Arquivos do mês de

outubro 2015

Venezuela

Uma saga chamada Roraima (3/6)

5 de outubro de 2015

Seria uma manhã difícil. Possivelmente, a mais esperada até então, uma vez que subiríamos o Roraima – e isso já era motivo mais que suficiente para que acordássemos dispostos, mesmo com as dores que já nos incomodavam – a mim principalmente, pois o joelho de fato não estava nada bem. Imaginando o que viria pela frente, era hora de respirar fundo.

Do acampamento ao topo: um longo caminho.

Do acampamento ao topo: um longo caminho.

Tomamos nosso café, pegamos nosso almoço (um sanduichinho de presunto e queijo embrulhado num saquinho plástico – guardem essa informação), aprontamos as coisas e saímos na frente de todo mundo (pois já estávamos cientes que seríamos os últimos a chegar no dia seguinte – então por que não começar na frente pra diminuir esse gap?). Descemos uma pequena trilha, cruzamos aquela cachoeirinha onde deveríamos ter tomado banho no dia anterior, e seguimos até o começo da subida.

É um trecho bastante acidentado, com obstáculos semelhantes a degraus – mas “não tão dóceis”, pois os pés encaixavam durante cada pequena subida, e a mudança entre os níveis não era tão suave. A trilha é evidente, mas longe de ser aquela coisa Começamos bem, mas não demorou para que o corpo começasse a dar sinais de cansaço. Durante essa primeira parte da subida, algumas pessoas e pequenos grupos desciam pela mesma trilha. Praticamente todos com quem cruzamos ofereciam palavras de incentivo, já sabendo o tamanho do desafio com que estávamos lidando. Algumas pausas para água – que encontrávamos com certa frequência pelo caminho, e isso facilitava um pouco as coisas. Nisso, o grupo todo havia passado pela gente – inclusive o guia, que esperava a passagem de todos em determinados lugares durante a subida.

Obstáculos dignos da jornada que apenas começava.

Obstáculos dignos da jornada que apenas começava.

Uma trilha não tão intuitiva, e bastante hostil.

Uma trilha não tão intuitiva, e bastante hostil.

O cansaço começou cedo, e nem poderia ser diferente.

O cansaço começou cedo, e nem poderia ser diferente.

Água: um carinho na alma.

Água: um carinho na alma.

É difícil precisar o tempo de subida, mas enfim chegamos ao paredão do Monte Roraima. E foi uma alegria absurda, acreditem.

Chegar ao paredão: a primeira vitória. Olhar pra cima, e perceber que não tem nada ganho ainda.

Chegar ao paredão: a primeira vitória. Olhar pra cima, e perceber que não tem nada ganho ainda.

Dali em diante, o caminho consistia numa trilha de subidas, descidas e alguns trechos retos mais longos, o que serviu pra gente descansar um pouco as pernas e viver um pouco mais a coisa. A impressão que se tem andando por ali é de estar num terreno de mata fechada, pois do lado oposto ao paredão existe uma vegetação fechada que impede a visão do penhasco. Porém, em alguns trechos essa mesma vegetação abre, e pessoas até então com medo de altura (como eu) têm duas opções: perder o medo ou voltar. Eu optei pela primeira, e posso dizer que nesse dia perdi meu medo definitivamente.

À direita, pedra. À esquerda, nada...

À direita, pedra. À esquerda, nada…

...além de uma vista espetacular.

…além de uma vista espetacular.

Nosso ritmo continuava mais lento que o dos demais, e em nosso último encontro com o guia ele já nos esperava há algum tempo, com cara de poucos amigos. Após dar a volta numa enorme pedra (e me livrar dos últimos resquícios de medo que ainda insistiam em me atormentar), começamos o trecho final da subida – o chamado “Paso De Las Lágrimas“, batizado assim por dois motivos: fica debaixo de um lugar que, durante as chuvas, vira uma pequena queda d’água (a 700 metros do chão, é bom relembrar); e por motivos óbvios – você já chega lá em cima querendo chorar, tamanha a dificuldade de todo o caminho, composto basicamente de enormes pedras amontoadas.

Desenhando, pra entender o tamanho da bucha.

Desenhando, pra entender o tamanho da bucha.

Olhando pra trás, a trilha no chão.

Olhando pra trás, a trilha no chão.

Olhando pra frente, lágrimas.

Olhando pra frente, lágrimas.

Minhas dores eram indisfarçáveis, e o guia notou que o desafio – que já era grande pros seres humanos normais – pra mim parecia ainda maior. Ele nos aguardava no início da subida, e de lá ele me deu o veredicto:

– Preciso ser sincero com você: vendo as dores que você está sentindo, e a dificuldade em subir esse trecho de hoje, eu aconselho que você volte antes. A gente sobre, você passa a noite lá em cima, e amanhã um dos carregadores volta com você pra base de hoje. O caminho lá em cima é todo de pedra, e com esse joelho assim é arriscado… fora que pra descer você vai sofrer demais. É o meu conselho, mas vocês decidem.

Ele saiu de perto. EU EMPUTECI.

Óbvio que ele estava certo, e com toda a razão do mundo. Mas eu não tinha penado tudo aquilo pra chegar lá em cima E DESCER ANTES. Já havia pipocado uma vez em outra viagem, e me recusei a seguir conselho de quem quer que fosse. Subi o Paso xingando o guia, a mãe do guia, a Jamaica e quem mais resolvesse se meter no meu caminho. E pouco depois, estávamos lá em cima – onde ele nos esperava, para dali em diante seguirmos até o “hotel” – nome dado ao lugar em que passaríamos as próximas duas noites. Havíamos subido o Monte Roraima, e enquanto a Dé estava feliz, eu soltava fumaça.

Foi então que… aconteceu.

O guia começou a caminhar em direção ao hotel, e nós o seguíamos – no começo, no mesmo ritmo, mas meu joelho latejava e eu fui ficando pra trás. A Dé, entre os dois, foi ficando comigo e se afastando do cara, que sumiu de vista. Começa a chover, e chover muito. A gente vê no horizonte o tal hotel – que é uma formação bem evidente, mas o caminho…

…é uma coisa única. A superfície do Monte Roraima não é comparável a nada que a gente conheça, e quando olhamos pra baixo não dá pra diferenciar uma área “gramada” de uma área alagada. Arriscamos atravessar, tentando chegar o quanto antes ao hotel. Já estávamos encharcados (não dava tempo de puxar jaqueta ou cobrir mochila, o tempo virou rápido demais), e num dos buracos indecifráveis a Dé literalmente AFUNDOU até a cintura de lama. Eu travei. Ela saiu, e nisso um dos carregadores chegou pra nos guiar até o hotel.

Ricky - nosso guia, pouco antes de nos abandonar à própria sorte (e à chuva).

Ricky – nosso guia, pouco antes de nos abandonar à própria sorte (e à chuva).

Nosso "hotel", ainda sem chuva. Detalhe à direita, onde ficava nosso banheiro.

Nosso “hotel”, ainda sem chuva. Detalhe à direita, onde ficava nosso banheiro.

Olhando do hotel, e debaixo de chuva, esse era o caminho em que nos daríamos MUITO, mas MUITO mal até a chegada.

Olhando do hotel, e debaixo de chuva, esse era o caminho em que nos daríamos MUITO, mas MUITO mal até a chegada.

Éramos os últimos. Chegamos sob uma salva de palmas que tinha como único objetivo nos animar, mas estávamos totalmente derrotados – talvez como nunca em nossas vidas. Aquilo era um pesadelo: botas alagadas, roupas encharcadas e cheias de lama, fazia um frio desgraçado lá em cima. Não sabíamos como nem onde trocar de roupa. Demos um jeito, e pouco depois eu saía da barraca pra buscar o jantar da Dé – mais um macarrão, e um copo grande de leite quente – porque ela tremia de frio já dentro do saco de dormir, agasalhada e tão derrotada quanto eu. Sabíamos que as botas não secariam até o dia seguinte, e não imaginávamos como seria possível passear durante um dia inteiro lá em cima sem elas. Seria o dia mais importante da viagem, e não bastando sermos os mais despreparados, éramos também os mais arrebentados e desequipados de todo o grupo. Precisávamos de um milagre para o quarto dia, e outro para os dois seguintes.

Dois milagres em três dias: não era pouco. Dormimos totalmente sem esperança.

Brasil, Fofuras

Quando viajar é o caminho para curar a alma

1 de outubro de 2015

Por Daniela Beneti


Quando falamos de viagem é muito fácil se concentrar nos grandes destinos. Afinal, viajar para outras culturas é sempre um desafio, uma experiência enriquecedora com muito para contar.

Mas nem toda viagem é sobre superação de limites. Algumas podem ser sobre superar perdas e podem acontecer bem mais perto do que você imagina.

Em 10 de maio desse ano eu perdi minha avó materna, que morava comigo. Foi minha mãe que a encontrou de manhã, ao abrir a porta do quarto para desejar um feliz Dia das mães. Mesmo sendo uma idosa acamada (ela tinha artrite, mas estava lúcida), sua morte foi uma surpresa e a coincidência da data teve um efeito devastador para ela, que cuidava de minha avó integralmente nos últimos 10 anos numa rotina exaustiva.

Na época eu, que sou redatora publicitária, estava trabalhando como freelancer pois tinha sido demitida do emprego anterior em março. Minha situação financeira era instável, mas vendo minha mãe tão abalada, resolvi que ela precisava de um tempo fora de casa para se recuperar.

Junho teria um feriado prolongado, Corpus Christi, e resolvi procurar um lugar para refrescar a cabeça. O problema é que a maioria dos lugares próximos à São Paulo cobravam verdadeiras fortunas por quatro dias. Era mais barato se hospedar num quatro estrelas no Chile, por exemplo. O problema era passagem. Praia até era viável, mas não oferecia o que eu precisava – calma, sossego e reflexão.

Águas de Lindóia: Praça Adhemar de Barros, a principal da cidade, foi projetada por Burle Marx.

Águas de Lindóia: Praça Adhemar de Barros, a principal da cidade, foi projetada por Burle Marx.

Depois de muito procurar, achei um hotel legal, com pensão completa, na pacata Águas de Lindóia, a apenas 4 horas de ônibus do ABC Paulista. Fechei e só comuniquei minha mãe 20 dias antes, tentando evitar resistência da parte dela. Mesmo assim, ela não queria ir. Se sentia culpada, chorava o tempo todo lembrando.

Conforme o dia da viagem se aproximava, ela se viu obrigada a tomar as providências necessárias. O que levar, quem vai olhar a casa e outras questões do gênero começaram a ocupar sua mente e acalmá-la. Embarcamos na quarta, 3 de junho e chegamos lá depois de 5h de viagem.

Ao chegar, descobrimos que a pacata cidade não estava mais tão calma. Havia um encontro nacional de carros antigos acontecendo, com mais de mil expositores, cidade absolutamente lotada. E nosso hotel, o Panorama, era quase ao lado do evento.

Encontro de carros antigos.

Encontro de carros antigos.

Minha mãe adora carros e ficou animada em rever carros dos anos 60, 70 e 80. Assim, dividimos nossos dias entre os carros antigos, o Balneário Municipal e suas águas terapêuticas, o comercio local, passeio de charrete e de trenzinho. O hotel tinha SPA com piscina aquecida para relaxar (pago a parte, o que achei meio bizarro), e também almoços e jantares temáticos – francês, alemão, gaúcho, etc.

A equipe de animadores se esforçava de verdade para oferecer uma programação família e agradável. Sexta e sábado tivemos show na recepção com banda local e dança puxada pelos animadores. Teve até uma mini festa junina fez o pessoal se divertir com quadrilha, casamento caipira e comidas típicas. Uma coisa singela, mas que fez minha mãe sorrir depos de 3 meses, mantendo a mente ocupada e aliviando o coração.

O Balneário Municipal é um pouco diferente do que eu esperava. Na verdade é uma viagem para a década de 50, quando se criou locais de banhos terapêuticos. Apesar de municipal, apenas as piscinas são gratuitas (mas não aquecidas) e o local é cercado por jardins (também de projeto de Burle Marx) bancos de praça, onde os idosos ficam para conversar, tricotar ou apenas olhar o movimento. Também é possível beber gratuitamente a água das 5 fontes disponíveis no local.

Projetado por Arthur Bratke, arquiteto modernista, o local conta com mosaicos de Lívio Abramo e foi erguido sobre fontes de águas radioativas, com emanação de radônio e torônio. Calma, ninguém sai contaminado por radiação – a quantidade que emana tem propriedades boas para a saúde segundo diversas pesquisas, ajudando em problemas renais, alergias, rinites, traqueobronquite e outros problemas, além claro de ação relaxante. Parece que é uma das águas com maior quantidade de oxigênio do mundo.

Mas para fazer banhos nessas águas, é preciso pagar – os tratamentos são individuais em modelo de SPA, com preços variados, incluindo massagens, banhos perfumados e tudo mais. Fizemos os banhos Mediterrâneo e Romano, que duram 20 minutos, custam R$ 38 e teoricamente ajuda, no sistema circulatório. São feitos em cabines individuais com banheiras e um quartinho para se trocar e, nesse caso, a água é aquecida. Os banhos ajudaram minha mãe nas dores que ela sente nos joelhos e fizeram com que se sentisse mais leve.

Madame Curie, vencedora do Nobel de Física e de Química, esteve em Águas de Lindóia para estudar as propriedades radioativas das águas.

Madame Curie, vencedora do Nobel de Física e de Química, esteve em Águas de Lindóia para estudar as propriedades radioativas das águas.

A cidade em sí tem poucas atrações, mas pode ser ideal para quem procura um canto tranquilo. Recomendo que quem for invista em um bom hotel para relaxar nas boas instalações. Não espere uma agitada vida noturna: Águas é uma cidade pacata, que gira em volta da praça Adhemar Barros.

Existe um passeio de trenzinho para o Cristo da cidade, mas sinceramente, não vale muito a pena, apenas se você se interessa pela vista da cidade. O Cristo em sí é uma cópia estranha do Cristo Redentor e não vale a visita. Prefira a tranquilidade de um piquenique na praça e andanças pela cidade.

Ao final da viagem, embora com o coração ainda apertado de saudade, minha mãe estava melhor. Sentia que a vida podia continuar. Porque é isso que vemos quando viajamos: a vida segue, você pode se reinventar. Certas viagens podem ajudar no processo de cura do corpo e da alma.

Passeio de charrete e clima de interior.

Passeio de charrete e clima de interior.

Isso porque lugares mais pacatos nos forçam a um encontro com nós mesmos, onde podemos refletir e descobrir nossas próprias forças e fraquezas, ver os problemas do dia a dia com um certo distanciamento. Na quietude percebemos que as lembranças mantém as coisas boas vivas dentro de nós, inclusive aqueles que amamos.

cura06


Se você quiser participar das publicações do Faniquito com suas histórias, curiosidades e dicas de viagem (e não importa o destino), é só entrar em contato com a gente por esse link. Todo o material deve ser autoral, e será creditado em nosso site.