a uma estradinha com quase nenhum movimento. Encarávamos nossos primeiros trechos de descida, e principalmente de subida. Com a ajuda da Gica e do André, fomos descobrindo aos poucos qual a relação de marchas usar em qual trecho, e nesse passo-a-passo fomos adquirindo a confiança que até então não tínhamos. Não havia pressa, e isso ajudou muito para que o casal de novatos não desse vexame ou fizesse feio.

O primeiro trecho urbano, em fila até a chegada na estrada.

O primeiro trecho urbano, em fila até a chegada na estrada.

Já na estrada vazia, o registro do grupo completo.

Já na estrada vazia, o registro do grupo completo.

Do asfalto ao paralelepípedo, os primeiros trechos em subida que de fato utilizamos o que havíamos aprendido. Mesmo com pouca inclinação, aquele obstáculo – que até o início do dia era intransponível – ficou pra trás. A sensação de vitória é deliciosa, e íamos encontrando nosso ritmo. Pouco depois chegávamos à Estação de Sabaúna, onde demos um tempinho pra reabastecer numa barraquinha de caldo de cana. O calor maltratava, mas o vento na cara, o bom humor da galera e nossas garrafas d’água compensavam. O cansaço, surpreendentemente, era bem menor do que esperávamos. Seguimos adiante.

Na Estação de Sabaúna...

Na Estação de Sabaúna…

...uma pausa pro "caldicana".

…uma pausa pro “caldicana”.

Pouco depois, entrávamos num extenso trecho de terra. Pra minha alegria, a Dé – que não tinha experiência alguma nesse tipo de terreno – passeou tranquilamente junto ao grupo. Tanto ela como eu ainda tínhamos alguma dificuldade com a nova posição de nossos bancos, a ponto de perdermos o equilíbrio em algumas paradas pelo caminho. Cada pessoa do grupo tinha seu ritmo, mas todos fizemos questão de estar sempre juntos – fosse avisando sobre algum carro que se aproximava, dividindo água, ou falando besteira. O passeio era ótimo, e já valia mesmo sem termos chegado ao destino.

Aquela hora em que você não reconhece mais São Paulo.

Aquela hora em que você não reconhece mais São Paulo.

Pelo caminho, paisagens incríveis e pausas providenciais.

Pelo caminho, paisagens incríveis e pausas providenciais.

Pouco antes da chegada, hora de sujar de vez nossas meninas.

Pouco antes da chegada, hora de sujar de vez nossas meninas.

Mas chegamos.

A Vila Estação Luis Carlos é uma área recém-restaurada pela prefeitura de Guararema, e que esteve abandonada até 2010. Hoje, além de abrigar restaurantes, bares, comércio e algumas poucas residências, a vila serve de ponto para o Passeio Turístico Estação Guararema – Estação Luís Carlos, que é realizado com a locomotiva Maria-Fumaça 353. A primeira impressão que tivemos ao chegar foi de que aquele lugar era cenográfico, tal a intensidade das cores da pequena vila – que foi entregue restaurada há apenas 4 anos – e sua cara de coisa nova, mesmo com detalhes arquitetônicos tão tradicionais. Uma rua reta, uma praça, um calçadão onde estavam estacionados trocentos carros, e pouco adiante, a locomotiva. Mesmo minúscula, ficamos surpresos com o charme e a beleza do lugar, do qual até então sequer havíamos ouvido falar.

Descemos das bicicletas, e chegamos...

Descemos das bicicletas, e chegamos…

...à Estação Luis Carlos, que parecia cenográfica...

…à Estação Luis Carlos, que parecia cenográfica…

...com suas casinhas coloridas...

…com suas casinhas coloridas…

...e essa combinação inacreditável de "igrejinha azul mais Brasília amarela".

…e essa combinação inacreditável de “igrejinha azul mais Brasília amarela”.

Um final de tarde colorido :)

Um final de tarde colorido 🙂

Cansados e felizes, nos instalamos em um dos bares para aproveitar um pouco da vila. Eu e a Dé estávamos realizados – não havia um mês que tínhamos feito nosso primeiro passeio com nossas próprias bicicletas, e conseguimos superar 20 quilômetros de um trecho nada semelhante à habitual ciclovia. Passava das 17h quando pedimos alguns petiscos e bebidas. Ficamos de bobeira por lá por mais ou menos hora e pouco, ouvindo um grupo animado de violeiros e observando aquele inesperado vai-e-vem num lugar tão pequeno. Reabastecemos nossas garrafas, tiramos várias fotos, tomamos coragem e começamos o caminho de volta.

Já familiarizados com o terreno, a insegurança foi dando lugar ao cansaço. O sol aos poucos ia sumindo, e temíamos pela pedalada à noite, o que acabou acontecendo principalmente pela minha queda de rendimento. Mesmo com pouca luz, a volta foi bastante segura (pelas lanternas das bicicletas, que foram utilizadas também pela primeira vez), e por não demorarmos a chegar no trecho urbano. A chegada à Estação de Estudantes, em Mogi, foi totalmente redentora pra gente.

Um pouco mais de terra na hora de voltar...

Um pouco mais de terra na hora de voltar…

...algumas descidas redentoras...

…algumas descidas redentoras…

...e quando o fôlego acabava, era hora de empurrar.

…e quando o fôlego acabava, era hora de empurrar.

Não imaginávamos que algum dia faríamos parte de um grupo disposto a fazer um passeio desse tipo. Não nos imaginávamos capazes de saltar de 12 para 52 quilômetros nesse tipo de teste físico. Mas deu certo. Deu tudo muito certo. E mesmo com a (inevitável) posterior dor na bunda, do cansaço no dia seguinte, foi muito gostoso. Uma experiência totalmente diferente de um passeio de carro, trem ou ônibus. O contato com a natureza, um grupo de gente do bem, um trajeto bonito e esse lado lúdico que a bicicleta traz formam um conjunto que periga viciar.

Agora é fato: temos mesmo um novo faniquito adquirido 🙂

Brasil

São Paulo: um longo caminho

2 de fevereiro de 2016

Durante o penúltimo final de semana de janeiro aconteceram os festejos de aniversário de São Paulo. Uma daquelas oportunidades em que aproveitar a cidade é quase uma obrigação, tamanho o número de eventos gratuitos, diversos e simultâneos que se espalham por aqui. A gente escolheu uma das atrações – um passeio de trólebus pelo centro velho – e resolveu encarar um feriado de sol escaldante pra passear por aqui.

Aos fatos:

Pegamos um ônibus perto de casa, que nos deixou na Estação República do Metrô. Nesse dia, o bilhete único valia 8 horas, e isso já era um baita incentivo pra, mais uma vez, deixar o carro em casa (porém, o bilhete da Dé deu pau e cobrou ambas viagens, de ida e volta). Alguns passos adiante, e duas tendas para o evento orientavam os turistas, e organizavam um walking tour pela região. Seguimos até o Pateo do Collegio, que era o ponto de partida do trólebus: saía em intervalos de 3 a 4 minutos, com todos os passageiros sentados, num tour gratuito e guiado. Porém, a fila de espera para o ônibus era dantesca, e abandonamos imediatamente a ideia do tour.

Sugestão:

Por que não distribuir os pontos de saída de um passeio circular por 3 ou 4 pontos do trajeto? As filas ficariam diluídas, não desanimariam quem chega, e possivelmente teriam maior adesão…

Mudança de planos imediata, voltamos à Prefeitura para pegar o próximo walking tour, que sairia às 11h30. No horário marcado, nossa guia reuniu o pequeno grupo (que não somava mais de 10 pessoas), iniciando ali mesmo as explicações. Uma coisa que a gente notou foi um certo descuido com alguns detalhes (como por exemplo, o microfone, que mesmo em grupos pequenos precisa estar ligado o tempo todo – no caso desse passeio, durou pouco menos de 15 minutos). Seriam mais ou menos duas horas e meia de caminhada. Partimos.

No prédio da Prefeitura, a sigla MMM - Matarazzo, Mussolini e Marcelo Piacentini, esse último o arquiteto fascista que projetou os edifícios do império da família Matarazzo na cidade.

No prédio da Prefeitura, a sigla MMM – Matarazzo, Mussolini e Marcelo Piacentini, esse último o arquiteto fascista que projetou os edifícios do império da família Matarazzo na cidade.

Um dos marcos da resistência dos alunos de direito da Faculdade do Largo São Francisco às atitudes do governo...

Um dos marcos da resistência dos alunos de direito da Faculdade do Largo São Francisco às atitudes do governo…

...bem como o parlamento que está localizado logo à frente do prédio, e que assegura até hoje o direito à livre manifestação popular (enquanto o manifestante estiver ali em cima - depois de descer a história é outra e todos nós sabemos...).

…bem como o parlamento que está localizado logo à frente do prédio, e que assegura até hoje o direito à livre manifestação popular (enquanto o manifestante estiver ali em cima – depois de descer a história é outra e todos nós sabemos…).

Prefeitura, Secretaria de Segurança, Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Catedral da Sé, Praça João Mendes, Tribunal de Justiça, Solar da Marquesa de Santos, Pateo do Collegio, Centro Cultural Banco do Brasil, Rua do Comércio, uma subida no Edifício Martinelli, Anhangabaú e Theatro Municipal. Um belo roteiro, que vamos resumir em observações positivas e negativas.

O Solar da Marquesa de Santos, e um pedaço da fila (que dobrava o quarteirão) de espera do trólebus.

O Solar da Marquesa de Santos, e um pedaço da fila (que dobrava o quarteirão) de espera do trólebus.

Um intervalo providencial no Centro Cultural Banco do Brasil, e um teaser da exposição do Mondrian que está acontecendo por lá.

Um intervalo providencial no Centro Cultural Banco do Brasil, e um teaser da exposição do Mondrian que está acontecendo por lá.

O "primeiro caixa eletrônico" da cidade ainda existe.

O “primeiro caixa eletrônico” da cidade ainda existe.

As coisas bacanas:

Começando pelo óbvio, é de fato um tour muito bonito e recheado de história. Alguns dos edifícios são belíssimos, e os detalhes de outros tantos são exaltados pela guia durante o trajeto, que teve como ponto alto (sem trocadilhos) a visita ao topo do Martinelli. Eu nunca tinha subido lá, e dá pra chamar sim de obrigação – tanto para quem mora como para quem visita a cidade. Mesmo em duas horas e meia, é um passeio bastante tranquilo, que pode ser feito em qualquer dia da semana, de tão simples.

A fachada do Martinelli continua impressionante...

A fachada do Martinelli continua impressionante…

...mas a visão lá de cima é ainda mais.

…mas a visão lá de cima é ainda mais.

Lá de cima, além da sua arquitetura incrível...

Lá de cima, além da sua arquitetura incrível…

...é possível observar também o cimento original e importado para sua construção - que sim, é rosa.

…é possível observar também o cimento original e importado para sua construção – que sim, é rosa.

As coisas não tão bacanas:

Em relação ao tour, falta preparo e uma certa estrutura ao sistema de passeio guiado. Não foram poucas as explicações imprecisas, e uma certa confusão com as informações – pra algo desse contexto, não dá pra ser “mais ou menos”. Além disso, alguns lugares como a Catedral da Sé e o Pateo do Collegio mereciam algo melhor do que apresentações de fachada – uma entrada rápida ou uma explicação mais detalhada impressionariam muito mais aos que não conhecem esse roteiro.

Quanto à cidade, é uma pena que tenhamos que evitar a Praça da Sé “devido ao perigo” da região. Apesar de algumas ações que já acontecem, há muito a ser feito quanto à política social e de inclusão na cidade. Por diversas vezes o grupo “foi desviado”, para evitar contato com as pessoas que vivem nas ruas da cidade. Há também a degradação arquitetônica, e um descaso gigante com o patrimônio histórico e cultural do qual esses prédios fazem parte.

Um pedacinho bonito do Anhangabaú.

Um pedacinho bonito do Anhangabaú.

A conclusão do nosso passeio:

São Paulo é incrível e por muitas vezes inacreditável, mas precisa desenvolver bastante seu lado turístico, pois mesmo com essas iniciativas, aquilo que temos é incompatível com o tamanho e complexiade da cidade. Existem possibilidades infinitas e óbvias, que podem ser implementadas muito rapidamente a custo muito baixo, mas o que a gente vê por aí ainda é muito pouco. Os programas gratuitos – como os que foram oferecidos durante o aniversário da cidade – são louváveis, mas dá pra ir além. MUITO além. Da mesma forma, o turismo interno que a gente (não) faz é esclarecedor em trocentos aspectos: da nossa total falta de conhecimento da própria história, à situação real das pessoas – pro bem ou pro mal.

O dia foi delicioso (e cansativo pelo calor), e devemos repetir a dose ano que vem. Quem sabe, sentados dentro do trólebus, ou num walking tour diferente. Mesmo com um longo caminho pela frente, a semente foi plantada, e comemoramos o aniversário da cidade da forma que ela merece. Que venham outras festas, ainda melhores.

Brasil

Das nuvens

26 de janeiro de 2016

Por Carol Andrade


“Marquei seu salto pra 10:30 com o Lu”

O whatsapp me entregava essa mensagem da Alice quando eu já estava na Casa do Alemão com Débora tomando café, a caminho de Resende. Tinha acordado com medo: eita caramba, é hoje que eu vou saltar de paraquedas.

Nunca tive essa vontade antes, a ideia de pular de um avião no ar e apreciar o caminho vertical para o chão não me apetecia – até que, quando fui a Penedo na semana retrasada, essa ideia surgiu em forma de desejo, desejo-quase-necessidade.

Estava precisando sentir algo que me sacodisse de uma forma diferente de todas as minhas referências e nada melhor do que conversar com o Sombra, amigo querido e marido de Alice, uma das primeiras amigas da minha vida. Com anos de estrada e forte reconhecimento no paraquedismo, esse cara que já dobrou paraquedas do príncipe de Dubai por alguns anos, precisou ouvir todos os tipos de pergunta: as pessoas se mijam? Pode ter crise de pânico lá em cima? Tem algo que eu precise fazer para que a coisa dê certo? Eu que abro o paraquedas? Ele vai abrir?

Pasmem, mas ele respondeu a todas essas perguntas, ao longo de uma semana, entre um cigarro e um café, entre uma cerveja e um bolo de cenoura na enchente. Alice e Angela (mãe da Alice, professora querida e ex-colega de trabalho – vejam como essa família é um poço de referências de carinho na minha vida) empolgadíssimas com meus planos, davam força para que eu não desistisse.

Eu esperei o sábado e o sol, mas o segundo resolveu que daria lugar a nuvens carregadas e chuva contínua. Voltei para o Rio frustrada, mas na promessa de voltar, assim que o astro rei permitisse que eu passeasse no céu.

Enfim, essa semana, lá estava ele, nos devolvendo um pouco do calor infernal e dando dias mais bonitos.

“Alice, como está o tempo aí?”

“Está lindo.”

Eu entendi que era a hora.

Débora topou o passeio, vai que também decidia saltar…

Sete da manhã, pontualíssima, minha amiga há tantos anos passou para me buscar e fomos rumo a algo que eu não fazia ideia do que esperar. Ao longo do caminho ela me tranquilizou: eu não era obrigada a saltar, se chegasse lá e desse medo. Eu pensei que isso não poderia acontecer. E ainda bem que não aconteceu.

Após uma leve perdida na cidade, chegamos ao Aeroporto de Resende, Hangar 4. Alice era so sorriso. Débora registrava meus passos importantes com sua câmera. Eu estava na sétima decolagem. Macacão azul, por favor. Rosa não. Assina o termo. Débora, vou ler essa porra não, vou só preencher e assinar, fotografa pra eu ler depois em casa. Instruções do Luciano, simulando a saída do avião e a postura da queda. No carrinho do galpão e no skate, tudo parecia tranquilo. Prende o macaquinho no macacão. Vai ficar apertado, mas se incomodar avisa. Você segura aqui, abre o braço quando eu avisar. Cuidado com a cabeça, ao embarcar no avião. Vamos lá?

De repente eu estava num campo, concentrada com alguns caras de macacão, exceto um, de bermuda e camiseta que parecia bem tranquilo. O responsável pela filmagem externa me avisou: no ar, pode ser que eu segure a sua mão. Deixe apenas estendida, mas não segure a minha, ok? Ok. O instrutor disse que tudo o que eu precisava fazer era sorrir, ação que parecia impossível quando o avião chegou. Todos subiram, eu fui por último (mal sabia eu que essa ordem significava ser eu a primeira a saltar).

E aí começou.

O avião começa a andar com a porta aberta e de repente ele sobe e tudo vai diminuindo de tamanho do lado de fora, enquanto do lado de dentro, a sensação é de que há algo que não caberá mais em mim. “Não tem mais volta!”, brincou o instrutor. Mal sabia ele que essa irreversibilidade existia desde a semana que passei em Penedo.

Em poucos segundos, eu estava presa ao instrutor pela estrutura do macaquinho e em menos segundos ainda, o avião fez a reta do salto. Um alarme tocou e o avião diminuiu a velocidade. Chegou a hora, me pareceu. Abriram a porta do avião. Eu só conseguia dizer “Caralho”. Eu ia cair no google maps visualização satélite, aqueles pequenos quadrados que são o chão, aquele barulho ensurdecedor do avião, do céu, da minha cabeça, o frio na barriga, o instrutor me posicionando na porta do avião, os outros paraquedistas sorrindo, se despedindo, dando boa sorte, eu sentei com os pés para fora do avião e caralho eu to com os pés pra fora do avião, a janela que eu tanto gosto de olhar nas viagens não era mais uma janela; era o lugar onde eu estava com o corpo, eu ia cair ali, no céu, na cidade de Resende e tudo isso deve ter durado um segundo ou menos e de repente eu estava caindo e um medo absurdo apareceu e sumiu, pois magicamente eu entendi que não tinha dado merda. Tudo estava sob controle. E eu abri os olhos.

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Não sei dizer o que eu senti exatamente, eu olhava em volta e só conseguia chorar, a emoção era física e tudo o que eu queria era olhar o máximo possível, olhar para cima, olhar para baixo, registrar todas as sensações de se estar no céu. O paraquedas abriu e a coisa só ficou mais suave. Era voar de avião sem avião, era olhar tudo muito pequeno lá embaixo, sentir o corpo navegar sem chão. Não conseguia gritar urru, nem dizer o quão incrível aquilo estava sendo. Era tudo inacreditável. Não tinha angústia, não tinha tristeza, não tinha medo, não tinha fracasso, não tinha dúvidas. Todos os meus canais de perceber o mundo foram tomados por aquele momento de estar ali, depois de ter saído de um avião no ar. Pensei que meditar deve ser isso, estar consciente de uma presença grande, uma plenitude de aqui-agora, de infinito.

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Chegar no chão foi divertidíssimo – segui as instruções do Luciano e tudo acabou com um tobogã na grama com o paraquedas caindo atrás da gente. A primeira pessoa que eu vi foi Alice, feliz demais correndo em minha direção de braços abertos. Que inacreditável.

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Ao longo do dia eu fiquei tomada por um estado zen de espírito, uma tranquilidade, um sorriso calmo. Na cabeça, somente aquela imagem google maps visualização satélite, aqueles quadradinhos que tomavam forma de casas, de cidade, de pessoas jogando futebol, aquele gelado no corpo de saltar de um avião a 4 km do chão, aquele choro descarreguento, aquela emoção da ilusão de voar. Aquele carinho das amigas que estavam ali comigo, do Sombra que não estava lá, mas garantiu que estará na próxima – a próxima que eu espero acontecer o quanto antes.

Que bem maravilhoso que toda essa conjuntura me permitiu.

Voemos.


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Brasil, Fofuras

Quando viajar é o caminho para curar a alma

1 de outubro de 2015

Por Daniela Beneti


Quando falamos de viagem é muito fácil se concentrar nos grandes destinos. Afinal, viajar para outras culturas é sempre um desafio, uma experiência enriquecedora com muito para contar.

Mas nem toda viagem é sobre superação de limites. Algumas podem ser sobre superar perdas e podem acontecer bem mais perto do que você imagina.

Em 10 de maio desse ano eu perdi minha avó materna, que morava comigo. Foi minha mãe que a encontrou de manhã, ao abrir a porta do quarto para desejar um feliz Dia das mães. Mesmo sendo uma idosa acamada (ela tinha artrite, mas estava lúcida), sua morte foi uma surpresa e a coincidência da data teve um efeito devastador para ela, que cuidava de minha avó integralmente nos últimos 10 anos numa rotina exaustiva.

Na época eu, que sou redatora publicitária, estava trabalhando como freelancer pois tinha sido demitida do emprego anterior em março. Minha situação financeira era instável, mas vendo minha mãe tão abalada, resolvi que ela precisava de um tempo fora de casa para se recuperar.

Junho teria um feriado prolongado, Corpus Christi, e resolvi procurar um lugar para refrescar a cabeça. O problema é que a maioria dos lugares próximos à São Paulo cobravam verdadeiras fortunas por quatro dias. Era mais barato se hospedar num quatro estrelas no Chile, por exemplo. O problema era passagem. Praia até era viável, mas não oferecia o que eu precisava – calma, sossego e reflexão.

Águas de Lindóia: Praça Adhemar de Barros, a principal da cidade, foi projetada por Burle Marx.

Águas de Lindóia: Praça Adhemar de Barros, a principal da cidade, foi projetada por Burle Marx.

Depois de muito procurar, achei um hotel legal, com pensão completa, na pacata Águas de Lindóia, a apenas 4 horas de ônibus do ABC Paulista. Fechei e só comuniquei minha mãe 20 dias antes, tentando evitar resistência da parte dela. Mesmo assim, ela não queria ir. Se sentia culpada, chorava o tempo todo lembrando.

Conforme o dia da viagem se aproximava, ela se viu obrigada a tomar as providências necessárias. O que levar, quem vai olhar a casa e outras questões do gênero começaram a ocupar sua mente e acalmá-la. Embarcamos na quarta, 3 de junho e chegamos lá depois de 5h de viagem.

Ao chegar, descobrimos que a pacata cidade não estava mais tão calma. Havia um encontro nacional de carros antigos acontecendo, com mais de mil expositores, cidade absolutamente lotada. E nosso hotel, o Panorama, era quase ao lado do evento.

Encontro de carros antigos.

Encontro de carros antigos.

Minha mãe adora carros e ficou animada em rever carros dos anos 60, 70 e 80. Assim, dividimos nossos dias entre os carros antigos, o Balneário Municipal e suas águas terapêuticas, o comercio local, passeio de charrete e de trenzinho. O hotel tinha SPA com piscina aquecida para relaxar (pago a parte, o que achei meio bizarro), e também almoços e jantares temáticos – francês, alemão, gaúcho, etc.

A equipe de animadores se esforçava de verdade para oferecer uma programação família e agradável. Sexta e sábado tivemos show na recepção com banda local e dança puxada pelos animadores. Teve até uma mini festa junina fez o pessoal se divertir com quadrilha, casamento caipira e comidas típicas. Uma coisa singela, mas que fez minha mãe sorrir depos de 3 meses, mantendo a mente ocupada e aliviando o coração.

O Balneário Municipal é um pouco diferente do que eu esperava. Na verdade é uma viagem para a década de 50, quando se criou locais de banhos terapêuticos. Apesar de municipal, apenas as piscinas são gratuitas (mas não aquecidas) e o local é cercado por jardins (também de projeto de Burle Marx) bancos de praça, onde os idosos ficam para conversar, tricotar ou apenas olhar o movimento. Também é possível beber gratuitamente a água das 5 fontes disponíveis no local.

Projetado por Arthur Bratke, arquiteto modernista, o local conta com mosaicos de Lívio Abramo e foi erguido sobre fontes de águas radioativas, com emanação de radônio e torônio. Calma, ninguém sai contaminado por radiação – a quantidade que emana tem propriedades boas para a saúde segundo diversas pesquisas, ajudando em problemas renais, alergias, rinites, traqueobronquite e outros problemas, além claro de ação relaxante. Parece que é uma das águas com maior quantidade de oxigênio do mundo.

Mas para fazer banhos nessas águas, é preciso pagar – os tratamentos são individuais em modelo de SPA, com preços variados, incluindo massagens, banhos perfumados e tudo mais. Fizemos os banhos Mediterrâneo e Romano, que duram 20 minutos, custam R$ 38 e teoricamente ajuda, no sistema circulatório. São feitos em cabines individuais com banheiras e um quartinho para se trocar e, nesse caso, a água é aquecida. Os banhos ajudaram minha mãe nas dores que ela sente nos joelhos e fizeram com que se sentisse mais leve.

Madame Curie, vencedora do Nobel de Física e de Química, esteve em Águas de Lindóia para estudar as propriedades radioativas das águas.

Madame Curie, vencedora do Nobel de Física e de Química, esteve em Águas de Lindóia para estudar as propriedades radioativas das águas.

A cidade em sí tem poucas atrações, mas pode ser ideal para quem procura um canto tranquilo. Recomendo que quem for invista em um bom hotel para relaxar nas boas instalações. Não espere uma agitada vida noturna: Águas é uma cidade pacata, que gira em volta da praça Adhemar Barros.

Existe um passeio de trenzinho para o Cristo da cidade, mas sinceramente, não vale muito a pena, apenas se você se interessa pela vista da cidade. O Cristo em sí é uma cópia estranha do Cristo Redentor e não vale a visita. Prefira a tranquilidade de um piquenique na praça e andanças pela cidade.

Ao final da viagem, embora com o coração ainda apertado de saudade, minha mãe estava melhor. Sentia que a vida podia continuar. Porque é isso que vemos quando viajamos: a vida segue, você pode se reinventar. Certas viagens podem ajudar no processo de cura do corpo e da alma.

Passeio de charrete e clima de interior.

Passeio de charrete e clima de interior.

Isso porque lugares mais pacatos nos forçam a um encontro com nós mesmos, onde podemos refletir e descobrir nossas próprias forças e fraquezas, ver os problemas do dia a dia com um certo distanciamento. Na quietude percebemos que as lembranças mantém as coisas boas vivas dentro de nós, inclusive aqueles que amamos.

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Brasil, Faniquito

Um pouco de mamata

28 de setembro de 2015

Voltamos.

De uma experiência nova (pra gente), que se diga. As férias desse ano nos exigiram um planejamento diferente, com gastos mínimos – afinal, sabemos todos que não tá fácil pra ninguém – e alguns incêndios caseiros complicaram ainda mais a coisa. Um cenário suficientemente feio pra fazer explodir qualquer cabeça.

Mas viajar é preciso.

Tem hora que a gente precisa desligar o Netflix e olhar pro céu.

Tem hora que a gente precisa desligar o Netflix e olhar pro céu.

E acabamos fazendo aquele tipo de viagem que nunca ousamos: pegamos um resort a preços módicos e tudo incluso, pra sossegar a cabeça e recarregar as baterias. Uma ideia que passa longe de nos empolgar em situações normais, mas que das poucas possibilidades que tínhamos mostrou-se a mais adequada quando falamos de custo/benefício: um lugar bacana, praia (pela primeira vez em oito anos de namoro, por incrível que pareça), comida e bebida já pagos e nenhum outro tipo de gasto – fora as passagens – que também encontramos quando da pesquisa. Uma semana disso, e uma esticada pro Rio para reencontrar amigas, passear um pouco, e se desse, pegar mais uma praia – afinal, se é pra tostar, que seja direito.

Fomos. E foi tudo muito diferente do que normalmente é. Começando por Ilhéus, que mal conhecemos – afinal, ficamos no Cana Brava* (http://www.canabravaresort.com.br/) durante os sete dias e mal conhecemos a cidade – era esse nosso planejamento, e batemos pé com ele. Chegamos durante a hora do almoço, e à tarde – já devidamente comidos e alojados – caímos na piscina. Alguns minutos depois a Dé vira pra mim e diz:

– É estranho né?
– O que é estranho?
– Não ter pra onde ir…

Não tínhamos mesmo pra onde ir. Mas e daí?

Não tínhamos mesmo pra onde ir. Mas e daí?

E esse foi o primeiro e único momento de estranhamento que tivemos. De fato, não ter que colocar mochila nas costas, mudar de albergue/hotel, conhecer cidade, procurar onde comer ou onde ir era algo até então inédito pra gente. Mas quando colocamos na cabeça que a ideia era descansar, fizemos por onde. E da mesma forma que sempre recomendamos as viagens estradeiras e nômades, podemos afirmar sem dor na consciência que às vezes esquecer de tudo é igualmente necessário, e um pouco de mamata não faz mal a ninguém.

Desencanar: trabalhamos.

Desencanar: trabalhamos.

E podíamos desencanar pra dentro do hotel, pro lado de cá...

E podíamos desencanar pra dentro do hotel, pro lado de cá…

...e pro lado de lá.

…e pro lado de lá.

Isso não significa abandonar um perfil pra se encaixar em outro, e sim adicionar opções e possibilidades na hora de planejar uma viagem. Enquanto estávamos por lá, ficou claro pra gente que não conseguiríamos fazer duas viagens como essa na sequência, porque nos cansa. Nossa pegada é outra, e às vezes uma pausa como essa significa poder dar ao próximo destino dois anos de planejamento ao invés de um (obviamente se você, assim como a gente e a grande maioria dos seres humanos) tiver como período de férias um mês em doze. Serviu como descanso, e somos gratos pela escolha – mas certamente ela não pontua nossos sonhos de consumo.

Nosso texto de hoje serve pra relatar essa experiência diferente – não precisamos ficar publicando fotos de dentro do hotel, das piscinas ou essas coisas que cada um desses lugares costuma fazer muito bem em seus meios de comunicação. Mas sim pra relatar que nosso preconceito com esse tipo de viagem foi por água, assim como todo preconceito deve ir. Então é isso: às segundas e quintas estamos de volta ao batente.

E ainda bronzeados 😉

P.S.: O Rio de Janeiro SEMPRE merece capítulos à parte, e assim ele será contado mais pra frente. Por hoje, sejamos econômicos – e um pouquinho de suspense não faz mal a ninguém…!


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.