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Brasil, Fofuras

Quando viajar é o caminho para curar a alma

1 de outubro de 2015

Por Daniela Beneti


Quando falamos de viagem é muito fácil se concentrar nos grandes destinos. Afinal, viajar para outras culturas é sempre um desafio, uma experiência enriquecedora com muito para contar.

Mas nem toda viagem é sobre superação de limites. Algumas podem ser sobre superar perdas e podem acontecer bem mais perto do que você imagina.

Em 10 de maio desse ano eu perdi minha avó materna, que morava comigo. Foi minha mãe que a encontrou de manhã, ao abrir a porta do quarto para desejar um feliz Dia das mães. Mesmo sendo uma idosa acamada (ela tinha artrite, mas estava lúcida), sua morte foi uma surpresa e a coincidência da data teve um efeito devastador para ela, que cuidava de minha avó integralmente nos últimos 10 anos numa rotina exaustiva.

Na época eu, que sou redatora publicitária, estava trabalhando como freelancer pois tinha sido demitida do emprego anterior em março. Minha situação financeira era instável, mas vendo minha mãe tão abalada, resolvi que ela precisava de um tempo fora de casa para se recuperar.

Junho teria um feriado prolongado, Corpus Christi, e resolvi procurar um lugar para refrescar a cabeça. O problema é que a maioria dos lugares próximos à São Paulo cobravam verdadeiras fortunas por quatro dias. Era mais barato se hospedar num quatro estrelas no Chile, por exemplo. O problema era passagem. Praia até era viável, mas não oferecia o que eu precisava – calma, sossego e reflexão.

Águas de Lindóia: Praça Adhemar de Barros, a principal da cidade, foi projetada por Burle Marx.

Águas de Lindóia: Praça Adhemar de Barros, a principal da cidade, foi projetada por Burle Marx.

Depois de muito procurar, achei um hotel legal, com pensão completa, na pacata Águas de Lindóia, a apenas 4 horas de ônibus do ABC Paulista. Fechei e só comuniquei minha mãe 20 dias antes, tentando evitar resistência da parte dela. Mesmo assim, ela não queria ir. Se sentia culpada, chorava o tempo todo lembrando.

Conforme o dia da viagem se aproximava, ela se viu obrigada a tomar as providências necessárias. O que levar, quem vai olhar a casa e outras questões do gênero começaram a ocupar sua mente e acalmá-la. Embarcamos na quarta, 3 de junho e chegamos lá depois de 5h de viagem.

Ao chegar, descobrimos que a pacata cidade não estava mais tão calma. Havia um encontro nacional de carros antigos acontecendo, com mais de mil expositores, cidade absolutamente lotada. E nosso hotel, o Panorama, era quase ao lado do evento.

Encontro de carros antigos.

Encontro de carros antigos.

Minha mãe adora carros e ficou animada em rever carros dos anos 60, 70 e 80. Assim, dividimos nossos dias entre os carros antigos, o Balneário Municipal e suas águas terapêuticas, o comercio local, passeio de charrete e de trenzinho. O hotel tinha SPA com piscina aquecida para relaxar (pago a parte, o que achei meio bizarro), e também almoços e jantares temáticos – francês, alemão, gaúcho, etc.

A equipe de animadores se esforçava de verdade para oferecer uma programação família e agradável. Sexta e sábado tivemos show na recepção com banda local e dança puxada pelos animadores. Teve até uma mini festa junina fez o pessoal se divertir com quadrilha, casamento caipira e comidas típicas. Uma coisa singela, mas que fez minha mãe sorrir depos de 3 meses, mantendo a mente ocupada e aliviando o coração.

O Balneário Municipal é um pouco diferente do que eu esperava. Na verdade é uma viagem para a década de 50, quando se criou locais de banhos terapêuticos. Apesar de municipal, apenas as piscinas são gratuitas (mas não aquecidas) e o local é cercado por jardins (também de projeto de Burle Marx) bancos de praça, onde os idosos ficam para conversar, tricotar ou apenas olhar o movimento. Também é possível beber gratuitamente a água das 5 fontes disponíveis no local.

Projetado por Arthur Bratke, arquiteto modernista, o local conta com mosaicos de Lívio Abramo e foi erguido sobre fontes de águas radioativas, com emanação de radônio e torônio. Calma, ninguém sai contaminado por radiação – a quantidade que emana tem propriedades boas para a saúde segundo diversas pesquisas, ajudando em problemas renais, alergias, rinites, traqueobronquite e outros problemas, além claro de ação relaxante. Parece que é uma das águas com maior quantidade de oxigênio do mundo.

Mas para fazer banhos nessas águas, é preciso pagar – os tratamentos são individuais em modelo de SPA, com preços variados, incluindo massagens, banhos perfumados e tudo mais. Fizemos os banhos Mediterrâneo e Romano, que duram 20 minutos, custam R$ 38 e teoricamente ajuda, no sistema circulatório. São feitos em cabines individuais com banheiras e um quartinho para se trocar e, nesse caso, a água é aquecida. Os banhos ajudaram minha mãe nas dores que ela sente nos joelhos e fizeram com que se sentisse mais leve.

Madame Curie, vencedora do Nobel de Física e de Química, esteve em Águas de Lindóia para estudar as propriedades radioativas das águas.

Madame Curie, vencedora do Nobel de Física e de Química, esteve em Águas de Lindóia para estudar as propriedades radioativas das águas.

A cidade em sí tem poucas atrações, mas pode ser ideal para quem procura um canto tranquilo. Recomendo que quem for invista em um bom hotel para relaxar nas boas instalações. Não espere uma agitada vida noturna: Águas é uma cidade pacata, que gira em volta da praça Adhemar Barros.

Existe um passeio de trenzinho para o Cristo da cidade, mas sinceramente, não vale muito a pena, apenas se você se interessa pela vista da cidade. O Cristo em sí é uma cópia estranha do Cristo Redentor e não vale a visita. Prefira a tranquilidade de um piquenique na praça e andanças pela cidade.

Ao final da viagem, embora com o coração ainda apertado de saudade, minha mãe estava melhor. Sentia que a vida podia continuar. Porque é isso que vemos quando viajamos: a vida segue, você pode se reinventar. Certas viagens podem ajudar no processo de cura do corpo e da alma.

Passeio de charrete e clima de interior.

Passeio de charrete e clima de interior.

Isso porque lugares mais pacatos nos forçam a um encontro com nós mesmos, onde podemos refletir e descobrir nossas próprias forças e fraquezas, ver os problemas do dia a dia com um certo distanciamento. Na quietude percebemos que as lembranças mantém as coisas boas vivas dentro de nós, inclusive aqueles que amamos.

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Brasil, Faniquito

Um pouco de mamata

28 de setembro de 2015

Voltamos.

De uma experiência nova (pra gente), que se diga. As férias desse ano nos exigiram um planejamento diferente, com gastos mínimos – afinal, sabemos todos que não tá fácil pra ninguém – e alguns incêndios caseiros complicaram ainda mais a coisa. Um cenário suficientemente feio pra fazer explodir qualquer cabeça.

Mas viajar é preciso.

Tem hora que a gente precisa desligar o Netflix e olhar pro céu.

Tem hora que a gente precisa desligar o Netflix e olhar pro céu.

E acabamos fazendo aquele tipo de viagem que nunca ousamos: pegamos um resort a preços módicos e tudo incluso, pra sossegar a cabeça e recarregar as baterias. Uma ideia que passa longe de nos empolgar em situações normais, mas que das poucas possibilidades que tínhamos mostrou-se a mais adequada quando falamos de custo/benefício: um lugar bacana, praia (pela primeira vez em oito anos de namoro, por incrível que pareça), comida e bebida já pagos e nenhum outro tipo de gasto – fora as passagens – que também encontramos quando da pesquisa. Uma semana disso, e uma esticada pro Rio para reencontrar amigas, passear um pouco, e se desse, pegar mais uma praia – afinal, se é pra tostar, que seja direito.

Fomos. E foi tudo muito diferente do que normalmente é. Começando por Ilhéus, que mal conhecemos – afinal, ficamos no Cana Brava* (http://www.canabravaresort.com.br/) durante os sete dias e mal conhecemos a cidade – era esse nosso planejamento, e batemos pé com ele. Chegamos durante a hora do almoço, e à tarde – já devidamente comidos e alojados – caímos na piscina. Alguns minutos depois a Dé vira pra mim e diz:

– É estranho né?
– O que é estranho?
– Não ter pra onde ir…

Não tínhamos mesmo pra onde ir. Mas e daí?

Não tínhamos mesmo pra onde ir. Mas e daí?

E esse foi o primeiro e único momento de estranhamento que tivemos. De fato, não ter que colocar mochila nas costas, mudar de albergue/hotel, conhecer cidade, procurar onde comer ou onde ir era algo até então inédito pra gente. Mas quando colocamos na cabeça que a ideia era descansar, fizemos por onde. E da mesma forma que sempre recomendamos as viagens estradeiras e nômades, podemos afirmar sem dor na consciência que às vezes esquecer de tudo é igualmente necessário, e um pouco de mamata não faz mal a ninguém.

Desencanar: trabalhamos.

Desencanar: trabalhamos.

E podíamos desencanar pra dentro do hotel, pro lado de cá...

E podíamos desencanar pra dentro do hotel, pro lado de cá…

...e pro lado de lá.

…e pro lado de lá.

Isso não significa abandonar um perfil pra se encaixar em outro, e sim adicionar opções e possibilidades na hora de planejar uma viagem. Enquanto estávamos por lá, ficou claro pra gente que não conseguiríamos fazer duas viagens como essa na sequência, porque nos cansa. Nossa pegada é outra, e às vezes uma pausa como essa significa poder dar ao próximo destino dois anos de planejamento ao invés de um (obviamente se você, assim como a gente e a grande maioria dos seres humanos) tiver como período de férias um mês em doze. Serviu como descanso, e somos gratos pela escolha – mas certamente ela não pontua nossos sonhos de consumo.

Nosso texto de hoje serve pra relatar essa experiência diferente – não precisamos ficar publicando fotos de dentro do hotel, das piscinas ou essas coisas que cada um desses lugares costuma fazer muito bem em seus meios de comunicação. Mas sim pra relatar que nosso preconceito com esse tipo de viagem foi por água, assim como todo preconceito deve ir. Então é isso: às segundas e quintas estamos de volta ao batente.

E ainda bronzeados 😉

P.S.: O Rio de Janeiro SEMPRE merece capítulos à parte, e assim ele será contado mais pra frente. Por hoje, sejamos econômicos – e um pouquinho de suspense não faz mal a ninguém…!


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.