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América do Sul

Argentina

Azul

4 de agosto de 2015

31 de janeiro de 2013. Meu aniversário.

Ainda era cedo quando o ônibus parou em frente ao nosso albergue. Ainda vazio, seguimos pelas pequenas ruas de El Calafate recolhendo mais algumas pessoas do grupo do qual a partir daquele momento fazíamos parte. Seguimos pela estrada por pouco menos de duas horas – exatos 78 quilômetros, até a entrada do Parque Nacional dos Glaciares. Uma pausa rápida e providencial para aquela visita básica ao banheiro, e pouco depois, já de volta ao ônibus, seguimos por uma belíssima estradinha em direção ao nosso destino. No rádio do ônibus, por algum capricho divino, os Rolling Stones tocavam. E nos primeiros acordes de She’s A Rainbow, avistamos o gigante azul logo adiante.

Não fazia ideia do que esperar quando a Dé havia comentado sobre o Perito Moreno. Assim que chegamos a Calafate, procuramos logo de cara uma agência (de várias que estão disponíveis na cidade) que oferecesse o passeio. Ainda no escritório, nos foram oferecidos dois tipos de passeio pelo Glaciar: um mini trekking (de aproximadamente uma hora), e o big trekking (que levava de 3 a 4 horas). Pesquisados os relatos de quem havia estado por lá, optamos pelo mini. Uma escolha acertada e totalmente recomendada, como contaremos a seguir.

Saímos do ônibus e pegamos um barco, que nos levaria ao início do trekking. Para tanto, atravessar o rio era preciso, e na embarcação recebemos as primeiras instruções de como proceder no Glaciar. Estaríamos sempre próximos de nossos guias, sendo que o grupo seria acompanhado de dois deles – um no início, um no fim. Seguiríamos o passeio em fila. Todos usaríamos luvas e grampones – aqueles “calçados” que são encaixados debaixo das botas, para não escorregarmos no gelo. Ao desembarcar, um dos auxiliares do tour mandou um “Vai Corinthians” pra mim. Definitivamente, eu estava em casa.

A primeira imagem mais de perto já era suficientemente avassaladora...

A primeira imagem mais de perto já era suficientemente avassaladora…

...e quanto mais perto, mais impressionante era aquele imenso bloco de gelo.

…e quanto mais perto, mais impressionante era aquele imenso bloco de gelo.

Estávamos razoavelmente distantes do Glaciar quando nos reunimos para repassar instruções e saber um pouco mais sobre aquele lugar nas explicações de nosso agora apresentado guia de grupo (dica: o grupo é dividido em dois grupos menores – com guias em inglês ou em espanhol. Grupos de língua espanhola SEMPRE são menores…). Mesmo de longe, o visual já era impressionante. O paredão de gelo possui mais de 20 metros de altura, e sua área total é maior que a cidade de Buenos Aires. É um monstro azul, no sentido literal da expressão, e poucas definições se encaixariam tão bem.

Quando dizemos MONSTRO, não é em sentido figurado.

Quando dizemos MONSTRO, não é em sentido figurado.

Quando dizemos AZUL, também não. Isso não é saturação: é a natureza mesmo.

Quando dizemos AZUL, também não. Isso não é saturação: é a natureza mesmo.

Perto dali, fomos equipados. Pegamos nossos pares de luvas (que não têm nada a ver com frio, mas sim com proteção em caso de queda no gelo), deixamos nossas mochilas guardadas, e colocamos nossos grampones com a ajuda de outros guias. Depois de perguntar pra Dé o que ela fazia da vida, o guia disse: “Eu trabalho aqui, todo dia. Chato né?”… Formamos a fila, e estávamos prontos pra começar nosso mini trekking.

"Eu trabalho aqui todos os dias". Sim amigo: invejamos.

“Eu trabalho aqui todos os dias”. Sim amigo: invejamos.

Mas que não deve ser fácil calçar e caminhar com isso todos os dias, não deve.

Mas que não deve ser fácil calçar e caminhar com isso todos os dias, não deve.

Caminhar no gelo é uma experiência sensorial. E isso aos 33 anos produz um efeito acachapante… os primeiros passos são temerosos e desengonçados, mas pouco depois você pega o jeito e a coisa flui. Todos em fila, começa um sobe e desce divertido, com pausas para explicações geográficas e estruturais – e para um gole d’água, que você pega do chão. E é a água mais gostosa do mundo, saibam.

Hora de subir. De descer. De subir, e descer de novo.

Hora de subir. De descer. De subir, e descer de novo.

Os paredões azuis são impressionantes – quanto mais azul, mais antigo o gelo. Manter a trilha é certeza de segurança, uma vez que existem áreas mais frágeis e algumas crateras que a gente só percebe depois de ser avisado. Não é um lugar pra brincadeira. Com o céu azul, a jaqueta passa a incomodar um pouco, pois a suadeira é garantida. Uma hora naquele ritmo, acredite, é mais do que suficiente. É proibido parar para fotos pelo caminho, a não ser que o grupo também esteja parado – justamente para não atrapalhar o fluxo do passeio. Leve cartões de memória – sim, mais de um, pois uma beleza dessas não é todo dia que a gente vê.

A gente merecia uma selfiezinha nesse fundo azul maravilhoso.

A gente merecia uma selfiezinha nesse fundo azul maravilhoso.

É um passeio puxadinho...

É um passeio puxadinho…

...mas TOTALMENTE recompensante!

…mas TOTALMENTE recompensante!

Uma cratera enorme. Portanto, nada de desgarrar do grupo.

Uma cratera enorme. Portanto, nada de desgarrar do grupo.

Ao final da trilha, um whiskey com gelo que o guia tira do chão ali na hora. E um alfajor, que ninguém é de ferro. Não teria adjetivos suficientes pra qualificar o passeio – que ainda não havia chegado ao fim.

Hora da recompensa (mais uma, afinal) :)

Hora da recompensa (mais uma, afinal) 🙂

Um lanche (que você mesmo leva na mochila, e cujo lixo é levado de volta – nada é fornecido dentro do parque), uma pequena pausa pro descanso, e o barco volta pra pegar o grupo. Dali, alguns minutos de ônibus até a entrada dos miradores, onde um passeio de pouco mais de 30 minutos fecha o tour pelo Perito Moreno. E se você acha que tudo de mais bonito já havia sido visto, preste atenção às próximas imagens.

Sim, é inacreditável.

Sim, é inacreditável.

E também um dos lugares mais bonitos que eu já vi.

E também um dos lugares mais bonitos que eu já vi.

Passear pelo Glaciar Perito Moreno é, no mínimo, transformador. Não é uma recomendação de viagem – é uma ordem, e uma pendência na vida de qualquer pessoa que goste de sair do quintal de casa. Pra se sentir mais vivo, e um presente de aniversário que eu jamais esquecerei.

Argentina

A casa de Maradona

23 de julho de 2015

Ir a Buenos Aires e não conhecer a Bombonera é deixar uma lacuna na sua viagem. Bom, pelo menos é o que dizem todos os que visitam o estádio, arrastando até mesmo os desinteressados por futebol até o bairro da Boca. Mais ou menos como ir ao Rio e não visitar o Cristo, o mitológico estádio do Boca Juniors é parada obrigatória para qualquer turista que visita a cidade portenha. E nós fomos conferir essa história.

Existe um certo “terrorismo” quanto a La Boca. Não são poucos os que demonizam o bairro (onde também está localizado o Caminito), recomendando “cuidado ao andar pelas ruas”, entre outros conselhos que deixam os visitantes de pé atrás. Opinião pessoal: um absoluto exagero. É um bairro antigo e boêmio, bastante diferente da área central da cidade – mas numa comparação binária, seria como colocar lado a lado as regiões do Jardins e da Moóca em São Paulo. Cuidado a gente tem que ter em qualquer lugar, e não é por estar degradado que um lugar é necessariamente ruim. Então, encare sim o passeio.

Uma paredão em azul e amarelo. Bem-vindos à Bombonera.

Uma paredão em azul e amarelo. Bem-vindos à Bombonera.

O estádio é sim imponente pra cacete. Do lado de fora, um paredão de concreto azul e amarelo, com grandes colunas verticais, deixando claro que estamos entrando num lugar que em nada se assemelha às “arenas” modernas de hoje em dia. Na pequena sala de entrada do museu, você compra os ingressos pro tipo de visita (só o museu, museu e gramado com visita guiada, etc.), e aguarda a chamada numa acanhada lojinha.

A entradinha do museu, e o anúncio que a coisa ali é sobre paixão mesmo.

A entradinha do museu, e o anúncio que a coisa ali é sobre paixão mesmo.

O museu é muito bacana. Estátuas dos jogadores mais famosos do time (Maradona, Palermo, Riquelme), a relação completa dos jogadores que vestiram a camisa do Clube, uma pequena maquete do bairro em outros tempos, e uma memoriabília sensacional, com taças, flâmulas, camisas e todo tipo de objeto que ajude a contar a história do Boca. Da mesma forma que tudo no estádio, é menor do que você imagina – ainda mais se tiver as mesmas referências que eu quanto a esse tipo de museu: o do Corinthians e o Museu do Futebol no estádio do Pacaembú são absurdamente gigantes perto do museu do Boca.

Uma miniatura do bairro, nos tempos de fundação do estádio.

Uma miniatura do bairro, nos tempos de fundação do estádio.

Um cara que perde três pênaltis num mesmo jogo merece mesmo uma estátua.

Um cara que perde três pênaltis num mesmo jogo merece mesmo uma estátua.

A camisa de caminhão do Navarro Montoya. [Clubismo] Em outros tempos, outro goleiro ridículo aderiu à mesma moda no Brasil [/Clubismo].

A camisa de caminhão do Navarro Montoya. [Clubismo] Em outros tempos, outro goleiro ridículo aderiu à mesma moda no Brasil [/Clubismo].

Schiavi, esse parceirásso :)

Schiavi, esse parceirásso 🙂

Mas a graça da Bombonera são os vestiários e o gramado.

Graça pra quem visita, obviamente. O vestiário dos visitantes é apertado e deve ser um inferno se preparar ali. Fora que a arquibancada mais hardcore dos caras fica justamente em cima dele, propositalmente. A fama de caldeirão da Bombonera não é à toa. É tudo meio velho e podre, como tudo no bairro, e é justamente isso que carrega ainda mais a mística do lugar. “Ah, mas isso fica longe do que eu vejo na Champions League”, dirá o representante da geração Playstation. Sim amiguinho, é bem diferente. Por isso mesmo a Libertadores é divertida: porque é aqui, e não na Europa.

Quanto ao gramado e às arquibancadas: aquilo tudo que ouvimos e vemos é exatamente daquela maneira: assentos colados, corredores apertados e uma verdadeira parede de arquibancada que impressiona de verdade. Nossa guia era extremamente animada (e a maioria dos visitantes, brasileira), e contou detalhadamente os principais fatos da história do estádio. Mostrou também onde fica o camarote vitalício do Maradona, e nos levou à “geral” da Bombonera (aquela que fica em cima do vestiário visitante), onde organizou uma baguncinha básica com a galera. Um passeio bem do divertido, e mais divertido ainda por termos feito o dito seis meses após o título da Libertadores do Corinthians – justamente em cima dos caras.

É alta a bagaça, meus amigos. Dá um calafrio.

É alta a bagaça, meus amigos. Dá um calafrio.

Pertinho do gramado, e de frente pros camarotes.

Pertinho do gramado, e de frente pros camarotes.

Hora de ver mais de perto por onde o Romarinho passou.

Hora de ver mais de perto por onde o Romarinho passou.

Na saída, a hora da saudade.

Na saída, a hora da saudade.

Conclusão: a Bombonera vale sim a visita – muito mais por seu caráter histórico, e por ser um estádio sobrevivente à modernização que engole o futebol nos dias de hoje. É um ponto turístico pra quem não acompanha o esporte, mas uma obrigação pra quem ama o certame.

Apêndice gordinha: saindo de lá, caminhe por algumas ruas e vá almoçar no Obrero – que é igualmente precário e tradicional. Um bifão de chorizo não fará mal depois de duas horinhas de tour por terras amarelo-celestes. E tente encontrar a flâmula do seu time de coração na parede forrada dos caras 🙂

Um restaurante tradicional, num reduto de torcida, com uma parede de verdade.

Um restaurante tradicional, num reduto de torcida, com uma parede de verdade.

bombonera13

Pro almoço, mais uma tradição – por que não?

P.S.: Achei que faltava um vídeo mostrando a Bombonera funcionando. Então fechamos o texto com o melhor momento já vivido por esse estádio:

Bolívia, Perú

Wiphala e as cores do arco-íris

29 de junho de 2015

Aproveitando a deixa de sexta-feira, onde num momento histórico os Estados Unidos aprovaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país, e dessa decisão uma verdadeira avalanche de arco-íris tomou conta das redes sociais (avalanche essa da qual o Faniquito também participou, óbvia e orgulhosamente), o texto de hoje trata de uma outra bandeira, muito semelhante em sua forma e cores, mas pouco conhecida em território nacional: a Wiphala.

Na Praça das Armas de Cusco, as principais bandeiras do país.

Na Praça das Armas de Cusco, as principais bandeiras do país.

Tivemos nosso primeiro contato com ela durante nossa viagem para o Perú e Bolívia – que juntamente com o Equador, possuem no povo andino a raíz de sua civilização. A cultura andina é exaltada por esses povos, das maneiras mais diversas. Em nossa passagem pelos principais sítios arqueológicos peruanos, nossos guias contavam com orgulho como o povo andino conseguiu camuflar seus ideais e credos em obras europeias, imagens trazidas de fora, e uma série de outros artifícios durante a colonização espanhola. Dessa forma, os andinos conseguiram manter a história de seus antepassados, trazendo adiante uma herança que nós, brasileiros, perdemos com a colonização portuguesa: nossa população nativa foi dizimada, e não sabemos absolutamente nada sobre nossa verdadeira história.

Tendo em vista nossa evolução econômica e o tamanho de nosso território, pode parecer besteira para alguns o resgate desses valores. Mas fato é que o povo andino possui um sentimento nacionalista muito mais forte do que qualquer patriotismo oportunista que costumamos cultivar (principalmente em anos de Copa do Mundo), e um mínimo contato com essa cultura engrandece nossa percepção da riqueza que a história latino-americana possui. E quanto a ela pertencemos.

A bandeira faz parte de todos os eventos pátrios peruanos.

A bandeira faz parte de todos os eventos pátrios peruanos.

A Wiphala está presente em praticamente todo o território desses três países, comumente ladeando a bandeira nacional – nem sempre em seu formato mais conhecido, quadrado e quadriculado, e sim em faixas representando as cores do arco-íris. Algumas partes do território argentino, chileno e colombiano também possuem população andina, o que populariza ainda mais o símbolo na maioria dos países sul-americanos. Em 2007, a nova constituição boliviana incluiu a Wiphala oficialmente como símbolo pátrio.

Confesso que me senti meio alienado quando vi a Wiphala pela primeira vez, e minha reação óbvia foi “que raio de bandeira é essa?”. Pela quantidade (e disposição) de suas cores, ela é facilmente confundível com a bandeira gay, e isso foi o que mais me chamou a atenção naquele momento. E aquilo me incomodou – não a coincidência, mas sim o fato de eu, sul-americano que sou, nunca ter ouvido falar dela.

A Wiphala em sua versão tradicional (quadriculada), que ilustra o início do nosso texto de hoje, e possui algumas versões diferentes, dependendo da região andina representada. Nessa foto, aparece por duas vezes (abaixo da bandeira boliviana, e acima da bandeira britânica).

A Wiphala em sua versão tradicional (quadriculada), que ilustra o início do nosso texto de hoje, e possui algumas versões diferentes, dependendo da região andina representada. Nessa foto, aparece por duas vezes (abaixo da bandeira boliviana, e acima da bandeira britânica).

Acho que a ignorância incomoda naturalmente. Se não o faz, deveria. Desconhecer algo que não faz parte do nosso dia-a-dia deveria despertar a curiosidade. Imergir um pouco na cultura andina (e fizemos isso por algumas vezes, tanto no Perú como na Bolívia) nos trouxe um respeito muito grande por esses povos, sua luta, e um esclarecimento lamentável pela forma como foram massacrados. Às vezes a gente bate naquilo que não conhece, e desmerece quem por algum motivo escolhe caminhos que não os nossos. Foi assim com os andinos. É assim com quem luta todo dia contra o preconceito. Que essas cores, que tanto alegram a gente em dias de chuva e sol, esclareçam de uma vez o quanto o mundo pode ser melhor quando a gente aprende a respeitar – e não massacrar – a bandeira alheia.

Argentina, Gastronomia

Isabel

25 de maio de 2015

Pegando o gancho do texto anterior, escrito pela Dani semana passada, a dica de hoje é sobre um lugarzinho meio inesperado em El Calafate… mas uma coisa de cada vez, então vamos lá:

El Calafate é uma cidadezinha deliciosa localizada na Patagônia Argentina. Pra efeitos de comparação (e levando-se em consideração que sou brasileiro/paulista), é razoavelmente semelhante a Campos do Jordão, porém sem montanhas e menos colonial. Em uma rua principal estão todo os principais pontos comerciais da cidade: restaurantes, lojas, agências de turismo e até mesmo uma feirinha são passeáveis e conhecíveis à pé; numa rua paralela acima está a estação rodoviária, e seguindo adiante está a área residencial da cidade; tomando-se a rua principal como referência novamente, mas olhando pra trás, em três ou quatro ruas paralelas estão distribuídos os hotéis e albergues da cidade, além de alguns serviços essenciais – lojinhas de conveniência, lavanderias e bazares.

De El Calafate falaremos mais em outras oportunidades. Hoje, o assunto é o Hostel El Calafate… bem, mais ou menos. O assunto mesmo está dentro do Hostel El Calafate – mais especificamente, o quê e quem.

Com poucos dias – às vezes, somente um – disponíveis em determinadas cidades, dificilmente o restaurante do hotel é uma opção considerada na hora de decidir onde comer. E aí entra em cena outro personagem dessa história, chamado Leandro, e proprietário do Isabel Cocina al Disco* (http://isabelcocinaaldisco.com/) – um enorme e bonito salão localizado ao lado da recepção do albergue**.

Leandro é o cara à esquerda, no pique.

Leandro é o cara à esquerda, no pique.

Estávamos de saída para conhecer a cidade (chegamos no começo da tarde), quando fomos abordados pelo rapaz pouco antes da saída. Confesso que não me lembro direito do papo, mas foi engraçado – sim, o Leandro era o argentino com maior fluência em Português que havíamos conhecido até então. E com meia dúzia de piadas infames e aquele jeito Ciro Bottini infalível, ficamos meio confusos até ele nos convencer a jantar por lá mesmo.

Resumindo a história: ficamos 5 dias em El Calafate. Jantamos por lá 3 vezes.

Claro que ficamos. Olha o tamanho dessa panela...!

Claro que ficamos. Olha o tamanho dessa panela…!

Porque não basta a comida ser MUITO boa (e escrever em letras maiúsculas é uma pequena tentativa de quantificar o cuidado com o sabor da coisa toda), o ambiente e o atendimento são um capítulo à parte. Falando da comida: além de alguns pratos comuns (leia-se bife de chorizo e adjacências), a especialidade da casa é a cocina al disco de arado – um panelão de diversos ingredientes, com jeito de comida rústica, mas de um sabor que é um verdadeiro soco na cara de tão gostoso.

Dá pra sentir o cheirinho dessa delícia?

Dá pra sentir o cheirinho dessa delícia?

E pra fechar, que tal um sorvetinho de calafate?

E pra fechar, que tal um sorvetinho de calafate?

Quanto ao atendimento, a simpatia do Leandro e da sua equipe são coisa que vão muito além da simples venda – saímos de lá já morrendo de saudade, e felizmente mantemos contato desde então – e que melhor recomendação existe do que conhecer um lugar, e sair de lá com uma amizade a tiracolo?

Três refeições depois: alegria incontida, e amizade saudosa!

Três refeições depois: alegria incontida, e amizade saudosa!

Portanto amiguinhos, esse texto (que porpositalmente está indo ao ar pouco antes do almoço) é um incentivo a mais para que, quando de sua viagem ao país hermano – mais especificamente à parte lá de baixo, onde existem pinguins, geleiras e noites ensolaradas – considerem El Calafate. Cheguem com fome, e conheçam o Isabel. Mais que isso: conheçam o Leandro.

Capaz que saiam de lá de barriga cheia, e torcedores do Racing*** 🙂


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

**Albergue por chamar Hostel El Calafate – mas com área de hotel do lado oposto ao restaurante. Adotamos a convenção porque ficamos no albergue mesmo.

*** Nem Boca nem River – o cara é doente pelo Racing – mesmo (mas ainda assim um gente boa).

Causos, Fofuras

As coisas simples da vida, e das viagens

21 de maio de 2015

Por Daniela Beneti


Oi gente! Já tô de volta pra mais uma participação especial no Faniquito, tipo convidado em seriado americano. Espero que vocês gostem de me ver/ ler por aqui.

Bem, ao vasculhar minhas fotos para o post anterior (não viu? É esse aqui ó), eu achei algumas que são legais por um motivo especial: não tem nenhum ponto turístico.

Claro que ver os grandes marcos, tipo Torre Eiffel, Coliseu, etc, é maravilhoso. Mas se tem uma coisa nesse tipo de viagem que eu realmente adoro é experimentar o dia a dia de lá.

Tá servida, Mademoseille? Ostras fresquinhas!

Tá servida, Mademoseille? Ostras fresquinhas!

Algumas das lembranças e histórias mais legais que eu tenho das viagens envolvem fazer coisas banais, tipo ir à feira livre. É, feira. Na França é muito comum e bem parecido com as que temos no Brasil. É até maior – fui parar em uma pra comprar uma mala nova, pois a minha tinha arrebentado o zíper ainda na ida.

Como raios fui parar na feira pra isso? Ora pois, mas foi Maria, nossa simpática copeira/ cozinheira portuguesa do hotel de Paris. Fui perguntar para o recepcionista onde poderia comprar malas, qual o shopping (ê paulista) mais próximo, ela ouviu e lascou logo o português: “Mais vais a pagar caro!  Deixa-te disso, vais a Duplex!

Aí você, como eu, pergunta o que é Duplex. Ela não me respondeu, só fez um “Duplex, sabes?” (não, eu não sabia) “Segues aqui ó, veja bem. E vais a achar equipagem baratinha” . Desenhou um mapinha no guardanapo e nos despachou porta a fora.

Ora pois, essa é Maria, uma figura portuguesa com certeza.

Ora pois, essa é Maria, uma figura portuguesa com certeza.

Fomos pra Duplex pensando que era uma loja especializada. Só que Duplex é uma das trocentas estações de metrô de Paris, sendo essa suspensa. Embaixo dela tem uma feira de rua, igualzinha as daqui – gente falando alto, comendo guloseimas, comprando frutas e legumes. E sim, malas. Roupas. Sapatos. A feira lá é bem abrangente. Claro que tem produtos locais, tipo ostras enormes, muito queijo. Foi muito legal.

Mas eu mentiria se dissesse que era a primeira vez que via uma feira de rua na Europa. Quando fiz mochilão, em 2008 com minha amiga Camila Dean, nosso hotel no subúrbio de Paris tinha uma feirona logo em frente. Quando chegamos em Nice, no sul da França, descobrimos que a feira de lá é famosa e vimos pela primeira vez frutas como groselha e framboesa, frescas. À noite, as barraquinhas são recolhidas e tudo vira restaurante. Conhecemos dois sul-coreanos no trem e fomos lá, beber.

Claro que nada supera descobrir como são feitas aquelas balinhas coloridas com desenho no meio. Eu e meu pai passeávamos em Praga quando vimos uma vitrine estranha, onde o vendedor juntava grandes blocos coloridos e brilhantes em um bloco. E esticava. Azul, marrom, creme. Esticou até aquilo ficar fininho – e não era trabalho fácil, pois os tubos originais eram enormes. No final, ele picotou aquele tubinho e nos deu: eram balas, e ele havia desenhado uma árvore dentro. Não acredita? Olha aí embaixo.

Nunca na vida eu ia acreditar se não tivesse visto.

Nunca na vida eu ia acreditar se não tivesse visto.

Outra coisa que gosto de fazer em viagens é ir ao mercado para comprar pão, frios, água, suco. Isso ajuda muito a diminuir seus gastos com alimentação durante o trajeto e te coloca em contato com os hábitos locais.

Em Portugal, descobri que tangerina é clementina. Em Santiago do Chile, descobri que todos os produtos de higiene vem em embalagens enormes, tamanho família, e fiquei amiga do pessoal do caixa. Em Paris, conversei com uma velhinha na fila que adorou saber que eu era brasileira, me deu balinhas e, quando eu disse que gostava muito de Paris, me respondeu “Bien sure, tout le monde aime Paris, c’est fantastique”.

Passei vergonha no mercado em Roma, perto da estação Termini, ao erguer um cacho de uva e o maldito se desfazer, com todas aquelas bolinhas rolando, alegremente, enquanto todo mundo olhava o desastre.

Não foi nenhum chef famoso, foi perto da Termini. Mas olha, não trocaria meu simpático tiramissu por sobremesa gourmet nenhuma.

Não foi nenhum chef famoso, foi perto da Termini. Mas olha, não trocaria meu simpático tiramissu por sobremesa gourmet nenhuma.

Outra coisa que adoro são os restaurantes pequenos e escondidos. Nunca fico caçando restaurantes que guias e reportagens recomendam. Não dá tempo. Mas entrar em restaurantezinhos locais sempre rende boas surpresas e histórias hilárias.

Como em Salamanca, quando duas meninas famintas (eu e Camila) entraram em uma lanchonete e viram que tinha tortilha – um tipo de omelete espanhol com batata. Pedimos e veio um lanche RECHEADO com uma tortilha enorme. Comendo assim, claro que tem que fazer siesta, vocês tão malucos.

Ou quando, novamente famintas (eu andei muito no mochilão, tenham compaixão), e sem nenhum restaurante por perto no subúrbio de Florença, eu e Camila entramos em uma cantininha a noite.

Ok, lanche de tortilha. Pela minha cara de felicidade, dá pra ver que é bom.

Ok, lanche de tortilha. Pela minha cara de felicidade, dá pra ver que é bom.

O lugar inteiro parou e olhou para nós – só famílias do bairro. Sentamos, veio a garçonete com o cardápio. Queríamos algo que não fosse macarrão ou lasagna daquela vez e minha amiga viu “Petto de taquino à caprese”. Sabendo que caprese era uma salada, perguntou “Petto de taquino?” e encolheu os ombros. A garçonete saiu correndo. “Caramba o que foi que você disse, Camila?!”

Quando a garçonete voltou, olhou pra nós, concentrada. Todas as mesas nos observavam em expectativa. Ela então bateu os braços, imitando um pássaro e disse “turkey”. É, esse suspense todo pra dizer que era peito de peru. Sensacional.

Teve o restaurantezinho na Normandia, em uma das cidadezinhas beirando a costa. Eu e meu pai, estávamos em uma viagem temática de Segunda Guerra e ele quis visitar as praias do Desembarque. Na volta, Seu Ricardo queria porque queria jantar em um restaurante típico, mas não havia nada no caminho.

Depois de rodar por vilas que pareciam abandonadas, vimos um restaurantezinho pequeno e simpático. Donos também muito simpáticos nos receberam, mas só falavam francês e eu falava muito pouco da língua na época. A dona tentou me oferecer pratos típicos , mas quando foi me explicar o que era “tête de boeuf” e quis me mostrar, o cozinheiro interviu: “melhor não”. Era miolo de boi, pessoal. O cozinheiro salvador sugeriu uma pizza, que de estranho tinha só um ovo frito no centro. E bebemos a verdadeira Cidra – nada dessa coisa que te dão no Natal, não. A Cidra é o orgulho da Normandia, é uma delícia e sobe que nem rojão.

Na Normandia, a pizza tem um ovo frito malandro no meio. Mas ainda é melhor que “Tête de boeuf”.

Na Normandia, a pizza tem um ovo frito malandro no meio. Mas ainda é melhor que “Tête de boeuf”.

Essas são só algumas das histórias de cotidiano em viagem. Porque pra mim isso é ser viajante e não turista: experimentar a vida local, falar com as pessoas, andar de metrô, trem, ônibus. E perceber como temos coisas em comum com outros povos, coisas que nem percebemos, que nos aproximam do outro e nos tornam mais tolerantes quando voltamos.

Esse simpático casal viu eu e minha mãe passeando em Mendoza e resolveu conversar com a gente, tirar nossa foto e quiseram ser fotografados, mostrando como os Mendocinos são hospitaleiros.

Esse simpático casal viu eu e minha mãe passeando em Mendoza e resolveu conversar com a gente, tirar nossa foto e quiseram ser fotografados, mostrando como os Mendocinos são hospitaleiros.


Se você quiser participar das publicações do Faniquito com suas histórias, curiosidades e dicas de viagem (e não importa o destino), é só entrar em contato com a gente por esse link. Todo o material deve ser autoral, e será creditado em nosso site.

Bolívia

Coca: a polêmica

14 de maio de 2015

Desde aquela fatídica eliminatória em 1993, quando perdemos nossa primeira partida na história da competição para a Bolívia, ouvimos falar com insistência do quanto a altitude de La Paz castiga. Em tempos de Taça Libertadores da América, tomes que apanham por 5 ou 6 gols quando jogam fora da cidade costumam vencer por lá. Atletas profissionais, com seu preparo físico indiscutível, passam mal na beirada do campo, apelando por vezes para pequenos balões de oxigênio.

Exagero? Nenhum.

La Paz (ou Nuestra Señora de La Paz) é uma cidade localizada a uma altitude de 3.640 metros acima do nível do mar: um verdadeiro desafio para o corpo humano, pois a concentração de oxigênio nesses termos é ridícula, e respirar passa a ser um desafio. Pra isso, existe um remédio local que ainda causa um mundo de curiosidade para quem não visitou a cidade: as folhas de coca. Também encontradas em outros lugares – inclusive no Perú, mais especificamente em Cusco, é um pré-requisito e uma ferramenta natural de sobrevivência. E esse texto breve é para matar algumas dúvidas a respeito dessa peculiaridade:

Você fica doidão mascando a danada?

– Não. Por sinal, não é a sensação mais agradável do mundo mastigar uma folha seca. Tem gosto de… folha seca. Apesar de estar ruminando um pedaço de mato, é comestível, suportável, e após algum tempo você se habitua.

Mas é dela mesmo que se faz a cocaína, né?

– Aham. Seu noia.

O chá você encontra à venda em quase todo lugar, mas bebe de graça em quase todo lugar também.

O chá você encontra à venda em quase todo lugar, mas bebe de graça em quase todo lugar também.

Quanto eu preciso pra altitude não me castigar?

– O consumo da folha de coca na Bolívia é extremamente natural, normal e corriqueiro. Existem cestinhas espalhadas em albergues (possivelmente em hotéis também), assim como o chá, que é encontrado em todos os cantos da cidade – para beber ou comprar os pacotinhos, por preços irrisórios. Fizemos um tour, e os guias levavam um saco cheio de folhas no carro – para consumo próprio e nosso, que foi bastante necessário. O efeito que a coca causa é a expansão dos alvéolos pulmonares, ou seja, ela aumenta a capacidade pulmonar de absorção de oxigênio, o que ajuda a equalizar o efeito de desconforto causado pela altitude.

Existe esse efeito todo mesmo? Não é frescura?

– Frescura nenhuma. A cidade de La Paz é composta de ladeiras bastante íngremes, e a geografia da cidade e arredores é montanhosa – vezes pra cima, vezes pra baixo. Seus pulmões são exigidos o tempo todo, e sob tais condições atmosféricas, a não-compensação causa falta de ar, tontura, sono e enjôo – tudo isso dependendo do quanto de esforço está sendo feito.

Ladeiras de verdade, longas e íngremes. Haja pulmão.

Ladeiras de verdade, longas e íngremes. Haja pulmão.

Os bolivianos passam mal como a gente?

– Não, pois nasceram ou viveram por muito tempo durante essas condições, e seus corpos se habituaram a tais condições. Assim como o esquimó é capaz de reconhecer muitos tons de branco devido à vida na neve, a altitude não é um problema para os habitantes de La Paz. Eles tomam chá como se fosse o nosso chá preto, e consomem folhas quando viajam para locais ainda mais altos.

Dá pra trazer o chá pro Brasil?

– Dá. Mas a gente resolveu não arriscar, pois se tem um bicho complicado de se entender é fiscal de alfândega. Macaco gordo não sobe em galho.

E não, não dá pra jogar futebol em La Paz. Apesar das criancinhas da foto me desmentirem (por motivos apontados no penúltimo ítem).

Esqueça: seu time não ganha se jogar em La Paz.

Esqueça: seu time não ganha se jogar em La Paz.

Esqueça qualquer relação com as drogas: folha de coca é legal sim, é necessária sim, e se você for pra Bolívia (e vá, porque vale a pena, logo mais a gente conta os porquês) você vai mascar sim. Seu corpo agradece, seu pulmão mais ainda.