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Ricky

Venezuela

Uma saga chamada Roraima (6/6)

12 de abril de 2016

Com muita tranquilidade, acordamos para nosso último dia no Monte Roraima. Voltar a dormir na primeira base foi um misto de alívio e realização, uma vez que havíamos sim vencido o gigante, e toda dor dali em diante faria parte do preço pela aventura. Podíamos lidar com isso. Além do mais, havíamos tomado banho após longos dois dias e meio, e a sensação de ares renovados ultrapassava qualquer explicação que eu seja capaz de dar.

Pro meu azar, o café da manhã era omelete (eu não como ovo). Não lembro qual a opção que havia naquele momento, mas sei que havia uma, e tomamos nosso café da manhã sem pressa. Arrumamos nossas coisas, e a última coisa a ser feita foi calçar as botas pela última vez. Os pés estavam machucados demais, e seriam mais 13 quilômetros naquela condição. Mas botamos a mochilinha nas costas e seguimos.

Sem a pressão da descida, fizemos o caminho de volta sem atropelos. Com o corpo já aquecido, as dores aumentaram e o cansaço não tardou a aparecer. Mantivemos nosso ritmo (que era lento, mas constante) e seguimos adiante, com rápidas pausas pra água e algum descanso. O visual da manhã era lindo, e o tempo ainda ameno nos ajudava.

Não é todo dia que essa é sua paisagem matinal.

Não é todo dia que essa é sua paisagem matinal.

Com o calor aumentando, o restante do grupo se distanciou e novamente restamos apenas nós dois. Caminhávamos lentamente no trecho final, e já nos últimos metros, quando existiam subidas e descidas, tomamos todo o cuidado do mundo para não aumentarmos ainda mais os problemas físicos que vínhamos acumulando pelo caminho: as articulações estavam doídas, as costas pesavam e a respiração não era fácil – mas tudo isso devido à nossa total falta de preparo para a aventura. Quando avistamos a entrada do parque, fomos tomados de uma alegria tão grande que a única coisa que pensávamos naquele momento era “vamos chegar”. E chegamos.

Assim como ocorreu durante nossa chegada ao Roraima, o grupo todo nos aguardava e comemorou nossa vitória. Eu segui direto pro banheiro, onde tomei um banho na pia e fiz aquele xixi na alvenaria que há quase uma semana não fazia. Quando voltei, a Dé estava encostada, com a pressão caindo. Corri em direção ao Ricky, e ele ainda mais rapidamente foi socorrê-la. Puxou do bolso um vidrinho com extrato de cânfora e fez a pequena ressurgir numa fungada só que ela deu. Os jipes chegaram na sequência, e ele ordenou que ela fosse a primeira a entrar, e ficasse próxima dele durante nossa volta. O mesmo guia que havia me recomendado não subir, que tirou um sarro com a nossa cara na noite anterior e que salvou a pele da Dé em nossos últimos momentos por lá. Um cara legal, o Ricky.

Crentes que seríamos levados direto pro hotel em nossa volta, qual não foi nossa surpresa quando o jipe tomou o sentido contrário na rodovia principal e seguiu adiante. Pouco depois, o dito parou num restaurante de beira de estrada. Nosso fechamento seria UM ALMOÇO. COM CERVEJA GELADA. E COCA-COLA GELADA.

Sério povo, vocês não imaginam o que é aproveitar um momento.

Apesar de ter mais gente na foto do que no nosso grupo, é essa nossa segunda e última foto conjunta na até o momento maior aventura das nossas vidas.

Apesar de ter mais gente na foto do que no nosso grupo, é essa nossa segunda e última foto conjunta na até o momento maior aventura das nossas vidas.

Enfim, relaxamos. Devidamente comidos, agora sim seríamos deixados no albergue do Backpackers (que era vizinho ao nosso, ou seja, fomos deixados na porta do nosso destino). Mochilinhas e mochilões desembarcados, a primeira providência foi um banho de chuveiro. E que coisa linda é essa coisa de chuveiro, não? Ventilador no teto. Uma cama macia. Um teto sobre a cabeça. A gente valoriza tudo depois de não ter nada, e que diferença é nossa cabeça apenas uma semana depois. Do grupo, alguns amigos permanecem em contato com a gente até hoje, e de tanta dificuldade carregamos as melhores lembranças – principalmente, porque as dores passam. No corpo, na vida… só fica o que é bom.

E é por isso que a gente viaja.

Venezuela

Uma saga chamada Roraima (5/6)

22 de março de 2016

Acordamos cedo, de verdade. Não sei que horas eram, mas ao abrir a barraca não existia Monte Roraima. Tudo era névoa, e a sensação é que estávamos (e devíamos estar mesmo) no meio de uma nuvem espessa. Não era um bom sinal, pois a descida era perigosa mesmo em condições climáticas ideais. Aquele clima multiplicava o perigo. Fechamos a tela e começamos a nos trocar. Dez minutos depois, abrimos novamente e… nem sinal de névoa. Mesmo escuro, o céu estava aberto. Não há meteorologista que consiga decifrar o que acontece lá em cima…

O café da manhã consistia num mingau HOR-RO-RO-SO, e uma maçã. Nosso guia disse que era o desjejum ideal, e por isso encaramos até onde nosso estômago aguentou. Passamos para a maçã em seguida (pra tirar aquele gosto de papa da boca), e de barriga cheia arrumamos nossas coisas. Antes da descida, o Ricky reúne o grupo e pede para que todos oremos por um retorno em segurança. Definitivamente o papo sobre os perigos daquela manhã era bem sério. Seguimos.

O caminho era exatamente o mesmo de dois dias antes, no sentido inverso, com o agravante de somar a quilometragem do segundo dia, para que chegássemos à primeira base – aquele em que dormimos no primeiro dia. No total, eram 17 quilômetros pelo caminho, sendo 4 pra baixo e 13 pra frente. Pra animar, um visual inspirador antes da descida.

Era só descer. Simples, não?

Era só descer. Simples, não?

O primeiro trecho era justamente o Paso De Las Lágrimas, agora pra baixo. Pedras molhadas, um cuidado desgraçado, por muitas vezes encaixamos o corpo e fomos descendo quase de bunda. O grupo vinha unido, e com ordens expressas de não parar para fotografias naquele local sob hipótese alguma (o que explica um pouco a falta de imagens desse texto). No meio da descida, o celular da Dé dispara um alarme que ela esqueceu de desligar. Sem poder parar, seguimos com o alarme tocando por uns 20 minutos até a primeira parada. Uma cena que de tão ridícula foi engraçada demais.

Vencida essa etapa, agora “era só descer”. Parece fácil falando assim, mas não demorou para entendermos o porquê daquele dia ser justamente o mais difícil. Os obstáculos não eram tão grandes logo de cara, mas eram constantes. Já era nosso quinto dia, e não tardou para os músculos das pernas começarem a cansar. Descíamos lentamente (o grupo novamente desgarrou), e aos poucos os joelhos foram ficando bambos. Um pouco depois e já tínhamos que usar os braços para apoiar o corpo. A descida ficava mais íngreme, pois havíamos ultrapassado o paredão e entrávamos no trecho que levava até o segundo acampamento, e a trilha ficava definitivamente vertical. Os braços cansaram, e passamos a descer de bunda, literalmente. Nosso ritmo era cada vez mais lento, e a manhã ganhava ares dramáticos, quando finalmente chegamos.

A primeira parte tinha ficado pra trás. Ou pra cima.

A primeira parte tinha ficado pra trás. Ou pra cima.

Ao lado, a cachoeira do Kukenán lá longe.

Ao lado, a cachoeira do Kukenán lá longe.

Nisso todo o grupo já estava descansando e pronto para almoçar. Não tínhamos ideia de que horas eram. Ainda estávamos sem banho (naquele momento já eram dois dias desse martírio). Jogamos as mochilas no chão, pegamos um prato e comemos o que conseguimos, pouco antes de desabar no chão. Não se passaram dez minutos até ouvirmos o chamado do guia: “Vamos embora?”

Pegamos as mochilas e saímos antes de todo mundo, já sabendo que seríamos ultrapassados nos minutos seguintes – o que obviamente aconteceu. Com o passar do tempo, nos vimos (quase) isolados novamente (pois tínhamos a companhia do Christoph, um dos dois alemães do grupo, e que estava tão cansado quanto a gente), seguindo uma trilha que parecia ser a correta. Esse “parecer” começou a nos preocupar quando passamos a ter uma visão mais ampla do horizonte, confirmando que de fato não havia ninguém por perto. Acho que estávamos cansados demais para entrar em pânico, e seguimos adiante, confiando que chegaríamos ao nosso destino. O tempo se arrastava, e a impressão era de estarmos caminhando há horas. Meu maior medo era que chegássemos sem luz natural ao primeiro acampamento, e não pudéssemos tomar banho por mais um dia – coisa que já não dava mais pra tolerar.

Treze quilômetros de uma trilha não tão confiável (mais pra frente).

Treze quilômetros de uma trilha não tão confiável (mais pra frente).

Quando tudo parecia desgraçado, vimos alguém mais à frente. O coração acelerou. Era um dos guias, nos esperando para atravessar o primeiro dos dois rios que precisávamos cruzar. Não estávamos longe! Mas as pernas estavam esgotadas, e nosso medo de cair era gigante. Com todo o cuidado do mundo e com muta ajuda dele, atravessamos um a um até a outra margem. O Christoph resolveu ficar por ali mais um pouco para descansar, enquanto eu e a Dé seguimos desesperadamente para o primeiro rio. Queríamos chegar. Queríamos tomar banho. O ânimo ganhou sobrevida, e mesmo em frangalhos nos apressamos. O Ricky nos esperava no primeiro rio, e da boca dele veio nosso maior presente:

– Ricky! Que horas são?!?!?
– São 13h40.

SIM, ERA COMEÇO DA TARDE – AINDA!

A impressão era de fim de tarde, tal o nosso cansaço. Com a ajuda dele, atravessamos trôpegos e seguimos de meias encharcadas até o acampamento, que ficava pouco acima. Com exceção do Christoph e do canadense – que faziam parte do grupo, éramos novamente os últimos. Porém dessa vez, nada de mau humor. O grupo nos recebeu com uma alegria absurda, e a tarde era ensolarada e linda! Foi emocionante demais chegar ali, seguir até nossa barraca, arrancar a roupa e correr em direção ao rio!

Tomamos um banho que levou umas duas ou três horas, eu não sei precisar. Foi sem a menor sombra de dúvida – e debaixo de um sol delicioso – o melhor banho das nossas vidas.

Cheirosos, dignos e LIMPOS, voltamos ao acampamento. A Dé foi tirar um cochilo, eu fiquei com o grupo. Passamos a tarde conversando, ganhamos um queijinho (!) dos guias enquanto eles preparavam o jantar. O clima era leve, e não havia ser humano triste naquele lugar. Outros grupos estavam por ali – todos em seu primeiro dia de expedição. Alguns viajantes vieram pedir dicas e impressões da gente. A Dé apareceu, e agora estávamos todos do nosso grupo numa única mesa. Veio a comida (que era novamente macarrão – a gente não aguentava mais macarrão!), e pela última vez jantamos todos juntos. Assim que terminamos, o Ricky tomou a frente e preparou um agradecimento coletivo. Ressaltou o esforço de cada um, e novamente fomos… os últimos:

“Vocês dois… eu confesso que me enganei a respeito de vocês. Achei que os gordinhos (!) não iam conseguir, mas vocês estão aqui, e merecem os parabéns de todos nós!”

Meio fiodaputa, mas a gente aceitou o elogio.

Ainda mais porque em seguida os caras trouxeram duas garrafas de vinho (! de novo) pra todo mundo brindar o final daquele dia glorioso. O vinho era tão bom quanto o macarrão, mas e daí? Urubu na guerra é frango, meus amigos, e não ficou gota na garrafa. A ordem pro dia seguinte era que acordássemos mais ou menos cedo, tomássemos o café da manhã sem pressa e de lá seguíssemos calmamente até a base. Estava quase acabando, e fomos dormir com sentimento de missão cumprida…

…mas duvidando que nossos corpos (e pés) funcionariam na manhã seguinte.

Venezuela

Uma saga chamada Roraima (4/6)

18 de fevereiro de 2016

É nosso centésimo texto! Uma alegria do tamanho do Roraima 🙂

E é também a quarta parte do nosso relato sobre o Monte Roraima. Não por acaso, o dia em que pudemos conhecê-lo lá de cima, e que além da experiência em si, significou muito mais do que isso na nossa vida. Então, sem mais delongas, à história:

Acordamos na esperança de alguma melhora em nossa situação, mas assim que abrimos a barraca o tempo úmido entregava que pouco ou quase nada havia mudado: as calças continuavam molhadas, assim como nossas botas. E com botas molhadas, como conseguir passear pelo Roraima? O terreno é totalmente irregular, composto de pedras que em certos lugares podem sim machucar seu pé. Havaianas eram impensáveis (e proibidas pelo nosso guia). Tomamos nosso café da manhã com um sentimento de derrota que poucas vezes experimentamos na vida. Nossa viagem parecia ter terminado antes da melhor parte.

Foi aí, sabe-se lá como, que veio uma ideia.

Nosso almoço do dia anterior foi um lanchinho mequetrefe, entregue pela equipe do guia NUM SAQUINHO PLÁSTICO. Bem, tínhamos meias secas. As calças eram de tecido leve, e secariam rapidamente no corpo. Se calçássemos as botas com esse saquinho nos pés, e com a meia sequinha, tínhamos uma chance de sobrevida lá em cima. Rapidamente o pessoal do grupo (que compadecia completamente do nosso desânimo) ssiu caçando os saquinhos do dia anterior. Nos trocamos, testamos, e tivemos nosso primeiro momento de alegria e esperança no topo do Roraima. Situação até então impensável, um milagre aconteceu – e voltamos ao jogo 🙂

De volta ao jogo, tínhamos um longo caminho.

De volta ao jogo, tínhamos um longo caminho.

O que se seguiu dali em diante foi um longo e tranquilo passeio durante toda a manhã. Começamos fazendo o caminho inverso ao que havíamos desesperadamente feito no final da tarde anterior, quando o temporal nos pegou e fez o que fez. Em fila, seguíamos o guia entre as depressões e desníveis das pedras no caminho. De fato, diferenciar poças d’água e rocha era uma tarefa difícil até durante o dia, pois as rochas são quase pretas, enquanto as pequenas piscinas mantém aspecto semelhante, e enfiar o pé na lama é questão de sorte (ou azar, como foi o nosso caso). Pelo caminho destacava-se também toda uma flora totalmente desconhecida, com plantas coloridas cuja principal característica era a capacidade absurda de absorção de água – dado o ecossistema único do tepui.

Um verdadeiro vale de ikebanas.

Um verdadeiro vale de ikebanas.

Mais adiante, uma área um pouco mais aberta reservava um verdadeiro tapete branco, contrastando com a rocha negra da superfície. O Vale dos Cristais é de fato tão bonito quando o nome sugere, e era necessário um cuidado especial para não prejudicar as estruturas do local. O sol dava as caras pela primeira vez.

De todos os tamanhos, os cristais que dão nome ao vale...

De todos os tamanhos, os cristais que dão nome ao vale…

...servem como um inacreditável tapete branco.

…servem como um inacreditável tapete branco.

O dia começava bem, e nossa esperança havia voltado :)

O dia começava bem, e nossa esperança havia voltado 🙂

Entre subidas e descidas, fomos conhecendo alguns vales, lagoas, depressões e formações rochosas que nos deixavam de boca aberta. Os cenários que o Roraima proporciona não são comparáveis a nada que conhecíamos até então. Foram várias as situações em que nos sentíamos pisando na Lua, sem nenhum exagero. Alguns locais levavam nomes engraçados, pelas silhuetas formadas: um sombrero, o rosto do Fidel, e outras coisas cujas imagens falam por si…

O sombrero, que veio parar na minha cabeça...

O sombrero, que veio parar na minha cabeça…

...o rosto do Fidel...

…o rosto do Fidel…

...e bem... o Ricky quis provar alguma coisa pra gente.

…e bem… o Ricky quis provar alguma coisa pra gente.

Com algumas paradinhas estratégicas, nossas roupas já estavam secas. A solução para os pés tinha funcionado, apesar de um certo calor que sentíamos por causa do saquinho entre as meias e as botas – mas dada a situação geral, estávamos num lucro monumental. O tempo havia aberto, e o frio da manhã dava lugar ao sol e um céu azul. Lembrando que estávamos sem banho já há um dia e meio, compensávamos nosso cheiro com a alegria da sobrevida no tepui – e pra falar bem a verdade, não éramos os únicos a estar naquele tipo de situação: essa higiene à qual estamos tão acostumados aqui na civilização dá lugar a um certo instinto de sobrevivência em acampamentos desse tipo. Queríamos um banho, mas queríamos ainda mais era vencer o Roraima.

As formações eram - pra dizer o mínimo - inacreditáveis.

As formações eram – pra dizer o mínimo – inacreditáveis.

Uma pausa pra descanso ao lado de uma das lagoas.

Uma pausa pra descanso ao lado de uma das lagoas.

E entre subidas e descidas, seguíamos adiante.

E entre subidas e descidas, seguíamos adiante.

Seguimos vale adentro, descendo algumas encostas e caminhando entre as depressões. As dores no meu joelho haviam aumentado, mas como eu disse, tínhamos objetivos maiores e claros nesse dia. Eis que chegamos enfim à área de borda do tepui. Um tempo maior de contemplação era necessário. Estávamos caminhando acima das nuvens, num território maravilhoso, e com uma vista privilegiada do nosso vizinho, o Kukenán. Hora da ficha cair e comemorar: havíamos enfim conquistado o Roraima, e Carl Fredricksen não estava mais sozinho.

Chegamos!

Chegamos!

E sim, é tudo de verdade.

E sim, é tudo de verdade.

A primeira imagem, só com as nuvens...

A primeira imagem, só com as nuvens…

...e a segunda, com a gente entre elas :)

…e a segunda, com a gente entre elas 🙂

Perto dali, um conjunto de pedras chamado carinhosamente de “La Ventana” desafiava os mais corajosos a uma olhada pelo vão central daquela estrutura: uma janela para baixo, com rajadas de vento absurdas e violentas. Para se aproximar, por questão de segurança só estando agachado ou deitado. Nenhum dos dois se arriscou… em compensação, a Dé insistiu em olhar pra baixo, e resolveu fazer isso do jeito dela.

La Ventana, meus amigos. Um vão para o nada, basicamente. Não encaramos.

La Ventana, meus amigos. Um vão para o nada, basicamente. Não encaramos.

Mas como eu casei com uma pateta, ganhei esse momento de presente...

Mas como eu casei com uma pateta, ganhei esse momento de presente…

...momento esse que a Mercedes deixou ainda mais evidente.

…momento esse que a Mercedes deixou ainda mais evidente.

O tempo variava rapidamente. Chuva e sol revezavam, enquanto seguíamos para a última parte do passeio da manhã (já era começo de tarde), que consistia em visitar as piscinas naturais que se formavam entre as rochas. Piscinas? Banho, certo? Errado… pois nós (e outros oito do grupo) esquecemos toalhas e sabão de côco nas barracas. Quem não esqueceu foi o grupo de neozelandezes, que se divertiu enquanto a gente se lamentava pela falta de ideia – e por nosso cheirinho nada agradável. Os caras definitivamente sabiam o que estavam fazendo.

As belíssimas e convidativas piscinas naturais...

As belíssimas e convidativas piscinas naturais…

...que só os neozelandeses usaram :(

…que só os neozelandeses usaram 🙁

Depois do banho deles, voltamos ao “hotel”. Almoçamos por lá com calma e tranquilidade. O Ricky – nosso guia – alertou que um dos carregadores acompanharia quem quisesse em um passeio durante a tarde na rocha que ficava logo em frente ao hotel, enquanto ele ficaria descansando. Resolvi fazer o mesmo – pelo bem do meu joelho, e por saber que o dia seguinte seria o mais difícil dessa nossa epopeia. Eu precisava me recuperar um pouco, ou o quinto dia seria ainda mais dramático. A Dé seguiu com o grupo para a pedra, enquanto eu fiquei conversando com o Ricky e com o canadense, que também ficou por lá. Foi algo divertido e bem inesperado: tive que desdobrar meu inglês macarrônico na conversa com ambos, e aos poucos fui me sentindo mais à vontade com essa nova necessidade. Tomamos um chá – estava esfriando bastante – e assim que o grupo voltou, jantamos enquanto a luz natural ia embora.

Nosso hotel, visto da pedra que ficava logo em frente.

Nosso hotel, visto da pedra que ficava logo em frente.

A Dé também saiu na foto, numa outra versão, enquanto eu estava me recuperando lá embaixo :)

A Dé também saiu na foto, numa outra versão, enquanto eu estava me recuperando lá embaixo 🙂

Um dia que começou com ares de tragédia terminou assim...

Um dia que começou com ares de tragédia terminou assim…

...e nós, logicamente, agradecemos aos céus por isso :)

…e nós, logicamente, agradecemos aos céus por isso 🙂

Nossos pés sobreviveram. O plano deu certo, e o calor dos pés acabou secando internamente as botas. Claro que a pele dos pés sofreu com isso, e nós que já estávamos razoavelmente machucados ganhamos novas feridas. A Dé sofria com bolhas e mais bolhas, enquanto minha preocupação maior ainda era o raio do joelho, que havia sido forçado o dia todo entre subidas e descidas. Mas a sensação de vitória superava tudo isso. Havíamos caminhado, conhecido e vivido o Roraima lá de cima, e sem dúvida era o melhor dos quatro dias até então.

Fomos dormir mais do que satisfeitos, e rezando para que o dia seguinte fosse bom. Mas nada havia nos preparado para o que estava por vir.

Brasil, Dinheiro, Venezuela

Monte Roraima: como faz?

9 de fevereiro de 2015

Agora que já contei sobre minha relação de amor e ódio com o Monte Roraima, porque não dar os detalhes de como fazer a viagem? Afinal, quem nunca imaginou chegar lá em cima?

O planejamento da viagem é relativamente simples, e assim como qualquer outra viagem, existem agências que fecham pacotes pra fazer o tour. O problema é que se você comparar os preços desses pacotes com os de se fazer uma viagem por conta, é desanimador. Uma viagem barata acaba saindo pelo dobro – ou até o triplo – do valor. Então resolvemos fazer tudo na cara e na coragem…

Fomos para Boa Vista (RR) de avião. A cidade é relativamente pequena, e até tem alguns tours pra se fazer por lá, mas resolvemos não explorar muito e ir direto pra a Venezuela. Saímos de Boa Vista rumo a Pacaraima na parte da manhã. A fronteira entre Brasil e Venezuela tem fama de não ser muito “confiável” em relação a horários (li relatos de que às vezes fecham pro almoço, e só voltam no dia seguinte), portanto a ideia era chegar por lá ainda pela manhã. Fizemos esse trajeto entre as duas cidades de táxi coletivo. Essa viagenzinha, que leva de duas a três horas, custa uns R$ 35,00 por pessoa (consideravelmente mais barato que a viagem de táxi normal, que sai por volta de R$ 150,00). Uma coisa interessante nesse trajeto é que alguns dos táxis coletivos – especificamente os da Companhia Pacaraima – fazem uma parada estratégica pra banheiro e um lanchinho num restaurante chamado Rosa de Saron, onde é servida a paçoca – coisa linda de Deus…

Tá lá escrito: TEMOS PAÇOCA. E se você pensa que estamos falando de amendoim...

Tá lá escrito: TEMOS PAÇOCA. E se você pensa que estamos falando de amendoim…

...errou feio. Carne, farofa, cebola e água gelada: quem precisa de mais?

…errou feio. Carne, farofa, cebola e água gelada: quem precisa de mais?

Pacaraima é a ultima cidade brasileira, bem na fronteira com a Venezuela. É uma cidadezinha tão pequena que o “caixa eletrônico” do Bradesco é uma mulher atendendo dentro de um mercadinho. As dezenas de táxis que te levam a Santa Elena de Uairén estão concentrados bem do lado da fronteira, só esperando encher o carro pra te levar à cidade. Esse é um trajeto bem mais rápido, de uns 20 minutos, que custa de 2 a 3 Reais.

Bradesco: humanizando o atendimento.

Bradesco: humanizando o atendimento eletrônico.

Já em Santa Elena, nos hospedamos no Hotel Michelle. Ele é bem localizado, perto do centro da cidade, com vários lugares pra comer por perto. Os albergues e pousadas da cidade são basicamente a mesma coisa: meio precários, com um wi-fi bem lento, ventiladores barulhentos e os preços são bem parecidos. Santa Elena de Uairén não é uma cidade turística: não tem muita coisa pra se fazer, nem lugares bonitos para ver, mas serve de base pra praticamente todos os tours do Roraima. De todos esses, a grande maioria sai da frente da Posada Backpackers.

Santa Elena de Uairén é basicamente isso aí durante o dia.

Santa Elena de Uairén é basicamente isso aí durante o dia.

Se você andar um pouquinho pela cidade, vai encontrar várias pessoas oferecendo o tour pro Roraima e/ou pro Salto Ángel. Também existem outras tantas opções e guias independentes, com os quais você pode entrar em contato pelo Facebook ou mesmo por telefone, negociar e fechar o passeio. Resolvemos fazer o nosso com o pessoal do Backpacker Tours, pela estrutura que eles ofereceram. Em outros casos, teríamos que carregar, armar e desarmar a barraca, carregar comida, o preço do carregador seria mais caro, ou ainda teríamos que esperar alguns dias a mais pra fechar um grupo e sair. Enfim… as opções são inúmeras. Mais uma vantagem de fechar com eles foi o Ricky – nosso guia – do qual já tinha ouvido falar muito bem.

Os preços dos tours são bem parecidos em todos os lugares que você pesquisar, assim como a forma que todos eles trabalham. Então, basta achar um lugar que te inspire confiança.

A imagem da confiança.

A imagem da confiança.

Ricky: de amado a odiado, e depois amado de novo. Histórias em breve.

Ricky: de amado a odiado, e depois amado de novo. Histórias em breve.

Um ponto muito importante é o dinheiro. O câmbio oficial atual diz que um Real equivale a mais ou menos 2,27 bolívares venezuelanos. Na época (setembro de 2013) a média era de 1 pra 2,70 ou 2,80. Acontece que o câmbio oficial por lá não quer dizer quase nada. A coisa mais normal do mundo é trocar dinheiro na fronteira, onde o câmbio “paralelo” é o mais favorável. No dia em que chegamos na Venezuela, esse tipo de câmbio era de 1 pra 18. Já no último dia, tinha subido para 1 pra 23. Em uma das pesquisas de preço que fizemos, a mulher responsável pelo tour chegou a ligar para um conhecido na fronteira, e perguntar como estava o câmbio antes de nos passar o valor. Então é bom ficar atento a essas variações.

Pega essa, Eike Batista.

Pega essa, Eike Batista.

Outra coisa importante: a nota mais alta de bolívares é de Bs.F. 100,00. Isso pode ser um problema na hora de trocar o dinheiro, pois você pode ter que contar centenas de notas ali, na fronteira, dentro de um táxi coletivo, e voltar com elas escondidas na cueca, no sutiã ou sabe-se lá onde. A parte boa é que dá um up na sua moral… afinal, quando no Brasil você se sentiria tão rico assim?