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Chocolate com gelo

12 de maio de 2015

É de conhecimento público um dos conselhos mais conhecidos – e oferecidos – a quem viaja: “pegue dicas com os locais”. Não é uma regra, mas é uma verdade – sem esquecer que existe nó cego e pilantra em qualquer lugar do mundo. Não era o caso da Deborah, com agá.

Não, não estou falando da minha esposa. Deborah é o nome de uma das donas de uma doceria que fica na principal rua do centro de Ushuaia, chamada Isla de Chocolate* (http://tinyurl.com/deborah-com-h), onde além de fazermos amizade, experimentamos alguns doces e ótimas bebidas quentes durante nossa estadia na cidade. Deborah acabava puxando papo sempre que aparecíamos por lá, e em determinado dia – um dos últimos – nos recomendou conhecer o Glaciar Martial: “Não tem muito apelo com os turistas, e acaba sendo uma atração muito mais local no fim das contas”, ela nos disse. E topamos a empreitada.

Dois bons motivos pra bater um papo com a Deborah.

Dois bons motivos pra bater um papo com a Deborah.

A distância do centro (dir) até o Glaciar Martial (esq).

A distância do centro (dir) até o Glaciar Martial (esq).

Do centro de Ushuaia pegamos um remis (uma espécie de táxi muito comum na Argentina, onde você define previamente trajeto e valores, fazendo o trajeto sem taxímetro ligado), que nos levou até a parte alta da cidade. Durante essa subida, é possível ver (e caso você tenha dinheiro, acessar e se hospedar em) alguns dos mais luxuosos hotéis da cidade. A estrada termina justamente na entrada do parque, de onde seguimos à pé. Ou melhor… de aerosilla.

Se um visual desses não te comove, nada mais será capaz.

Se um visual desses não te comove, nada mais será capaz.

Sim, aerosilla. A entrada do parque é gratuita, mas dali em diante a subida é feita por teleféricos (ou aerosillas), cujo valor na época – 2013 – era de 65 pesos (li em outro site que o valor subiu para 80, mas ainda assim não é nenhuma fortuna). Sim, pode-se subir à pé também, e de graça, porém são necessárias outras duas coisas: disposição, e que o parque não esteja debaixo de neve, pois durante as estações frias ele se transforma em estação de esqui. Conselho: tire o escorpião do bolso e aproveite o passeio, que é lindo.

O passeio de teleférico termina num mirante, cuja vista dispensa descrições.

Isso chama-se "recompensa".

Isso chama-se “recompensa”.

Dali em diante, mais uma breve caminhada. A subida é bastante tranquila, atravessando o riozinho atrávés de uma pequena ponte, e caminhando por entre as árvores. Não há uma imagem que não seja minimamente espetacular, e desde aquele momento o passeio já se justificava.

A única coisa feia nessa foto: eu.

A única coisa feia nessa foto: eu.

Era verão, e pelo caminho encontramos enormes placas de gelo, que me permitiram a experiência mais próxima de brincar na neve que havia tido até então – e só por isso já se tornava imediatamente inesquecível. Pode parecer besteira, mas realizar essas coisas traz pra gente uma felicidade pura – e não fui só eu quem deixou essa sensação explícita…

Bobos e felizes. Muito bobos, e muito felizes.

Bobos e felizes. Muito bobos, e muito felizes.

Após dez minutos à pé, seria possível prosseguir, subindo as montanhas. São vários os grupos de turistas, inclusive famílias que arriscam a subida pelo terreno pedregoso. É uma subida bem arriscada, pois as pedras são soltas, e o desafio é maiúsculo. Porém, não estávamos preparados – eu, principalmente, e pouco depois de iniciarmos a subida acabamos nos instalando ali mesmo para descansar e apreciar aquela paisagem espetacular.

Sem subir, você já tem tudo isso a seus pés.

Sem subir, você já tem tudo isso a seus pés.

“Descansar de quê?”, você pode perguntar. Bem, além do nosso até então nenhum preparo físico e total inexperiência nesse tipo de passeio, havia um obstáculo natural sempre presente em Ushuaia: o vento patagônco. E se ainda assim parecer exagero, caso o vídeo anterior ainda não tenha te convencido, o que vem a seguir deixa isso bem claro (para traduzir o contexto: a Dé está rachando o bico, pois minha mochila tinha acabado de rolar montanha abaixo POR CAUSA DO VENTO, sendo resgatada por um rapaz que vinha subindo, e resolveu bancar o goleiro. No meio do vídeo, quase que EU sou levado pelo vento):

O Glaciar Martial proporciona um passeio absolutamente espetacular, com paisagens lindas e uma tranquilidade muito difícil de ser encontrada. Como bônus, pouco antes da saída do parque, na volta do teleférico, um café, chocolate quente ou mesmo um conhaque para fechar lindamente o programa antes da descida para o centro da cidade.

A chegada da aerosilla...

A chegada da aerosilla…

...e um afaguinho final :)

…e um afaguinho final 🙂

Caso você tenha ficado com vontade, eu entendo. E acima de tudo, recomendo.


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Brasil

São Paulo, da Cantareira

6 de abril de 2015

“Da primeira vez em que fomos lá, em dezembro de 2012, se não me engano o Shin tinha lido sobre esse passeio em algum blog ou matéria. Só que a gente foi meio no escuro, tanto que nem levamos comida e tal… chegamos no laguinho, ficamos 40 minutos e voltamos. Mas a gente sempre ficou com isso em mente: a gente precisa voltar com um grupo legal pra fazer um piquenique”.

Foi assim que a Van (que já escreveu por aqui, e possivelmente aparecerá outras vezes logo mais) justificou a convocação para o passeio desse final de semana: uma subida até a Pedra Grande, no Parque da Cantareira, e um piquenique mais adiante. Aproveitar a cidade num feriado é sempre um bom programa em São Paulo – se você souber como fazê-lo.

Então fomos em sete: a Van e o Shin, eu e a , a Jan, o Moraes e o Klein. Devidamente reunidos pelo caminho e agrupados no metrô Santana por volta das 10h, seguimos dali até o acesso à trilha, feito a partir do Núcleo Pedra Grande, no Parque Estadual da Cantareira.

Todo mundo é digno até a subida começar.

Todo mundo é digno até a subida começar.

A chegada ao parque é bem tranquila (pode ser feita de carro ou ônibus numa boa). Estacionamos numa rua próxima à entrada, e de lá seguimos. O acesso ao Núcleo Pedra Grande custa R$ 12 (somente em dinheiro – crianças menores de 12 anos, adultos com mais de 60 anos e pessoas com deficiência não pagam, estudantes pagam meia-entrada). Diz-se que o preço para estacionar por perto é de R$ 6, mas paramos de graça duas ruas abaixo, e ninguém nos perturbou. O parque fica aberto das 8 às 17h.

A Van nos contou que o acesso à Pedra Grande podia ser feito de carro, mas com o tempo sua entrada foi proibida, sendo permitido somente o acesso à pé. A trilha tem ao todo 9,6km (ida e volta), contando o desvio para a Pedra Grande e a área de piquenique, e constitui-se basicamente de subidas na ida, e descidas na volta (sendo somente a última perna desse trajeto – justamente o acesso à área de piquenique – feita de forma inversa). Portanto, prepare as pernas assim que entrar no parque.

Faça seu alongamento e seu xixizinho antes da subida :)

Faça seu alongamento e seu xixizinho antes da subida 🙂

A boa notícia é que essa subida, apesar de possuir alguns trechos bastante íngremes, é relativamente tranquila. O primeiro trecho – e o mais extenso – dá acesso à Pedra Grande. Ele é todo asfaltado, e sombreado pela Mata Atlântica, o que ajuda muito na subida, e deixa o passeio mais gostoso. Existem algumas áreas planas intercalando o trajeto, ótimas para retomar o fôlego, e tomar um gole d’água. Sim, leve água (dica óbvia para qualquer caminhada, mas cuja lembrança é sempre pertinente). O tempo estimado de trilha é de duas horas, e é um programão pra quem está começando – são poucos os desníveis, e com calma até os mais despreparados são capazes de vencê-la.

A trilha é bem tranquila, mas subida é subida...

A trilha é bem tranquila, mas subida é subida…

...e ela devagarinho vai te fazendo suar.

…e ela devagarinho vai te fazendo suar.

Subimos “acompanhados” de um grupo de italianos, cruzamos com vários japoneses descendo a trilha, e em nossa chegada não foram poucos os idiomas que permeavam o ambiente. Não resistimos a conhecer os parques alheios quando nos afastamos de casa, e o mesmo acontece por aqui. Mas antes de falar da área de piquenique, um pouco mais sobre a subida.

Alguns trechos são mais puxados, mas vale a pena.

Alguns trechos são mais puxados, mas vale a pena.

Chegando na Pedra Grande, o visual arrebata – e nem poderia ser diferente. São Paulo do avesso é um visual difícil de ser comparado a qualquer outra coisa no mundo. O horizonte de prédios e relevos geométricos da cidade corta a paisagem de lado a lado, apoiado numa cama verde – justamente a divisão entre a cidade e a pedra onde estávamos sentados. É um visual incrível mesmo… e a sensação é de poder “diminuir o volume” daquele monstro ali adiante, pra poder admirá-lo com calma. Um barato. Pouco adiante, no Museu da Pedra Grande, existe outro mirante. E de lá essa visão fica ainda mais ampla.

São Paulo logo ali, gigantesca como sempre.

São Paulo logo ali, gigantesca como sempre.

Mas desse ângulo impressiona ainda mais.

Mas desse ângulo impressiona ainda mais.

E não termina.

E não termina.

Informação bizarra: tem sinal de celular lá em cima.

Seguimos em direção à área de piquenique – nesse momento o asfalto dá lugar à terra. Poucos metros adiante, uma placa sinaliza o final de São Paulo e o início de Mairiporã. Mais alguns minutos de descida, uma paradinha numa casa com acesso proibido – cujo aspecto em si já basta pra afastar caras como eu, e chegamos ao nosso destino.

Seguindo adiante, deixamos São Paulo pra trás.

Seguindo adiante, deixamos São Paulo pra trás.

A subida agora é de terra.

A subida agora é de terra.

Resident Evil.

Resident Evil.

Tivemos sorte: uma mesa ficou vaga assim que chegamos, e pudemos nos instalar numa boa. Não eram poucos os que haviam se arriscado durante a manhã para chegar ali, mas nem de longe o número de pessoas lembrava aquela invasão paulista ao Ibirapuera, Villa-Lobos ou afins durante qualquer final de semana com sol. Famílias inteiras, crianças e velhinhos, casais e grupos de amigos dividiam espaço numa bagunça com cara de sábado. Ainda sobre as mesas: não vimos ninguém se estapeando por uma, e aparentemente aquele jogo de War que acontece em praças de alimentação não é uma prática local.

Chegamos :)

Chegamos 🙂

A gente veio aqui pra comer ou pra conversar?

A gente veio aqui pra comer ou pra conversar?

Ficamos próximos ao lago de água esscura, que é recheado de peixinhos. Uns borboletões enormes nos fizeram companhia durante todo o tempo em que estivemos por lá. Pouco depois do lanche, uma pausa pra deitar na grama, tirar um cochilão, umas várias fotos, ou até mesmo encontrar algum amigo, que por acaso teve a ideia de estar no mesmo lugar, no mesmo dia e no mesmo período.

Uma garrafa de vinho quebrou. Embebedamos as borboletas.

Uma garrafa de vinho quebrou. Embebedamos as borboletas.

Obrigado vinho. Obrigado borboletas.

Obrigado vinho. Obrigado borboletas.

Uma visão geral do parquinho.

Uma visão geral do parquinho.

Uma visão mais de perto :)

Uma visão mais de perto 🙂

Além do playground e das mesas, existem banheiros masculino e feminino – ambos muito bem cuidados, com papel (e rolinho extra) inclusive. Reabastecemos nossas garrafinhas d’água nas torneiras do banheiro, e numa biquinha próxima ao lago, cuja existência só notamos pouco antes de ir embora. Saímos de lá por volta das 16h, e nosso caminho de volta demorou uma hora redondinha, coincidindo com o horário de fechamento do parque.

Sim, água. Na Cantareira.

Sim, água. Na Cantareira.

Sossego e tranquilidade. As piadas e a infâmia não saíram nessa foto.

Sossego e tranquilidade. As piadas e a infâmia não saíram nessa foto.

Um fim de tarde maiúsculo.

Um fim de tarde maiúsculo.

Um passeio como esses às vezes gera certa desconfiança: “Mata Atlântica em São Paulo? Se eu quiser ver árvore passeio no Ibirapuera“, algum ranzinza pode dizer; “Trilha asfaltada? Não tem nada de natural nisso“, é o discurso que pode sair da boca de outro reclamão. Não amiguinhos, é bem diferente disso. Um passeio desses pode funcionar como uma pontadinha de esperança na gente, que anda tão desanimado com tudo por aqui – sim, tomamos água na Cantareira, respiramos um ar mais que puro, tomamos sol, curtimos silêncio, aproveitamos a cidade passeando entre as árvores – um verdadeiro disparate. É bom… esperança sempre é bom. E o passeio, mais que recomendável.

Causos, Faniquito, Fofuras

Apresentando: o mundo

19 de março de 2015

Dia desses a gente programou uma viagem. Que a princípio seria pra dois, mas que no fim das contas dobrou de tamanho. Viagem que seria um mochilão pesado, com mudanças de altitude, longas viagens em ônibus de procedência duvidosa, algumas correrias, e passeios que exigiam certa resistência física (que nem a gente sabia bem se tinha ou não). Na época, eu tinha 31, a Dé 28, e a Mel – nossa amiga e uma das colaboradoras do Faniquito – tinha apenas 20 anos. O papo começou em 2010, a viagem seria em 2011. E durante a comemoração do meu aniversário em janeiro, me chamam à mesa. Minha mãe vira pra mim, e comunica:

– Eu também vou, viu?*

Tomei um susto, óbvio. A começar pela única informação já relatada em nossos perfis: Paquinha** tinha na época seus bem vividos 62 anos, e teria 63 na viagem. Um histórico de dor nas costas, dor nos pés, dor nisso e dor naquilo. Estatura não muito avantajada, e assim como eu, boa de garfo. Mas todas essas informações perdiam importância perto de algumas outras: minha mãe nunca havia saído do país (ok, eu só havia saído uma, a Dé duas), voado de avião, ou mesmo passado tanto tempo longe de casa. Meu pai havia falecido há seis meses, e achei aquele ímpeto sensacional. Dois segundos depois do susto, topei – e não mais repensei, pois sabia que aquilo seria incrível.

Perder alguém (e nesse caso, alguém tão próximo como meu pai) instantaneamente mudou meu modo de lidar com as pessoas. Imagino que cada pessoa lide com uma situação traumática à sua maneira. A minha foi aproveitar ao máximo dali em diante a tudo e a todos: pelo menos uma vez ao ano tentar rever o máximo de pessoas possíveis (e uso descaradamente meu aniversário pra isso), nunca perder a oportunidade de agradecer, criticar, elogiar ou dividir as coisas importantes da vida, e por aí vai. É coisa minha, e é minha forma de eternizar tudo que meu pai fez por mim também. E durante os meses que se seguiram, eu pensava: “O velho teria orgulho de ver o que a gente vai fazer pela Paquinha“.

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A primeira reunião de turma, no Mercadão.

E o Faniquito surgia mais ou menos nessa época :)

O Faniquito surgia mais ou menos nessa época 🙂

E chegou setembro.

Mochilamos. Primeiro, o vôo de São Paulo – com escala em Santa Cruz de la Sierra, e a primeira correria para pegar a conexão – até La Paz. Chegamos à noite, pegamos um táxi capenguíssima e pouco depois estávamos no albergue. Sim, o primeiro albergue da vida da Paquinha. Encomendamos uma pizza e tomamos uma cerveja no meio do bar. E dali seguiram-se várias experiências, que pipocarão aos poucos por aqui: as ladeiras de La Paz, as folhas de coca, o Paro Cívico, as festividades em Cusco, Machu Picchu, Salar do Uyuni, o ônibus quebrado, o amigo americano, as comidas e bebidas inéditas, o primeiro barco (da vida dela, cruzando o Lago Titicaca), passear no deserto, dormir sem energia e acordar em temperatura negativa…

O primeiro dia de fato fora do Brasil - nesse caso, em La Paz.

O primeiro dia de fato fora do Brasil – nesse caso, em La Paz.

E o primeiro baque de emoção, com um evento local em Cusco.

E o primeiro baque de emoção, com um evento local em Cusco.

O ritmo durante a viagem, obviamente, não era o mesmo que o nosso, mas não estávamos com pressa. Dividimos a bagagem dela, e todo mundo se ajudou – ela também ajudou muito a gente: sim, mãe é mãe em qualquer lugar do mundo (e ela no caso estava provida de um filho original, e duas filhas adquiridas). Várias foram as vezes ela se emocionou (como na foto logo acima). As imagens que a gente se acostuma em casa tomam outras cores nesse novo contexto, e redescobrimos as pessoas. A cada novo lugar, uma informação diferente – e essas novidades desnorteavam a Paquinha: as tecelãs peruanas, as montanhas de Machu Picchu, aquela imensidão do deserto de sal boliviano, as lhamas e alpacas. De repente, outra cidade. Vinte e um dias, que permanecem mais que vivos na memória da gente.

Em Pisac, da mesma sequência da foto que abre esse texto...

Em Pisac, da mesma sequência da foto que abre esse texto…

...e um pouco mais tarde, em Ollantaytambo, dando as favas pra chuva que caía.

…e um pouco mais tarde, em Ollantaytambo, dando as favas pra chuva que caía.

Até hoje a gente fala sobre essa viagem, óbvio. Pelos lugares, paisagens e tudo aquilo que a gente tá acostumado a dividir sempre que se afasta de casa, claro, mas o mais legal é notar a cara de novidade que minha mãe faz toda vez que relembra da aventura. É um prazer absurdo pra gente ter “apresentado o mundo” à Paquinha. Notar que toda aquela lista de coisas apontadas lá em cima desapareceram durante a viagem é um prazer, pois a empolgação a cada novo dia era muito maior que qualquer preocupação – aparentemente ela deixou todos os problemas no Brasil sem avisar a gente, mas como confiamos na véia desde o início, não ficamos surpresos.

Não teve obstáculo pra Paquinha...

Não teve obstáculo pra Paquinha…

...e também não foi só perrengue: por diversas vezes nos demos muito bem.

…e também não foi só perrengue: por diversas vezes nos demos muito bem.

O primeiro barco da vida, após 63 anos. Medo?

O primeiro barco da vida, após 63 anos. Medo?

Eis a resposta.

Eis a resposta.

Portanto, ao final desse texto – e dessas fotos – a gente deixa um conselho pra você, amiguinho ou amiguinha viajante: além da bagagem, leve pra estrada quem você ama: seus pais, filhos, irmãos, primos, amigos (com procedência), a vovó, o vovô e até o cachorrinho. Pense em combinações improváveis – sim, às vezes quem menos se imagina quer fazer algo que a gente num primeiro momento pode achar totalmente descabido, mas pense: uma realização de vida dessas tem preço? Mais que um presente, dividir uma experiência de vida tão marcante como uma viagem, ou um trecho dela?

Não tenha frescuras quando for viajar.

Não tenha frescuras quando for viajar.

Procure sempre as melhores companhias.

Procure sempre as melhores companhias.

Leve sempre um agasalho.

Leve sempre um agasalho.

E não tenha medo do desconhecido. Nem de ser feliz.

E não tenha medo do desconhecido. Nem de ser feliz.

Pois você será.

Pois você será.

Não espere que alguém te faça um pedido desses. Tome a iniciativa, como minha mãe tomou. A experiência de viajar já é suficiente marcante, mas se torna inesquecível quando ela deixa de ser só sua, pra ser também de quem você ama.


* Faniquito não tem idade, galera. Está cientificamente comprovado.

** Paquinha (ou Marilene, pros desconhecidos) é minha mãe, e ela faz aniversário daqui a 3 dias. Uma mãe como poucas, e que eu espero, sirva de espelho pra outras mamães por aí. Achei justo homenageá-la numa data próxima, com um apanhado geral de uma viagem que vai aparecer aqui no Faniquito por diversas vezes. Feliz aniversário adiantado, véia. Que o mundo te abrace (assim como eu pretendo fazê-lo, o mais breve possível). Amo muito você.

Brasil, Faniquito

“A gente precisa mergulhar”

10 de março de 2015

Da ideia à concepção foram aproximadamente sete meses. Estávamos em nossa última viagem, fazendo um passeio de caiaque. O grupo parou em uma praia para descansar, e além dos sanduíches, máscara e snorkel estavam disponíveis para quem quisesse nadar um pouco e dar uma olhada nos peixinhos. Foi o que fizemos, e mágico talvez defina a sensação que tivemos ali – a Dé especialmente, que chegou doida pelo caiaque, e saiu apaixonada pelos peixinhos.

A gente precisa mergulhar – ela disse.

Com essa frase voltamos pra casa, e esse pensamento virou um mantra, que virou pesquisa, que virou matrícula. Era início de dezembro quando passamos pela Narwhal Morumbi*, fizemos um orçamento e poucas semanas depois compramos nosso equipamento básico: snorkel (o canudinho), máscara, nadadeiras (aprendemos que o bagulho NÃO CHAMA pé-de-pato) e botas (pra proteger o pé, pois as nadadeiras são abertas e presas com alças). O dinheiro estava curto, e esse já era um pequeno investimento. Deixamos o curso pra depois.

Foi-se janeiro – e todas as suas contas. Em fevereiro voltamos à loja e fechamos o curso de Open Water Diver, certificação equivalente ao mergulhador nível básico. Optamos pela Narwhal pelo fato dessa certificação ser homologada pela PADI (Professional Association of Diving Instructors), que é um órgão reconhecido mundialmente, e cuja carteirinha também vale planeta fora – algo interessante o suficiente pra quem quer viajar mergulhando, ou mergulhar viajando. Aí vai de cada um… a gente se contenta com ambos 🙂

O curso consiste num treinamento de quatro dias, dividido em dois finais de semana: no primeiro, um dia somente de carga teórica, e o outro de treinamento prático em piscina; o outro, dois dias de mergulhos em águas abertas. Parece pouco, “quatro dias pra aprender a manejar aquilo tudo, enfiar um tubo na boca e respirar debaixo d’água sem engasgar e morrer“. Pelo menos era esse meu pensamento… e é um pensamento que faz sentido, até você começar a entrar em contato com o negócio todo.

Fizemos testes dos dois primeiros dias com o Gustavo e a Adriana – nossos instrutores. Do material didático que o curso oferece, um DVD – que assistimos anteriormente – já dá uma boa adiantada no conteúdo, que é estranho à primeira vista, mas que passa a fazer sentido durante a aula. No fim do dia, uma provinha pra deixar a coisa toda ainda mais emocionante. Mas tudo correu bem, e domingo estávamos na piscina, tendo nosso primeiro contato com o equipamento completo (exceto a roupa). Montamos e desmontamos tudo por diversas vezes, simulamos trocentos exercícios, fizemos teste de natação, e vencemos alguns medos (como desalagar a máscara debaixo d’água – algo que parece humanamente impossível, que te fará afogar assim que você tentar, até o momento em que você faz, e parece a coisa mais óbvia e simples do mundo). Foi um dia puxadíssimo, mas adoramos. Saímos de lá elétricos, e ansiosos para fazer o checkout (ou batismo – o termo que se usa pros testes em águas abertas).

Gustavo e Dri fazendo tudo parecer possível :)

Gustavo e Dri, fazendo tudo parecer possível 🙂

Então a Dé teve a ideia: Já que nosso aniversário de casamento tá quase aí, por que não fazer o checkout juntando as datas? E assim, agendamos nossa ida a Ilhabela para esse último final de semana (dias 7 e 8 de março). Descemos um dia antes, pois nosso aniversário foi dia 6, e por lá comemoraríamos.

Não conhecíamos. Ilhabela é um lugar bonito pra burro. Pedimos algumas dicas de hospedagem, e acabamos ficando no Hostel Central Ilhabela (http://www.hostelcentralilhabela.com/). Ótima localização, um serviço atenciosíssimo da Luana (recepcionista e faz-tudo), nos estabelecemos e logo a seguir fomos jantar pra comemorar nossa data-pretexto… afinal de contas, não é todo dia que a gente completa bodas de madeira/ferro (sim, eu procurei). E comemoramos à altura (vá com fome ao Pìmenta de Cheiro – http://www.pimentadecheiroilhabela.com.br/ –  preços não muito módicos, mas pratos deliciosos e ogros que valem a pena), porque tem muito casal que desmancha bem antes disso.

Pra descer todo santo ajuda ( a subida foi um inferno, à noite e com chuva...)

Pra descer todo santo ajuda ( a subida foi um inferno, à noite e com chuva…)

Durante a descida, uma parada pro xixi, e também pra acompanhar um afago desajeitado no inglês, enquanto matavam impiedosamente o português

Durante a descida, uma parada pro xixi, e também pra acompanhar um afago desajeitado no inglês, enquanto matavam impiedosamente o português

Albergue mais que honesto, com direito a ventilador de teto e ar condicionado

Albergue mais que honesto, com direito a ventilador de teto e ar condicionado

O jantar das bodas de madeira

O jantar das bodas de madeira

Chegou o sábado. Mesmo com o tempo fechado e chuvoso durante os dois dias, correu tudo muito bem. Um novo grupo de instrutores (o Kauê – que faz inclusive recomendações culinárias, o Vinicius, o Guilherme e o Ricardo), e mais ouros 13 iniciantes compuseram nosso grupo: tinha casal de noivos, gente que já mergulhava clandestinamente mas tomou vergonha e foi se certificar, gente que estava indo viajar, uma menina menor de idade acompanhada dos pais, casal de namorados, enfim… uma galera.

Nosso barco, e a galera (a foto é do segundo dia)

Nosso barco, e a galera (a foto é do segundo dia)

O primeiro dia não foi fácil. A ambientação com aquela roupa de neoprene, a ansiedade em montar o equipamento direitinho, a equipagem com mais um monte de gente ao seu redor (fizemos o curso em piscina com somente uma menina), e não fazer feio ao cair na água. Depois de cair, notar o quão diferente é o mar de uma piscina. Parece uma imbecilidade falar isso, mas é verdade… a visibilidade é totalmente diferente, e as correntezas são um fator inédito até aquele momento. Além disso, engolir água salgada é bem diferente (e pior) do que aquela água da piscina. O lastreamento é totalmente diferente, e se habituar com tudo isso te dá um enrosco emocional num primeiro momento. Mas aos poucos a coisa vai fluindo. Lá embaixo, o primeiro contato com os peixinhos é emocionante, sem brincadeira. O receio de fazer besteira com o oxigênio vai embora com a calma que o ambiente te passa, e aos poucos você relaxa e aproveita. Mesmo com pouca visibilidade, a gente até conseguiu brincar um pouco, olhar ao redor e ver que nosso mundo de fato tinha aumentado. Fizemos outros testes (semelhantes aos feitos na piscina), e ao final do dia estávamos totalmente esgotados. Tanta confusão até desanima um pouco assim que você pode parar e descansar, mas toda novidade é assim: começa difícil pra aos poucos virar uma coisa natural. Essa era nossa esperança, e com esse pensamento voltaríamos no dia seguinte.

Dois cilindros pra cada um

Dois cilindros pra cada um – e sim, é a gente que monta o equipamento 🙂

Alguns de nossos melhores amigos do final de semana

Nossos melhores amigos durante o final de semana

Repusemos as energias seguindo as indicações do Kauê, e fomos à Creperia N’Areia  (http://www.creperianareia.com.br/ – peça pelo número 23), e na creperia também pudemos conhecer melhor os instrutores e o pessoal do mergulho… um happy hour merecido, fechado com um churro ali do lado, num verdadeiro carrinho de comida, e não essas porcarias gourmet (Churros Lorac: http://tinyurl.com/oqc22jy). Voltamos ao albergue e capotamos.

De onde sai o barco pela manhã, chegam os peixes à noite

De onde sai o barco pela manhã, chegam os peixes à noite

Honesto, gostoso e barato - recomendamos!

Honesto, gostoso e barato – recomendamos!

No segundo dia repetimos a dose. Porém, com a tensão deixada pra trás, o dia fluiu com muito mais tranquilidade e as coisas pareciam bem mais simples. Tivemos os problemas que todo iniciante tem (e que bom, afinal de contas é pra isso que estávamos fazendo um curso, e não bancando o herói): algumas dificuldades para a equipagem, mas dessa vez sabíamos das variantes do nosso local de mergulho. Mais alguns exercícios durante a manhã, e um mergulho turístico simulado – acompanhado de um instrutor, em caráter observador – para fechar o treinamento. Voltamos ao barco debaixo de uma chuva monstra, e de lá fizemos nossa última reunião, onde foram apontados todos os problemas, méritos, mudanças e recomendações para que tomássemos dali em diante. Todos se certificaram no fim das contas, e o saldo ao final de toda essa maratona é que cumprimos uma de várias etapas. Missão cumprida, hora de encher o bucho e pegar a estrada.

A partida do segundo dia :)

A partida do segundo dia 🙂

Reunião antes do mergulho

Uma reunião antes do mergulho

Chegou a hora de ir mais fundo, depois de sete meses de planejamento...

Chegou a hora de ir mais fundo, depois de sete meses de planejamento…

... e assim fomos :)

… e assim fomos 🙂

A galera na água, antes de ir lá pro fundo

A galera na água, antes de ir lá pro fundo

O resultado: água, equipagem, e um sorriso descabido

O resultado: água, equipagem, e um sorriso descabido

O almoço dos campeões, antes de cinco horas e meia de serra

O almoço dos campeões, antes de cinco horas e meia de serra

A coisa mais bacana é saber o quanto se dispor a começar uma aventura dessas é capaz de expandir seus horizontes, e multiplicar as possibilidades de destinos possíveis. Olhar para o mar e não pensar somente em molhar os pés ou dar uma nadada. Ir além, conhecer um pouquinho do que existe ali embaixo. Foi essa a grande descoberta, feita involuntariamente sete meses antes, e confirmada agora há pouco. Dá pra ir além, sempre dá. O negócio é procurar o jeito certo de fazer isso, respirar fundo e meter as caras. Vale a pena, e pode ser mais bacana do que você imagina.


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Brasil

Chapado na chapada

26 de fevereiro de 2015

Por Flavio Pucci


Calma leitor, quem me conhece sabe que não sou adepto de coisas ilegais. Não fumo, não injeto, não cheiro…só bebo, e viajo. Viajo pra caralho. Numa dessas viagens, eu e minha (hoje) esposa pegamos 30 dias de férias e fomos de carro de São Paulo à Recife. Que viagem.

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Tudo isso de Uninho – chupa Land Rover.

Poderia escrever aqui sobre a viagem toda, mas com certeza deixaria escapar detalhes importantes. Um texto é pouco. Prefiro então focar num bom capitulo dessa longa viagem, a Chapada Diamantina.

Chegando em Lençóis, não dávamos muito para a cidade, nem para o que nos aguardava por entre aquelas montanhas. Já na pousada, conhecemos o Alcino, um cara de papo manso e várias histórias sobre a cidade. Além de pousada, o lugar tem um atelier nos fundos com vários souvenirs legais para levar de recordação. Nada de brindes escritos “lembrança da Bahia” ou coisas do tipo. Compramos uns copinhos de cachaça feitos a mão, uma graça.

Todas as manhãs, o Alcino serve o melhor – não sei que nome dar pra isso, mas eles chamam de – café da manhã do mundo. Tem de tudo, é tudo fresco e tudo feito na hora. Se você perguntar sobre algum ingrediente, é capaz de ouvir toda a história da família do Alcino com pontos em comum com a história de Lençóis. Sentar para tomar um café da manhã ali, é sem dúvida uma viagem. E é tão “turístico” isso que você pode fazer mesmo sem estar hospedado na pousada.

Café da manhã na Estalagem e Atelier Alcino (foto da internet)

Café da manhã na Estalagem e Atelier Alcino (foto da internet)

Durante toda a viagem, eu e a Carla chegávamos nas cidades com aquele pé atrás de todo brasileiro. Desconfiando um pouco aqui, não acreditando um pouco acolá. Lençóis deu um tapa gigantesco na nossa cara. Ainda bem. Que cidade hospitaleira, que cidade foda. Puta merda.

Num restaurante argentino chamado El Jamiro*, conhecemos uma garçonete, a Ale, que foi nossa guia (até espiritual) e disse tudo o que tinha de melhor por ali. “não deixem de fazer o Vale do Pati”. Ela foi tão simpática que repetimos de restaurante no outro dia só para encontrá-la e ouvir mais um pouco da cidade. Ela tinha planos de abrir um café, o Café de Todos os Santos, espero que já esteja funcionando… e bombando. Lembro que naquela noite fomos dormir pensando em largar tudo e abrir qualquer coisa em Lençóis.

Carla em frente o El Jamiro, mal sabendo o que estava por vir...

Carla em frente o El Jamiro, mal sabendo o que estava por vir…

Vamos à Chapada, mais especificamente ao Vale do Pati. Os outros passeios são bons mas são um tanto quanto comerciais. Ficam próximos da cidade e não te dá aquela sensação de “faço parte dessa porra chamada natureza”. A maior verdade que encontrei revendo as fotos e até pensando sobre esse lugar é que: não existe texto nem foto que descreva essa porra. Posso te mostrar mil fotos, escrever mil textos e falar feito um idiota. Nada se compara a caminhar entre os vales, passar pelas montanhas e chegar num mirante, puta merda. Falta ar… e quando chegamos lá, tudo o que queremos é ficar ali, sentado, contemplando. Você fica, como diria Rubem Alves, estupidificado.

Nóis no mirante

Nóis no mirante

Ficamos 4 dias caminhando (uma média de uns 20km por dia), tomando água de rio, banho de cachoeira e conhecendo pessoas. No meio dessas andanças, conhecemos o Seu Nô, um senhor que nunca ouviu falar do Neymar. “E Messi, quem é? Conheço o Pelé, pode ser?” O Vale do Pati é um lugar ímpar. Lá, a casa que tem geladeira, não tem fogão e a casa que tem fogão, não tem geladeira. Mas todas têm muita história pra contar.

Casa do Seu Nô, onde ficamos hospedados duas noites.

Casa do Seu Nô, onde ficamos hospedados duas noites.

Esse passeio de 4 dias você pode fazer sozinho ou com um guia. Escolhemos a segunda opção por questões de “faltamos todas as aulas de geografia e não sabemos ler mapa nem bussola”. Ainda bem porque o nosso guia não poderia ser melhor, o Diógenes. Um figura, torcedor do Vitória, simples de tudo e que gostava de “meditar”. Vivia nos convidando para “meditar”. Fomos descobrir mais tarde que “meditar” era o mesmo que “fumar um”. Disse a ele que não curtia muito essas paradas e que, estando ali na Chapada, não precisava usar nada para se sentir chapado. #tudumpish.

Eu e o Diógenes, nosso guia.

Eu e o Diógenes, nosso guia.

Não acredito em destino mas (momento cliché do texto), esse tipo de viagem parece que vem com parte do roteiro pré determinado e uma pequena nota de rodapé: você só vai encontrar gente foda pelo caminho. E vai querer voltar, certeza. Seu puto.

A lembrança que temos da Chapada é que:
1) cansa pra caralho.
2) vale a pena pra caralho.


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*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Argentina

Conhecendo El Chaltén

16 de fevereiro de 2015

Uma cidade, mas pode chamar de vila. El Chaltén não possui sequer mil habitantes, e é a cidade mais nova da Argentina (nasceu em 1985, delimitando uma fronteira com o Chile por meio de ocupação). Chegamos lá de ônibus, partindo de El Calafate, numa viagem razoavelmente rápida de 220 km pela RP 23 – existem passeios de um dia, com saída e chegada em Calafate, feitos da mesma maneira.

Ainda no ônibus, o Fitz Roy é o cartão de visitas.

Ainda no ônibus, o Fitz Roy é o cartão de visitas.

E de fato, conhecer a cidade não é tarefa difícil ou demorada. A estrada desemboca em sua rua principal (Miguel Martín de Güemes), que divide o vilarejo em duas partes: do lado direito (cuja rua principal é a San Martín), os restaurantes, alguns hotéis e albergues, lojas e bares; do lado esquerdo (cuja rua principal é a José Antonio Rojo), residências em sua grande maioria, com algumas exceções para hospedarias de menor porte e alguns restaurantes. Ambos os lados acessados a partir de uma bifurcação daquela mesma rua principal, chamada Lago del Desierto. É essa a geografia da cidade, que de tão simples pode ser desbravada num passeio à pé em menos de uma hora – se o vento patagônico te deixar.

A chegada pela Miguel Martín de Güemes.

A chegada pela Miguel Martín de Güemes.

O guia de ruas, nada complexo.

O guia de ruas, nada complexo.

A San Martín. Nosso albergue ficava no final.

A San Martín. Nosso albergue ficava no final.

El Chaltén ainda é notoriamente um vilarejo, cujo ritmo de construção está em vias de torná-lo uma cidade de fato. Porém, seu maior atrativo não encontra-se dentro desse perímetro descrito anteriormente. É de Chaltén o ponto de partida para alguns dos lugares mais espetaculares da Patagônia Argentina: o Cerro Fitz Roy, o Cerro Torre, a Laguna de Los Tres, o Glaciar Viedma, além de ser um dos acessos ao gigantesco Parque Nacional Los Glaciares. Todos esses lugares são motivos mais que suficientes para visitá-la, e no fim das contas a cidade em si fica em segundo plano, em meio a outras tantas boas atrações.

Mas Chaltén tem seu charme. A começar justamente por esse aspecto de “em construção”. Há somente um posto de gasolina (onde o motorista enche o próprio tanque – ou galão de reserva, soubemos que sim, existe gente carregando gasolina dentro do próprio carro), e a comunicação com os moradores por vezes acontece em papéis fixados na porta da rodoviária – exatamente como no elevador do seu prédio. A cidade é ladeada pelo Río de las Vueltas, que tem uma cor azul-esverdeada extremamente bonita. O aspecto da água é turvo de tão gelado, pois o rio é proveniente do degelo dos glaciares. Dá pra chegar bem pertinho, mas mergulhar, nem pensar… O som é quente, o vento gelado. Uma jaqueta corta-vento é tão importante quanto um par de Havaianas, então leve ambos.

O posto de gasolina - que sim, funciona.

O posto de gasolina – que sim, funciona.

O informativo local funciona na base do sulfite e durex.

O informativo local funciona na base do sulfite e durex.

O verde e geladíssimo Río de Las Vueltas.

O verde e geladíssimo Río de Las Vueltas.

Pelo caminho encontra-se uma pequena capela (Toni Egger Gnadenkapelle – Toni Egger foi um alpinista austríaco, e o primeiro a morrer tentando superar o Cerro Torre – também dá nome a um de seus picos), que serve de memorial aos que não regressaram do Fitz Roy ou do Torre. Ilustram a paisagem a tradicional igrejinha, uma pequena escola que fica ao lado de um parquinho, entre outras imagens comuns a vilarejos. Durante a tarde o movimento das ruas é quase nulo, mas sempre existem pequenos grupos bebendo ou comendo na entrada de hospedarias e alguns restaurantes. Os rostos tornam-se familiares muito rapidamente (estando hospedado em Chaltén, certamente você verá as mesmas pessoas por diversas vezes). Além disso, a cidade é repleta de cães – sem dono, mas extremamente amáveis – que estavam por lá desde a época da briga pela fronteira, e hoje habitam a região.

A capela - um memorial aos que ficaram nas montanhas.

A capela – um memorial aos que ficaram nas montanhas.

Todo vilarejo que se preze tem sua igrejinha.

Todo vilarejo que se preze tem sua igrejinha.

O cair da tarde traz todo o tom bucólico que a cidade carrega.

O cair da tarde traz todo o tom bucólico que a cidade carrega.

Um dos simpáticos, lindos e pidões cachorros que estão espalhados por Chaltén.

Um dos simpáticos, lindos e pidões cachorros que estão espalhados por Chaltén.

Nas lojinhas a gente encontra alguns badulaques pra levar de lembrança, mas nada muito fora do comum – postais, mapas, artesanatos e camisetas temáticas são o que mais se vê – existe uma loja bem grande logo na entrada da cidade, onde os turistas fazem a festa. Porém, o forte da cidade são os esportes de aventura, e a gente acaba encontrando também algumas lojas de suporte a alpinistas, montanhistas, ciclistas e adeptos de camping. O tema é recorrente, e isso é explícito até nos lugares mais inusitados. Roupas, suprimentos e equipamentos estão lá, tanto para iniciantes como para esportistas profissionais. Algumas agências dão suporte aos passeios pela região, e dicas importantes para a prática das modalidades. Nessas agências a gente também encontra o mapa da cidade – que torna-se absolutamente denecessário depois de umas duas voltas por lá.

Uma lojinha com a cara do fim do mundo.

Uma lojinha com a cara do fim do mundo.

Algumas capricham na propaganda.

Algumas capricham na propaganda.

Mas a cidade é dos montanhistas - até na hora de jogar o lixo fora.

Mas a cidade é dos montanhistas – até na hora de jogar o lixo fora.

Obviamente come-se muito bem por lá* – fator recorrente em toda a Patagônia. O Parrilla Como Vaca (http://tinyurl.com/le4k42l) é um baita lugar pra uma carne bem-feita e gostosa; se quiser algo um pouco mais sofisticado, o La Tapera (http://tinyurl.com/l9fp4xc) atende muito bem às expectativas – mas chegue cedo, pois o lugar lota e é pequeno; para um bom custo-benefício, a Patagonicus (http://tinyurl.com/l66x6ql) pode funcionar para uma pizza no meio do dia, ou mesmo um lanche. Existem outras opções, e entre elas a gente destaca justamente a que mais usou: o restaurante de nosso albergue. O Hostel Rancho Grande (http://tinyurl.com/psxvetn) possui poucos, generosos e ótimos pratos, além de um menu de café da manhã pra alpinista nenhum botar defeito. Um conforto de verdade pra qualquer aventura. Obviamente há alguns cafés, sorveterias e outros lugares minúsculos, que merecem uma vasculhada com carinho.

Cortes explicados, comida vistosa, uma pizza ocasional, ou um PF honestíssimo: passar fome não será um problema.

Cortes explicados, comida vistosa, uma pizza ocasional, ou um PF honestíssimo: passar fome não será um problema.

Enfim, El Chaltén é um ótimo lugar, seja pra se preparar, seja descansar depois de uma incursão às belezas da região. Um lugar para desligar a cabeça, e curtir um pouco do sossego que a Patagônia Argentina oferece. E o cenário – pois a minúscula cidade possui uma visão privilegiada para os Cerros Torre e Fitz Roy – é para poucos. No caso de Chaltén, menos de mil. Dado que escalá-los e superá-los é uma missão somente para alguns sobre-humanos, nos resta observar. E já vale muito.

Cerros Torre e Fitz Roy: apenas para profissionais.

Cerros Torre e Fitz Roy: apenas para profissionais.

Aproveitem, enquanto a cidade ainda é uma criança, e desse tamanho.


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.