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Bucareste

Brasil, Em duas rodas

Uma chácara (do jockey) no meio do caminho

11 de maio de 2016

Faz uns dez dias que inauguraram um parque aqui do lado de casa. O Parque da Chácara do Jockey é um espaço mais do que necessário na região, por uma série de fatores óbvios: um espaço de lazer público e gratuito, um ambiente natural, uma área para desenvolvimento esportivo e cultural (existem instalações temporárias para esse fim), enfim… tudo aquilo que um parque precisa ter. A gente ficou mais do que feliz, afinal de contas além de ter tudo isso por perto, ganhamos em segurança ao cortar caminho por dentro do parque até a ciclovia mais próxima.

Parece besteira, mas faz toda a diferença. Encarar um segmento do trajeto em que é necessário dividir espaço com ônibus e carros numa área não delimitada dá um tremendo cagaço, além de ser naturalmente perigoso. Some-se a isso pessoas com pouca ou nenhuma experiência em trânsito, bicicleta ou ambos e um possível novo hábito acaba indo pro espaço pelo contexto ambiental nada favorável.

Um dos belos prédios do parque...

Um dos belos prédios do parque…

...e uma lagoa que sequer sabíamos que existia.

…e uma lagoa que sequer sabíamos que existia.

E reafirmamos: a estrutura de hoje é amplamente favorável. Nas andanças que fizemos por outros pedacinhos de mundo, vimos todo tipo de situação e estrutura (ou falta dela). Porém, o hábito do ciclismo é algo consolidado em outras cidades que não São Paulo, que ainda está engatinhando nesse processo. Ainda nos falta o hábito de entender o espaço do ciclista, de vê-lo como participante no trânsito e respeitá-lo como ser humano – sim, porque “a fragilidade do transporte” não significa que seja dele a responsabilidade de se adaptar às barbaridades que a gente vê por aí. Com a estrutura que hoje existe em várias partes da cidade – e nesse caso, da Avenida Eliseu de Almeida -, transformar vontade em ação quanto à prática de exercícios é algo muito possível. Com um parque do lado, a coisa toda fica ainda mais robusta.

Olhando pro gramado do vizinho, vimos ciclovias bacaníssimas e super bem estruturadas, localizadas entre a rua e as casas e protegidas por canteiros e jardins; também encontramos estruturas bastante semelhantes à encontrada hoje em São Paulo, que são um mix de novas instalações com estruturas adaptadas, com ciclofaixas pintadas na rua ou em calçadas; e vimos também algumas situações bastante inusitadas, onde o espaço da bicicleta ladeava ou dividia terreno com ônibus, bondes e carros. Algo passível de xingamento aos mais exaltados, mas que se a gente pára pra pensar e imagina aquela situação sem vícios de momento, enxerga que sim: o espaço é o mesmo para todos porque… tem que ser assim. O que muda é o casco: são pessoas em movimento, e respeito é essencial em qualquer circunstância.

Uma ciclovia ideal em Bucareste.

Uma ciclovia ideal em Bucareste.

Uma ciclofaixa temerosa na Bratislava.

Uma ciclofaixa temerosa na Bratislava.

Por isso mesmo, estamos comemorando esse novo espaço – que sim, é uma dica turística em São Paulo, por que não? Uma área gigante (e ainda na laje, é bom que se diga que possivelmente haverá um maior paisagismo com o tempo – porém o nome “chácara” faz todo o sentido nesse momento), com amplo espaço verde, uma lagoa que nem sabíamos que existia, as cocheiras que estão se transformando em salas administrativas, e sim: uma ligação verde entre duas enormes avenidas. Recomendamos, adoramos e frequentamos.

Quer conhecer o casal Faniquito? Aos finais de semana de tempo limpo, aqui pertinho de casa :)

Quer conhecer o casal Faniquito? Aos finais de semana de tempo limpo, aqui pertinho de casa 🙂

Gastronomia, Romênia

Caru’ Cu Bere, e o eisbein gigante

19 de janeiro de 2016

Hoje a gente vai falar de gordice. O Caru’ Cu Bere* não é para amadores.

Depois de uma primeira incursão não tão feliz na culinária romena, resolvemos buscar indicações com procedência para nossa segunda refeição. Como chegamos em Bucareste à tarde, havíamos jantado num lugar esquisitinho – uma quase tradição em nossas viagens, nunca acertamos logo de cara um lugar bacana (apesar da cerveja ter funcionado como um belíssimo cartão de visitas). Nossa aposta estava no almoço seguinte, e nossas fichas foram pro Caru’ Cu Bere.

Antes de explicar as razões para essa escolha, um pouquinho de história:

O Caru’ cu bere é um restaurante cuja história começa em 1879, e está localizado no centro histórico de Bucareste. Os tapumes na fachada entregavam um delicado e cuidadoso projeto de restauração. Originariamente da família de Nicolae Mircea, o restaurante passou para o domínio da Companhia Comercial de Bucareste em 1948, durante o período pós-guerra, tendo suas paredes internas e pinturas cobertas por uma inexplicável e bizarra camada de gesso. O processo de restauração de seu interior começou na metade dos anos 80, sendo o prédio retomado definitivamente pelos descendentes de Mircea somente em 1999. Desde então, a restauração de sua arquitetura tem sido executada com os devidos cuidados.

E como é bonito, o danado...

E como é bonito, o danado…

Muito bem. Lá estávamos, e ao nosso lado um enorme grupo de turistas. Considerado o restaurante número um de Bucareste, é de se esperar que sua frequência seja alta. Uma moça nos atende em inglês fluente, e nos leva ao subterrâneo – um dos três pisos, além da área de calçada onde localizam-se trocentas mesas. Mais do que aparentar, o Caru’ Cu Bere dá a impressão de abrigar toda a população da Romênia. Recebemos o cardápio, e a paixão me arrebata logo de cara – definitivamente, nossas fichas estavam mesmo no lugar certo.

Quando você vê uma foto e reconhece o amor.

Quando você vê uma foto e reconhece o amor.

Estreando na Europa, a Dé pede um schnitzel – coisa que eu também estava com vontade de fazer, mas como resistir a um joelho de porco com uma faca enfiada? E não amigos, não estamos falando do Valdívia no Departamento Médico do Palmeiras! Mesmo com o aviso “for two persons” no rodapé da foto, ignorei completamente os bons modos e ativei o ogro que mora no meu coração. Enquanto esperávamos os pratos (e sim, o atendimento é lento – o que prova que paulista é realmente neurótico e mal-acostumado), abracei a cerveja da casa como se fosse uma velha amiga. A pequena fez o mesmo, em uma das poucas vezes em que ela se arriscou na viagem.

Dé, num raro momento "viking meigo com calor"

Dé, num raro momento “viking meigo com calor”

Algum tempo depois, estávamos famintos. Havíamos passeado durante toda a manhã e comecinho da tarde. O salão inferior era bastante barulhento, com os garçons passando a todo momento, pessoas falando alto (e bebendo como se devem afinal aquilo era também uma cervejaria). Quando estávamos quase desfalecendo de fome, abriram-se as portas da esperança.

Derramando lágrimas de saudade.

Derramando lágrimas de saudade.

O desafio estava lançado: o joelho de porco (com uma casquinha possivelmente inspirada nas sacanagens mais sujas dessa vida), pickles, polenta, raiz-forte, repolho e pimentas. Foram poucas vezes na vida em que um sorriso de satisfação foi tão espontâneo e sincero.

Isso, meus amigos, chama-se FELICIDADE.

Isso, meus amigos, chama-se FELICIDADE.

Mesmo mais modesta, a Dé também recebeu amor em forma de comida.

Mesmo mais modesta, a Dé também recebeu amor em forma de comida.

Almoçamos lindamente, e obviamente eu demorei muito mais que a Dé pra terminar o eisbein (contei inclusive com a ajuda dela em alguns momentos, pois dividir comida é amor). Foi a primeira de muitas visitas que fizemos ao restaurante, contrariando nossos hábitos de desbravar a maior quantidade possível de lugares diferentes numa viagem. Mesmo não sendo o lugar mais barato do mundo, cabia no bolso, o cardápio era gigante, e um almoço com tamanha qualidade e gostosura pedia novos desafios. Testamos coisas diferentes, que foram igualmente satisfatórias, mas ficou ali um gostinho de “precisamos fazer isso de novo, a quatro mãos”.

Não deixamos de dar aquele alô pra costelinha...

Não deixamos de dar aquele alô pra costelinha…

...e pra linguicinha...

…e pra linguicinha…

...recheada <3

…recheada <3

Decidimos: seria um outro eisbein nosso prato de despedida da Romênia (e da Europa) ao final da viagem. Quase um mês depois, voltamos. E numa noite chuvosa, após um dia corrido e cansativo, estávamos famintos e exaustos. Parecia o fechamento perfeito.

E foi. COMO FOI, MEUS AMIGOS. E assim que chegou aquele tarugo de porco cheiroso, resolvemos gravar um videozinho em homenagem ao outro viking que conhecemos, e que deveria domar tal iguaria com prática mais que natural: meu sogro 🙂

Se abriu seu apetite, não foi em vão. Amiguinhos: a Romênia é demais, e o Caru’ Cu Bere um dos lugares obrigatórios pra você visitar na vida. Um restaurante aberto há tanto tempo, que serve uma cerveja linda, trocentos pratos gostosos e UM PORCO DESSE TAMANHO está contribuindo para o avanço da humanidade, e precisa ser prestigiado por gerações e gerações. Vá com fome!

Para quem quiser saber mais: www.carucubere.ro


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Gastronomia

Quem tem boca…

20 de outubro de 2015

O princípio fundamental de qualquer viagem é experimentar. É fato: estando fora de casa, queremos fazer, experimentar ou viver algo diferente. Mesmo as viagens mais cômodas e sossegadas pedem por esse ar de “coisa nova”, seja ela uma bebida, um prato, um banheiro, uma cama, ou mesmo um horário diferente do que nos acostumamos a acordar todos os dias. Pra fazer o de sempre, melhor ficar em casa… certo?

Eu e a Dé nunca cozinhamos nos albergues em que nos hospedamos. Nada pessoal, muito menos preconceito, mas das nossas necessidades (de casal, e mesmo pessoais) experimentar a comida local é tão importante quanto conhecer um novo lugar – e disso a gente não abre mão. Respeitamos e admiramos aquela galera que passa toda uma viagem na base do pão Pullmann e miojo, mas nas contas que fazemos antes de viajar, poder comer sem se preocupar é uma de nossas diversões. E pra que possamos fazer isso da forma mais bacana, preferimos experimentar o que estiver na frente. Nem sempre a gente se deu bem fazendo isso, mas temos boas histórias pra contar:

Ovos romenos

Estávamos no Caru’ cu bere – um dos restaurantes mais antigos e tradicionais de Bucareste (e que será tema de texto mais pra frente). Chegamos cedo, querendo tomar um café da manhã antes de sair pra conhecer a cidade. Sendo um verdadeiro ponto turístico, todos os funcionários falam inglês. Pedimos o cardápio, e ele veio – todo bilíngue, exceto nos pratos do café da manhã. Podíamos perguntar para a garçonete, mas preferimos valer o risco e pedir pela beleza estética das palavras em romeno. A Dé ganhou dois ovos. Eu, um omelete com chá. Eu não como ovo, então a Dé acabou comendo omelete com ovos, e eu fiquei só no chá (minha hora do almoço foi, por consequência, selvagem).

Ovolândia, e o melhor chá da vida.

Ovolândia, e o melhor chá da vida.

Poderia ter sido uma baita decepção, mas a pequena gostou do prato duplo dela, e eu tomei o melhor chá da minha vida – sem hipocrisia, tava tão bom que eu tive que procurar sabor semelhante no Brasil (e o que mais se aproximou foi o vermelhinho da Twinings).

Sim: um chá britânico com gostinho de Romênia :)

Sim: um chá britânico com gostinho de Romênia 🙂

Trocando em miúdos

Em nossa primeira viagem à Argentina, abrimos mão de experimentar a parrillada por pura falta de dinheiro/estômago. E se você não sabe o que é parrillada, a gente explica:

“A parrillada permite provar diferentes partes da vaca. Esta refeição geralmente começa com uma salsicha e chouriço, antes da chegada da carne principal. Ela também pode ser acompanhada de rins, pâncreas, fígado e tripas de gado. Frango e porco esporadicamente também estão inclusos.”

Quando voltamos pra lá, virou dívida pessoal. Acabamos nos metendo numa Parrilla (um restaurante especializado em parrillada) na cidade de Ushuaia. Um baita frio, uma baita fome, respiramos fundo e pedimos a criança. O restaurante estava lotado, e havíamos tido uma breve aula sobre o que viria naquele prato com meu sogro.

Nada te prepara pra uma intimidade tão grande com a vaca.

Nada te prepara pra uma intimidade tão grande com a vaca.

Com a parrillada na mesa, o caminho era sem volta: experimentamos um a um aqueles cortes bizarros de carne, com consistências e cores estranhas. Não dá pra dizer que detestamos, muito menos que amamos – apenas riscamos uma pendência da nossa lista pessoal, e sobrevivemos sem grandes dores àquele jantar esquisito.

Aaaaaaah…alpaca!

Havíamos terminado nosso primeiro dia de passeio em Machu Picchu. Descemos até a cidade, e entramos no primeiro restaurante que vimos na frente (e que nos pareceu entrável – não dá pra deixar o estômago falar na frente do cérebro sob hipótese alguma). Das opções do cardápio, nos chamou a atenção a carne de alpaca – e acabamos pedindo os quatro pratos iguais. Um prato que chegou lindo como esse da foto, e gostoso de um jeito muito difícil de se imaginar. Fomos embora de bucho cheio, e morrendo de saudade dessa carninha. Quando eu e a Dé voltamos pro Perú – em Lima – pedimos alpaca novamente, e ficamos sabendo que só servem a coitada em Cusco e arredores. Ou seja, foi realmente um prato típico e muito difícil de se encontrar em outro lugar. Ah… você não sabe o que é alpaca?

Alpaca: sua gostosa.

Alpaca: sua gostosa.

É esse bichinho simpático da foto lá do topo, que abre nosso texto de hoje. Pois é: por mais fofo que seja, na hora da fome a gente quer mesmo é dentar uma coisa suculenta. Dessa coisinha bonitinha comemos esse medalhão, espetinho e até pizza. Alpaca: experimente.

O desafio da arepa

O café da manhã na Venezuela era um verdadeiro desafio: Santa Elena de Uairén sofria com o desabastecimento (assim como ocorre com todo o país), e queríamos porque queríamos experimentar a tal arepa, que é um prato bem comum e típico do país. Fomos a um restaurante chamado La Arepera, crentes que conseguiríamos degustar o tal quitute. Porém, o garçom era mais atrapalhado que qualquer outra coisa, e depois de pedirmos duas arepas e dois sucos de laranja, recebemos dois tostex e duas Coca-Colas. Essa foi a reação da Dé ao ocorrido:

Arepa e suco? Não... tostex e Coca-Cola.

Arepa e suco? Não… tostex e Coca-Cola.

La Embajada: quem vê cara...

La Embajada: quem vê cara…

...não vê coração. Nem arepa :)

…não vê coração. Nem arepa 🙂

Foi num cantinho chamado La Embajada que encontramos nossa arepa… e que troço bom a tal massinha de polenta frita com recheios variados (no caso, nem tão variados, mas muito gostosos). Nossos cafés da manhã na cidade consistiam de arepas e sucos enquanto estivessem disponíveis (e mesmo comendo como se fosse um almoço, o valor nunca ultrapassava dez Reais PARA AMBOS). Ganhou um lugar especial no nosso coração.

Traumas ou delícias: tudo vira história. Então deixe seu medo em casa, e vá experimentar os sabores do mundo sem medo 🙂

Romênia

Nicolae

16 de março de 2015

Uma coisa que fica muito clara quando se visita o Leste Europeu: esqueça a imagem do comunismo vendida em Hollywood durante o período da Guerra Fria (anos 80, principalmente). Afinal de contas, foram os soviéticos (e não os americanos) que libertaram diversos países ao final da Segunda Guerra. De certa forma, foram eles os heróis da libertação desses povos do domínio nazista. O que foi feito dali em diante varia muito de país pra país* – alguns foram de fato oprimidos, outros saqueados, outros ainda agregados. E a vida seguiu, de um jeito que a gente não faz ideia – e por isso mesmo, é muito difícil de dizer se bem ou mal.

Um dos fragmentos daquilo que aprendemos se deu na Romênia. Mais especificamente, num dia de tour que fizemos, acompanhados de uma guia muito simpática (chamada Radica, ou Radika – fonema confirmado, grafia infelizmente não), mas que arranhava entre diversos idiomas o nosso Português: “Por causa das novelas“, ela me disse com uma fluidez tímida em nossa língua. Estávamos no ônibus, o passeio teria mais de duas horas, e fomos os últimos turistas recolhidos para o passeio. Pouco antes de seguirmos rumo a Brașov, fizemos um tour por Bucareste, onde nos foi pincelada muito resumidamente a secular história da Romênia. Logo de início, a pergunta básica feita a qualquer grupo de turistas:

– Qual é a primeira coisa que vem à cabeça quando vocês pensam “Romênia”?

E cada um pôde responder. Somente duas respostas eram ditas:

– Drácula/Vlad Tepes, e Transilvânia.

Até a pergunta chegar ao alien aqui, que respondeu:

– Ceaușescu.

Mais dois caras citaram isso depois, e mais adiante nossa guia contou uma breve história sobre Nicolae Ceaușescu. Minha resposta não foi em vão, pois de fato ele (ao lado de Gorbachev) faziam parte da minha pífia educação política enquanto criança. Era um nome diferente, vivia aparecendo na TV, na Veja, eu adorava a cobertura em preto e branco – mas cheia de sangue, que eu criança ainda não entendia de onde saía, mas era muito mais real do que o que eu via em cores nos filmes do Rambo. Assim como real também era aquela imagem desse senhor após seu fuzilamento, morto ao lado de sua esposa. Ficou na minha cabeça, e nunca mais saiu. Vieram Gheorghe Hagi, e Nadia Comăneci em relatos olímpicos, mas Nicolae era protagonista da minha “imagem romena padrão”. Passaram-se alguns minutos até que o assunto chegasse ao seu período de governo.

A enorme e lindíssima Bucareste.

A enorme e lindíssima Bucareste.

E da boca de uma romena pudemos ouvir um pouco sobre a história desse senhor. Sem desvios de imprensa, sem tradução simultânea:

Filiou-se ao Partido Comunista com o fim da Segunda Guerra Mundial. Gradativamente foi alçando cargos mais elevados, até se tornar presidente durante os anos 70. Baseado no modelo de governo da Coreia do Norte (Juche) e na Revolução Cultural Chinesa, tornou-se um líder totalitarista, e afastou a Romênia do bloco do leste, isolando-a da política comunitária proposta no Pacto de Varsóvia. A Securitate (polícia secreta romena) agia desde a década de 40, e multiplicou sua ação durante os anos de Ceaușescu. Povoados foram destruídos, assim como um quinto da Capital – uma área histórica, “que seria reconstruída segundo a vontade de Nicolae”.

A megalomania de Ceaușescu resume-se figurativamente no Parlamento de Bucareste (Palatul Parlamentului). Segundo maior edifício vertical do mundo (perde somente para o Pentágono), teve suas obras iniciadas em 1984 por uma arquiteta romena, sendo que até hoje não foi concluído – por sua extensão absurda, seus materiais caríssimos, entre outros motivos. Um monumento incompatível à situação miserável romena, erguido sobre uma colina (Colina Spirii), no lugar de 30 mil residências, e de diversas igrejas, das mais diversas religiões. O Parlamento era a tradução do culto à personalidade e da corrupção – duas marcas latentes de seu governo.

Após um confronto entre militares e manifestantes que iam contra o regime opressor de Ceaușescu, forças armadas e população alinharam-se. O ditador fugiu, mas foi capturado, julgado e morto.

Cenário esse que muitos sonham hoje em dia no Brasil.

O Parlamento Romeno: um edifício equivalente à megalomania de seu mentor.

O Parlamento Romeno: um edifício equivalente à megalomania de seu mentor.

Imponente, opressor e lindo.

Imponente, opressor e lindo.

Uma foto possível em um país democrático.

Uma foto turística, possível somente em um país agora democrático.

Se ainda hoje houvesse um líder semelhante a Ceaușescu governando a Romênia, essas fotos acima não seriam possíveis; não teríamos caminhado e aproveitado a beleza da cidade, do Parlamento (que hoje em dia funciona abrigando alguns órgãos de governo, além de um museu), das ruas, feirinhas e parques belíssimos, que merecerão outros futuros textos em nosso site.

Radica – ou Radika – contou algumas de suas histórias pessoais; de como as distâncias entre campo e cidade ainda hoje são grandes pelos desdobramentos do governo de Nicolae; de como a economia – mesmo após duas décadas de sua morte – ainda sofre para acompanhar o bloco. Se alegra em contar que hoje pode conversar com outras pessoas, estudar outros idiomas, trocar experiências… enfim, aprender e ensinar. Hoje Radica – ou Radika – pode viver em paz.


Nicolae Ceaușescu era um ditador. Como Hitler, Stalin e Kim Il-sung. Enquanto esteve no poder, minorias religiosas e étnicas foram dizimadas. Não havia liberdade de expressão. A censura era severa, atingia a imprensa, a população, e a polícia secreta eliminava ou desaparecia com os que se opunham ao regime. Pessoas eram vigiadas em todos os lugares, o tempo todo, e delatadas anonimamente.

Ditador é o principal comandante de um processo de ditadura. Ditadura é uma coisa que muitas pessoas querem hoje para o Brasil**. Durante a ditadura, viajar, conhecer, aprender e disseminar conhecimento são atividades proibidas ou fiscalizadas. O Faniquito não existe em  uma ditadura, pois “ter um faniquito” é uma atividade ilegal nesse tipo de regime. Por essa razão, entre outras tantas – em que basta tão somente a informação, um pouco de estudo, curiosidade, e nenhum passaporte, dinheiro gasto ou milhas acumuladas – que somos totalmente CONTRA qualquer posicionamento pró-ditadura ou golpe militar, sob qualquer circunstância. Vivemos – eu e a Dé – os últimos minutos desse regime, e dele quase não lembramos. Certas coisas – o poder pelas armas, a opressão, o racismo, a xenofobia, o extremismo religioso, a intolerância, o fanatismo, entre tantos outros males que notória e historicamente não são justificáveis sob nenhum aspecto. Nunca foram. E nunca serão.


*Sabemos que a dominação de um país durante determinados períodos históricos resulta na imediata exploração de seu povo, seus recursos e facilidades. Antes de botarmos o dedo na cara dos soviéticos, vale lembrar o que aconteceu com os nativos do NOSSO país quando da chegada dos então “conquistadores”, pra onde foram nossos recursos, entre outras semelhanças históricas. E ainda hoje “comemoramos essa descoberta”.

**Sugerimos esse rápido “exercício de sobrevivência a um regime ditatorial”, somente para confirmar as tantas e pesadas linhas de hoje. E interamos: não existe ditadura “mais” ou “menos” branda: qualquer coisa capaz de causar a morte, o sofrimento ou o trauma a uma única pessoa já vai contra nossa natureza, e merece todo o desprezo possível:  http://super.abril.com.br/jogo-ditadura-militar/