Arquivos do mês de

outubro 2015

Causos, Romênia

Um sonho por 50 Bani

29 de outubro de 2015

Ontem fez exatamente um ano que a Dé levou uma TREMENDA rasteira profissional. Não foi uma surpresa, mas ainda assim não foi um momento lá muito fácil. Antes que vocês fujam daqui, vou explicar o contexto desse momento – de mochila nas costas.

Sabe aquela hora em que você PRECISA viajar, pois o trabalho te consumiu de tal forma que uma pausa é tão necessária quanto respirar? Essa era ela, antes das nossas férias: clima ruim em casa, cansaço mental, emputecimento agudo… toda aquela coisa que todos nós sabemos muito bem como funciona. Preparamos as mochilas e fomos descansar (bem) longe daqui.

Os dias se passaram, e quando os trinta dias estavam terminando o pensamento de voltar a viver naquele inferno começou a tomar conta da cabeça da pequena. Em nosso penúltimo dia de Romênia estávamos visitando o Castelo de Peleș (que foi motivo do nosso segundo texto no Faniquito), quando pouco antes da saída passamos por uma daquelas fontes repletas de moedas, que a gente vive encontrando em diversos cantos do mundo. Um lugar lindo daqueles, seria possivelmente “nossa última fonte em muito tempo”… oras, por que não fazer uma fezinha? Chamei a Dé:

– Vem cá.
– O que foi.
– Pega a moedinha, e faz um pedido.
– Qual pedido?
– Aquele.

Era igualzinha :)

Era igualzinha 🙂

Era óbvio qual seria o pedido.

Viramos as costas, ela jogou a moedinha. Eram só 50 bani (coisa de 50 centavos de Real), mas acho que a vontade era tamanha de se livrar daquele encosto de emprego que o pedido foi feito recheado de esperança. “Vai dar certo, vai por mim“, eu lembro de dizer antes de dar um abraço nela. Passamos bem o resto do dia, e voltamos pro Brasil com aquele sentimento de missão cumprida depois de uma viagem gostosa como a que havíamos feito.

Obviamente o humor dela foi pro espaço já na primeira semana de volta ao emprego. Coisa de pouco menos de um mês, nessa mesma data, a Dé rodou. Dia seguinte ela já estava tocando a vida novamente, e três dias depois arranjou um novo lugar pra trabalhar: mais distante de casa, mas com gente interessada, profissional e sem fulando puxando tapete de geral. É lá que ela está até hoje, feliz da vida e levinha da Silva.

Faz um ano que aquela fonte nos fez o favor de levar a sério nosso pedido. Toda viagem tem por função natural trazer pras nossas vidas dias melhores. Essa em especial trouxe mais que isso, e um ano depois a gente continua muito grato por, em algum momento, termos apostado numa grande virada em nossas vidas em uma moedinha dourada que valia quase nada.

Valeu, e muito.

Hungria, Ir e vir

Caminhando contra o vento

26 de outubro de 2015

A dica de hoje é pra você, que assim como nós está sem grana e adora viajar.

O dia estava apenas começando quando nós já estávamos em Erzsébet tér – uma praça muito bonitinha no centro de Budapeste. Pouco depois duas guias chegaram, com suas plaquinhas vermelhas nas mãos: uma falando em espanhol, outra em inglês. Nos juntamos à segunda, e aos poucos outras pessoas foram chegando e formando um grupo, que não excedia 20 pessoas.

No horário marcado para o início do tour, fomos devidamente apresentados e introduzidos à história da cidade. Numa abordagem rápida e divertida, aprendemos em húngaro (o segundo idioma mais difícil do mundo, segundo a Ursula, tradução de Orsi, e que se pronuncia Órchi) a comunicação básica para socializar com os locais, além do nome da cidade: BUDAPESH – desse jeito mesmo, com aquele S carioca carregado. Nossos planos eram fazer os dois tours no mesmo dia: pela manhã, visitando os principais pontos de Pest e o castelo de buda e seus arredores; à tarde, fazendo o tour comunista, que mostrava as memórias de guerra e terminava no Parlamento.

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Orsi, sua bicicleta, e uma paradinha pra algumas histórias húngaras.

Mais do que falar desses lugares – e falaremos, num momento futuro, nosso texto de hoje é pra reafirmar a eficácia desse tipo de programa. Antes da viagem, fomos aconselhados a fazer todos os walking tours possíveis – e foi um ótimo conselho. Você encontra indicações e opções diversas nos folhetos espalhados pela cidade, em albergues e hotéis, além de poder se juntar a qualquer momento aos grupos que estiverem passando pelas ruas (desde que eles sejam gratuitos, óbvio). Ter um panorama geral da cidade onde você está coloca diversas coisas em perspectiva, e seu aprendizado tem grandes chances de ser muito maior. Se você quiser saber um pouco mais sobre o trabalho dos guias, fizemos um texto sobre isso há um tempinho atrás.

Num primeiro momento, nossos planos foram literalmente por água abaixo ao final do primeiro tour, quando voltamos a Pest para almoçar. Durante o almoço, um pé d’água minou nossas expectativas de chegar ao encontro no horário. Porém, aos dispostos a tudo, saibam que o tour saiu do mesmo jeito, de guarda-chuva e enfrentando um temporal. Pra quem tem poucos dias na cidade, um alento se você tiver coragem. Acabamos fazendo o passeio comunista no segundo dia, pois os tours saíam todos os dias do mesmo local. É só se programar – e nesse caso, torcer pra não chover.

Além das principais atrações e a história de cada uma delas, esse tipo de tour nos permitiu conhecer um pouco da visão de quem vive por lá. As duas guias do Free Budapest Tours* deram depoimentos pessoais sobre a situação econômica e política do país, bem como a herança comunista e as dificuldades da Hungria no atual momento. São coisas que a gente não vai encontrar num folheto, no Trip Advisor ou mesmo no Google (e se encontrar, possivelmente será em húngaro). E poucas coisas numa viagem são tão recompensantes quanto aumentar os limites daquela caixinha de ideias que temos de um lugar desconhecido. Dependendo do tour, essa caixinha explode e a cabeça absorve mais que esponja nova. Uma delícia.

Nosso grupo, sendo apresentado à estátua de Ronald Reagan durante o passeio comunista.

Nosso grupo, sendo apresentado à estátua de Ronald Reagan durante o passeio comunista.

Então, se estiver a fim de conhecer um lugar e estiver sem grana, os Free Walking Tours são um prato cheio. Existem diversos grupos que oferecem esse tipo de serviço, então não se acanhe em perguntar sobre os guias, o trajeto e como tudo funciona. Normalmente é de bom tom dar um troco ao guia ao final do passeio, mas nada é obrigatório (o que não significa que você não possa pelo menos garantir um cafezinho pro sujeito). Passeios desse tipo existem em todos os lugares do mundo – inclusive em São Paulo. Um programa mais que recomendado pra quem não se contenta com aquele eterno mais do mesmo.

A nossa historinha húngara, logo mais 🙂


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Gastronomia

Quem tem boca…

20 de outubro de 2015

O princípio fundamental de qualquer viagem é experimentar. É fato: estando fora de casa, queremos fazer, experimentar ou viver algo diferente. Mesmo as viagens mais cômodas e sossegadas pedem por esse ar de “coisa nova”, seja ela uma bebida, um prato, um banheiro, uma cama, ou mesmo um horário diferente do que nos acostumamos a acordar todos os dias. Pra fazer o de sempre, melhor ficar em casa… certo?

Eu e a Dé nunca cozinhamos nos albergues em que nos hospedamos. Nada pessoal, muito menos preconceito, mas das nossas necessidades (de casal, e mesmo pessoais) experimentar a comida local é tão importante quanto conhecer um novo lugar – e disso a gente não abre mão. Respeitamos e admiramos aquela galera que passa toda uma viagem na base do pão Pullmann e miojo, mas nas contas que fazemos antes de viajar, poder comer sem se preocupar é uma de nossas diversões. E pra que possamos fazer isso da forma mais bacana, preferimos experimentar o que estiver na frente. Nem sempre a gente se deu bem fazendo isso, mas temos boas histórias pra contar:

Ovos romenos

Estávamos no Caru’ cu bere – um dos restaurantes mais antigos e tradicionais de Bucareste (e que será tema de texto mais pra frente). Chegamos cedo, querendo tomar um café da manhã antes de sair pra conhecer a cidade. Sendo um verdadeiro ponto turístico, todos os funcionários falam inglês. Pedimos o cardápio, e ele veio – todo bilíngue, exceto nos pratos do café da manhã. Podíamos perguntar para a garçonete, mas preferimos valer o risco e pedir pela beleza estética das palavras em romeno. A Dé ganhou dois ovos. Eu, um omelete com chá. Eu não como ovo, então a Dé acabou comendo omelete com ovos, e eu fiquei só no chá (minha hora do almoço foi, por consequência, selvagem).

Ovolândia, e o melhor chá da vida.

Ovolândia, e o melhor chá da vida.

Poderia ter sido uma baita decepção, mas a pequena gostou do prato duplo dela, e eu tomei o melhor chá da minha vida – sem hipocrisia, tava tão bom que eu tive que procurar sabor semelhante no Brasil (e o que mais se aproximou foi o vermelhinho da Twinings).

Sim: um chá britânico com gostinho de Romênia :)

Sim: um chá britânico com gostinho de Romênia 🙂

Trocando em miúdos

Em nossa primeira viagem à Argentina, abrimos mão de experimentar a parrillada por pura falta de dinheiro/estômago. E se você não sabe o que é parrillada, a gente explica:

“A parrillada permite provar diferentes partes da vaca. Esta refeição geralmente começa com uma salsicha e chouriço, antes da chegada da carne principal. Ela também pode ser acompanhada de rins, pâncreas, fígado e tripas de gado. Frango e porco esporadicamente também estão inclusos.”

Quando voltamos pra lá, virou dívida pessoal. Acabamos nos metendo numa Parrilla (um restaurante especializado em parrillada) na cidade de Ushuaia. Um baita frio, uma baita fome, respiramos fundo e pedimos a criança. O restaurante estava lotado, e havíamos tido uma breve aula sobre o que viria naquele prato com meu sogro.

Nada te prepara pra uma intimidade tão grande com a vaca.

Nada te prepara pra uma intimidade tão grande com a vaca.

Com a parrillada na mesa, o caminho era sem volta: experimentamos um a um aqueles cortes bizarros de carne, com consistências e cores estranhas. Não dá pra dizer que detestamos, muito menos que amamos – apenas riscamos uma pendência da nossa lista pessoal, e sobrevivemos sem grandes dores àquele jantar esquisito.

Aaaaaaah…alpaca!

Havíamos terminado nosso primeiro dia de passeio em Machu Picchu. Descemos até a cidade, e entramos no primeiro restaurante que vimos na frente (e que nos pareceu entrável – não dá pra deixar o estômago falar na frente do cérebro sob hipótese alguma). Das opções do cardápio, nos chamou a atenção a carne de alpaca – e acabamos pedindo os quatro pratos iguais. Um prato que chegou lindo como esse da foto, e gostoso de um jeito muito difícil de se imaginar. Fomos embora de bucho cheio, e morrendo de saudade dessa carninha. Quando eu e a Dé voltamos pro Perú – em Lima – pedimos alpaca novamente, e ficamos sabendo que só servem a coitada em Cusco e arredores. Ou seja, foi realmente um prato típico e muito difícil de se encontrar em outro lugar. Ah… você não sabe o que é alpaca?

Alpaca: sua gostosa.

Alpaca: sua gostosa.

É esse bichinho simpático da foto lá do topo, que abre nosso texto de hoje. Pois é: por mais fofo que seja, na hora da fome a gente quer mesmo é dentar uma coisa suculenta. Dessa coisinha bonitinha comemos esse medalhão, espetinho e até pizza. Alpaca: experimente.

O desafio da arepa

O café da manhã na Venezuela era um verdadeiro desafio: Santa Elena de Uairén sofria com o desabastecimento (assim como ocorre com todo o país), e queríamos porque queríamos experimentar a tal arepa, que é um prato bem comum e típico do país. Fomos a um restaurante chamado La Arepera, crentes que conseguiríamos degustar o tal quitute. Porém, o garçom era mais atrapalhado que qualquer outra coisa, e depois de pedirmos duas arepas e dois sucos de laranja, recebemos dois tostex e duas Coca-Colas. Essa foi a reação da Dé ao ocorrido:

Arepa e suco? Não... tostex e Coca-Cola.

Arepa e suco? Não… tostex e Coca-Cola.

La Embajada: quem vê cara...

La Embajada: quem vê cara…

...não vê coração. Nem arepa :)

…não vê coração. Nem arepa 🙂

Foi num cantinho chamado La Embajada que encontramos nossa arepa… e que troço bom a tal massinha de polenta frita com recheios variados (no caso, nem tão variados, mas muito gostosos). Nossos cafés da manhã na cidade consistiam de arepas e sucos enquanto estivessem disponíveis (e mesmo comendo como se fosse um almoço, o valor nunca ultrapassava dez Reais PARA AMBOS). Ganhou um lugar especial no nosso coração.

Traumas ou delícias: tudo vira história. Então deixe seu medo em casa, e vá experimentar os sabores do mundo sem medo 🙂

Faniquito, Tailândia

Como escolher
uma operadora de mergulho

15 de outubro de 2015

Por Ângela Goldstein


Conversando com o Masili outro dia, disse que gostaria de enviar um texto meu pro Faniquito e fiquei felicíssima quando minha proposta foi aceita, pra logo em seguida quebrar a cabeça pensando sobre o que eu poderia escrever. Para quem ainda não me conhece – muito prazer, meu nome é Ângela – eu também escrevo um blog de viagens, o Naonde?, e queria apresentar aqui alguma coisa diferente do que eu faço lá. Mas acabei metendo minha colher num angú que eu já conheço muito bem e vou falar sobre mergulho mesmo.

Entre agosto de 2014 e março de 2015 eu trabalhei como divemaster em uma operadora numa ilha no sul da Tailândia, Koh Phi Phi – aquela mesma do tsunami, e essa experiência me tornou muito mais crítica na hora de escolher com quem eu vou mergulhar no futuro. Ter conhecido o outro lado da moeda me chamou a atenção para diversos aspectos que teriam passado em brancas nuvens anteriormente e são eles que eu quero dividir com vocês. Vamos lá?

O que importa, afinal?

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Se você já quer sair de casa com a reserva do mergulho feita para não correr o risco de não ter vaga no barco, procure o máximo de informações pela internet que você puder.

Tripadvisor tá aí pra ser usado e abusado, leia resenhas, procure fotos, veja o site da operadora, saiba há quanto tempo está em funcionamento, veja se ela representa alguma marca de equipamento – em geral, quando as operadoras representam alguma marca, o equipamento que eles têm disponível para locação será dessa marca. Enfim, faça uma busca tão detalhada quanto você faria no perfil do Facebook da nova namorada do seu ex.

Se você prefere ir até o escritório da operadora, o que é melhor ainda, faça todas essas perguntas a quem te atender. Peça para ver fotos do barco, para ver o equipamento, quantas pessoas já estão confirmadas para a saída que você quer fazer etc..

O barco

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Um dos maiores diferenciais da operadora onde eu trabalhei em Phi Phi era o barco, o maior e mais confortável da ilha. Eu sempre mostrava fotos dele para os clientes e vi vários narizes torcidos seguidos do seguinte comentário: “Mas eu nem ligo pro barco…

O chão emborrachado – que só a gente tinha – fazia toda diferença do mundo na hora em que você já estava todo equipado e o mar jogando de um lado para o outro. Um chão bem liso, quando molhado, escorrega mais do que baba de quiabo.

Um banheiro com mais espaço também ajuda pacas na hora de se trocar. Parecem características meio banais e desprezíveis, mas fazem muita diferença quando somadas.

O equipamento

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Uma vez uma cliente que estava se inscrevendo para fazer o curso básico me pediu pra ver o nosso equipamento antes de se decidir. O fim do mês estava chegando, eu precisava da comissão daquela venda, queria acabar com aquilo o mais rápido possível e fiquei pensando: “Mas essa pessoa não tem nem o curso básico, a troco de quê vai querer ver o equipamento que a gente fornece? Tenha santa paciência!

Coloquei o meu melhor sorriso na cara e levei a moça até a sala onde tudo ficava guardado, ela deu uma olhada rápida e fechamos o negócio.

Depois fiquei pensando comigo mesma que, no lugar dela, eu também gostaria de saber o que eu usaria para fazer os mergulhos e em que estado estaria. Ela pode não fazer a menor idéia da função de um colete, mas um colete rasgado ou esfiapado causará uma má impressão, sempre.

Não custa nada pedir para ver o equipamento, isso é parte do trabalho de quem está te atendendo – e se a pessoa ficar de má vontade quando você pedir, problema dela.

Quem vai te levar

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Acho que de todas as dicas desse texto, esta é a mais importante. Se você tiver a oportunidade de conversar com quem vai te levar, não se furte de fazer as perguntas que julgar mais estapafúrdias. De verdade. Mergulho é uma atividade segura? Sim, muito, mas contanto que você siga todos os critérios e, principalmente, que você se sinta perfeitamente confortável com quem está te levando.

Lembro da primeira vez que eu mergulhei, estava ainda um pouco apreensiva antes de me decidir e perguntei pro moço que estava me atendendo: “Se eu ficar com medo… o instrutor segura na minha mão?

Só dei o dinheiro depois de ouvir uma resposta afirmativa.

Você só vai se sentir à vontade se não tiver dúvidas, e você só não vai ter mais dúvidas depois de fazer todas as perguntas que quiser.

Pergunte há quanto tempo o seu instrutor ou divemaster trabalha com mergulho, quais são os melhores pontos, que tipo de animais e corais podem ser vistos naquela região, quanto tempo dura cada mergulho, qual a profundidade máxima, quantas pessoas vão com um mesmo instrutor, como é o briefing antes do mergulho.

Logo depois que voltei para o Brasil fiz uma saída com um instrutor péssimo. Éramos três mergulhadores que seriam guiados pelo mesmo instrutor, eu e um casal de São Paulo que havia tirado a certificação há bem pouco tempo. Quando eu entrei no barco o instrutor pediu para ver minha certificação (sempre um bom sinal!) e ficou todo pimpão ao descobrir que eu sou divemaster, o maior defeito de muito instrutor de mergulho é achar que divemaster é sinônimo de escravo. Não é. Arrumei meu equipamento e fui tomar um solzinho básico no deck, só esperando a hora que ele nos chamaria para dar o briefing do mergulho e cairmos na água. Um tempo depois ele me chamou e disse pra colocar o equipamento e pular.

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Mas qual a profundidade máxima? Quanto tempo ficaríamos mergulhando? O que a gente iria ver? O que faríamos caso o grupo se separasse embaixo d’água? Com que frequência ele consultaria o nosso consumo de ar? Como a gente mostraria isso pra ele?

Todas essas foram perguntas que vieram à minha cabeça, mas às quais eu não dei tanta importância por causa da minha experiência anterior. Eu conheço o meu consumo de ar, eu sei o que fazer caso me perdesse do grupo, eu sei o limite de profundidade que eu posso chegar. Mas e o casal?

Logo que eu pulei na água ele pediu aos meu companheiros que fizessem o mesmo e segurássemos numa corda que estava presa entre o barco e uma pedra. Lembram de todas as perguntas que eu fiz dois parágrafos acima? Pois é, a moça que iria conosco me fez e o folgado do instrutor ainda teve a cara de pau de me pedir para verificar se ela estava com o lastro certo. Eu sei fazer isso? Claro. Eu deveria fazer isso? Não, era o trabalho do bonito e não meu.

Por isso é sempre bom conversar com quem vai te levar e esclarecer todas as suas dúvidas! Mergulho bom é mergulho com segurança!


Se você quiser participar das publicações do Faniquito com suas histórias, curiosidades e dicas de viagem (e não importa o destino), é só entrar em contato com a gente por esse link. Todo o material deve ser autoral, e será creditado em nosso site.

Estive lá, Turquia

Sobre tolerância e respeito

13 de outubro de 2015

Todos estamos acompanhando entristecidos e horrorizados (ao menos, assim espero) o que acontece na Síria de forma mais acentuada neste momento. E nesse verdadeiro êxodo, algumas reflexões precisam ser feitas por todos nós de uma forma BEM urgente. Deixamos aqui nossa breve contribuição.

Mas isso aqui não é um site sobre viagens?
– Amigo, apenas leia. E REFLITA.

Há uma verdadeira mobilização na Europa quanto ao papel do imigrante e seu lugar numa situação dessas: a recepção que os sírios vêm recebendo de países e governos vizinhos pode ter diversos significados, que vão da prometida paz ao preconceito descarado. O chute que aquela cinegrafista húngara deu no pai que carregava o filho nos ombros diz muito sobre que tipo de ser humano somos capazes de nos tornar, mas não pode refletir o caráter de um povo, muito menos estigmatizá-lo.

Nisso surge o Brasil em diversas reportagens, que exaltam “nossa capacidade de receber a todo tipo de imigrante de braços abertos”. Bem, sabemos que a coisa não é bem assim. Enquanto paulista, sei bem o quão torto olhamos para os coreanos, africanos, argelinos, turcos e árabes – povos que possuem comunidades gigantescas, e que por vezes dominam alguns bairros da cidade. Bem como o quanto o termo “japonês” na maioria das vezes tem caráter totalmente pejorativo, mesmo sendo essa a maior comunidade fora do país de origem que a cidade abriga. E nem preciso citar os termos utilizados pra designar os migrantes ou vizinhos que nos visitam ou por aqui se estabelecem, num bairrismo injustificável.

Traçando um paralelo que pode parecer descabido, tivemos uma experiência marcante na Turquia. Fazíamos uma conexão da Croácia para a Romênia, e paramos durante dez horas no Aeroporto Internacional de Istambul. Nossos planos iniciais consistiam em sair dali, ir almoçar na cidade e depois retornar ao aeroporto. Porém, assim que desembarcamos, uma sensação de miudeza nos dominou assim que vimos o tamanho do lugar. Resolvemos ficar por lá mesmo, e… conhecer o aeroporto. Sim, pode parecer absurdo, mas vimos nesse pânico uma oportunidade de diversão.

Vale a explicação geográfica: a Turquia funciona quase como um semáforo entre Europa, Ásia e África. Ou seja: todos os tipos de cultura desembarcavam e circulavam ali ao mesmo tempo, e isso era inacreditável: africanos em trajes típicos super coloridos e brilhantes, os europeus com toda a sua austeridade característica, e os orientais, que iam dos judeus aos islâmicos, mulheres trajando burca, xador ou hijabs (se eu errei algum desses nomes, desde já peço desculpas), coreanos, japoneses, árabes, além dos próprios turcos. Fora os esporádicos americanos, neozelandeses, australianos… e nós, brasileiros, oras! Era a coisa mais próxima à Copa do Mundo – ou a uma reunião da ONU – que poderíamos presenciar.

Turquia: o semáforo do mundo :)

Turquia: o semáforo do mundo 🙂

Sentamos em um terminal que estava bastante vazio, e ficamos observando maravilhados aquele fluxo impressionante. Quando de repente, uma horda de pessoas (homens em sua maioria) se aproximou e em segundos lotou todas as cadeiras restantes. Vestiam uma espécie de toalha branca, apoiada em um dos ombros e que ia até a cintura, onde dava a volta e cobria dali até pouco abaixo dos joelhos – e nenhuma peça a mais, além de chinelos. Sacaram seus celulares, ipads e afins, tiravam fotos uns dos outros enquanto conversavam e riam como qualquer grande grupo que viaja. Éramos os únicos ocidentais ali, e a cena era tão inacreditável que pensei em tirar uma foto… mas não consegui.

Então estamos aqui, usando fotos de quem conseguiu...

Então estamos aqui, usando fotos de quem conseguiu…

O pensamento que me invadiu foi que “aquilo estava certo, era ‘normal’, e eu é que estava fora do contexto“. É meio difícil explicar essas coisas, mas enquanto homem ocidental branco de mínima capacidade financeira, pela primeira vez eu me vi sendo minoria em alguma coisa na vida. E aquilo foi instantaneamente transformador. Não consegui tratar aquele grupo como um simples registro turístico, por mais descabido que tenha sido meu pensamento – e meu sentimento. É aquela hora em que você percebe o tamanho do mundo: o quanto nosso espaço aqui é ínfimo de tão pequeno, e o quanto não temos ideia das coisas que existem e acontecem neste mesmo planeta. Sim, tem gente que se veste de toalha, ou de tecidos brilhantes e chapéu; que só pode circular ao lado do marido de olhos de fora (às vezes, nem isso) – e que essas pessoas tomam sorvete de casquinha no Burger King; que a imagem daquelas pessoas que só aparecem em nossa TV associadas a terroristas são um povo, que se veste daquela forma, usa barba grande e por vezes pode ser sim mal-encarada (e nem por isso vão explodir seu avião). A gente vive em preconceito – às vezes (ou muitas vezes) sem notar.

Sorvete de casquinha: essa coisa que nenhuma cultura é capaz de censurar (seja ele turco ou do Burger King).

Sorvete de casquinha: essa coisa que nenhuma cultura é capaz de censurar (seja ele turco ou do Burger King).

O mundo é enorme, e as fronteiras são capazes de nos desumanizar. Nenhum povo é melhor que outro, nenhuma religião está “mais certa” que a outra (ou nenhuma), nenhum idioma prevalece, nenhum país deveria desmerecer outro – pois sequer temos ideia das dificuldades que as pessoas que não nasceram “por aqui” passam, ou aquilo que elas realmente podem. Somos todos habitantes dessa mesma bolinha azul, e deveríamos ser capazes de enxergar nessa pessoa diferente aí do lado um vizinho geográfico, e não um alienígena.

Então, pra fechar o pensamento desse breve texto: abrigar quem precisa, compreender suas diferenças (culturais, religiosas e afins), e acima de tudo entender essa unidade sob a qual pisamos e que dá nome ao nosso planeta é fundamental pra que a gente tenha um mundo mais bacana pra viver. Sírios, haitianos, angolanos, cubanos, americanos, orientais ou ocidentais – tem lugar pra todo mundo. E é nossa obrigação não esquecer nunca disso.

Bolívia, Causos

F****.

8 de outubro de 2015

Estávamos viajando pela Bolívia, e nosso próximo deslocamento seria de La Paz para Tupiza. Obviamente comprar uma passagem de ônibus em La Paz é uma experiência bem diferente do que fazê-lo no Terminal Tietê, por exemplo: não espere guichês organizados e garantias de que aquilo que você vê na foto é o que de fato você recebe. Mas é claro que não sabíamos de nada disso.

Esqueça credibilidade. Você está em La Paz.

Esqueça credibilidade. Você está em La Paz.

Então fomos até a rodoviária, comprar as tais passagens. Chegando ao guichê, um homem todo prestativo nos ofereceu um ônibus bacana, com ar condicionado e conforto. Tem banheiro? Não, mas o ônibus fará três ou quatro paradas em alguns hotéis pelo caminho. Nos parecia uma boa, e compramos nossos quatro bilhetes por preços bem cabíveis, felizes da vida.

Uma das nossas melhores fotos de viagem. Sequer imaginávamos a tragédia que estava para acontecer.

Uma das nossas melhores fotos de viagem. Sequer imaginávamos a tragédia que estava para acontecer.

Tudo pronto para a viagem – seriam aproximadamente 10 horas de ônibus, e sairíamos no meio da noite. Assim, com bancos reclinados, dormiríamos até a manhã seguinte, quando chegaríamos a Tupiza. Colocamos as malas no bagageiro do ônibus, e ao subir a escada percebemos o tamanho do buraco em que havíamos nos metido: os ônibus bolivianos que havíamos pegado até então já não eram lá essas coisas, e esse parecia “especialmente pior”, a começar pela pintura bizarra de uma espécie de Professor Girafales Seresteiro que embelezava seu exterior. Lá dentro, apenas bolivianos, que em nada lembravam turistas – pareciam locais indo para o interior, mais ou menos como se fosse uma viagem de São Paulo a Vitória feita no ônibus mais barato – e boliviano. As pessoas não queriam pagar para despachar suas bagagens, e em pouco tempo o interior do veículo virou uma zona: mantas, malas enormes, e em alguns quilômetros, uma parada providencial para que a maioria dos passageiros comprasse cada um seu frango, feito na rua e bastante cheiroso – é bom dizer – mas imaginem um ônibus cheio de gente comendo frango.

As poltronas eram esquisitas, as janelas não fechavam direito, e obviamente não existia nenhum ar condicionado naquele pardieiro. A noite avançava, e a vontade de ir ao banheiro surgiu na minha mãe. Esperávamos a chegada ao primeiro hotel, quando o ônibus pára no meio da estrada. Um breu. Ela, apertada, desce pra ver onde rolaria o tal xixi. A Dé acompanhou a sogra, num gesto de grandeza e inconsequência. Me contou depois que os “banheiros” eram num descampado, cujos azulejos possuíam cor e tons extremamente suspeitos. As cholas que desceram do ônibus para o mesmo fim simplesmente se agachavam e levantavam um pouco as saias. Ao término, ajeitavam a roupa e voltavam pro ônibus. Não vi nada disso. Não temos fotos. Sou extremamente grato por isso, pois imagino que a experiência tenha sido algo desse tipo:

Veio a madrugada. Eu estava numa janela, minha mãe na janela oposta. Nas poltronas do corredor, a Dé e a Mel. Entrava um vento gelado pelas frestas das janelas, que não nos deixava dormir de jeito nenhum. Disseram-me que havia gente deitada no corredor, dormindo ali mesmo, e eu não duvido nem um pouco. A noite foi longa e terrível, mas assim que amanhecesse chegaríamos ao nosso destino e todo esse pesadelo acabaria. O sol surgiu, e entramos numa área de deserto. Sentia que estava acabando.

Sentia, quando o ônibus quebrou.

Como um ônibus com uma pintura dessas poderia dar certo?

Como um ônibus com uma pintura dessas poderia dar certo?

E não quebrou pouco. Um problema no eixo, que nos estacionou no meio do nada. Esperamos do lado de fora, enquanto o motorista tentava consertar aquela desgraça. Nosso tour para Uyuni sairia de Tupiza às 14h, e os nervos estavam mais quentes que aquela areia toda. Algum/muito tempo depois, pediram para que subíssemos. O ônibus partiu, com barulho de coisa quebrando, e numa velocidade inferior a qualquer bicicleta que por um acaso se perdesse por lá.

Assim seguimos por algum tempo, até chegarmos num vilarejo completamente inexplicável: Santiago de Cotagaita. Consistia numa rua de terra, com duas ou três esquinas, uma agência da Western Union e alguns “restaurantes”, com aspas mesmo. Descemos, e o motorista levou o ônibus mais à frente para o conserto. Aparentemente um acaso comum, pois todos os outros passageiros pareciam perfeitamente conformados com a situação, e de lá resolveram almoçar naquele fim de mundo. Eu queria explodir. Não lembro quem pediu comida – se as três ou não. Sei que não comi nada, e estava espumando de raiva daquilo tudo: da promessa do cara que me vendeu, e do quanto eu havia sido otário em acreditar. Nada do ônibus ficar pronto. Era notório que havíamos perdido a saída do nosso tour, e isso só aumentava nossa dor.

Procurem Santiago de Cotagaita no Google, e coloquem em mapa/geográfico. Divirtam-se com a nossa desgraça. Se quiserem rir mais, procurem na Wikipedia: a descrição da cidade tem UMA LINHA.

Procurem Santiago de Cotagaita no Google, e coloquem em mapa/geográfico. Divirtam-se com a nossa desgraça. Se quiserem rir mais, procurem na Wikipedia: a descrição da cidade tem UMA LINHA.

Cotagaita à esquerda.

Cotagaita à esquerda.

Cotagaita à direita.

Cotagaita à direita.

Um molequinho brincava feliz no meio daquela poeira toda. A sensação era de estarmos esquecidos no meio do nada. Não tínhamos dinheiro em espécie, e não tínhamos como conseguir uma grana naquele cafundó. Era desesperador. As horas passavam, olhávamos pro fim da rua, e nada do ônibus aparecer. Estávamos pagando nossos pecados, com juros e suor. Meu humor já tinha acabado há tempos, e eu estava absolutamente intratável.

Eu, procurando meu humor.

Eu, procurando meu humor.

Alguém feliz.

Alguém feliz.

Não sei quanto tempo levou, mas ver o ônibus voltando foi um alento.

Entramos, e ele seguiu entre primeira e segunda marchas. Uma nova quebra era iminente, mas tentávamos acreditar que apesar de tudo aquilo, conseguiríamos chegar. Na única TV ali dentro passava um VHS, com uma festa local tocando cumbia. Tentávamos descontrair, mas era difícil. Devagar e sempre, o ônibus seguiu adiante, e chegamos a Tupiza por volta das 16h (sendo que saímos de La Paz às 20h do dia anterior… sim: VINTE HORAS DE VIAGEM PELO INFERNO). Dali em diante as coisas dariam certo – mesmo dando errado, como deram.

A paisagem pela janela do ônibus: desolação e aridez.

A paisagem pela janela do ônibus: desolação e aridez.

Já se vão 4 anos dessa via crucis, e hoje a gente lembra dessa história e dá risada. Portanto, valorize seu ar condicionado, seu banheiro limpinho, sua janela vedada, seu carro motor mil e seu sofá da sala: nunca se sabe quando seu trajeto pode te jogar em Santiago de Cotagaita.