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Europa

Croácia

Zagreb? Pra quê?

6 de julho de 2015

Quando fomos embora de Zagreb, rumo à Turquia, o taxista que nos levou ao aeroporto resolveu puxar assunto num inglês simpaticíssimo. Naqueles minutos que se seguiram, soubemos que a capital croata tinha fama de cidade-dormitório para os turistas que visitam o país  – e éramos prova viva disso, já que usamos Zagreb como “parada” para nossa viagem pela Croácia, e não como destino.

Chegamos ao país por lá, e não passamos sequer um dia na cidade. Almoçamos no meio da tarde, demos uma volta, descansamos e seguimos viagem – por Zadar, Dubrovnik, Split, voltando para Zagreb dez dias depois, quando pudemos de fato explorar um pouco das redondezas. A capital croata é uma cidade bonita, com uma praça central bastante movimentada, de onde partem ruas que se ramificam num centro gastronômico logo acima, numa área comercial bastante desenvolvida à direita, em sua principal catedral seguindo adiante ainda pela direita, e numa outra área visivelmente mais turística à esquerda, com mesas espalhadas e televisores nas alamedas. E além desses lugares, existe também uma área mais alta da cidade, acessível por uma longa escada logo no início do tal centro gastronômico. Essa escada fica à esquerda, e os mais desavisados podem passar por ela sem notar. Este texto vai tratar de todas as outras áreas, fora essa da escada – que será nosso tema ainda essa semana, num segundo texto 🙂

Um dia pra descobrir Zagreb. Simbora pra praça central!

Um dia pra descobrir Zagreb. Simbora pra praça central!

Demos sorte de encontrar a tal praça central num dia de evento – uma espécie de quermesse, patrocinada pela Câmara de Economia Croata (só descobrimos isso depois, graças ao Google Tradutor). Várias barraquinhas com artesanato, souvernires e muita comida local – tudo a um preço muito acessível, que se diga. Mas estava implícito o desafio de descobrir o que era cada coisa e quanto custava, pois quase todos os comerciantes não falavam inglês – e quando falavam, somente arranhavam. Mas mesmo assim experimentamos alguns queijos, docinhos e chocolates croatas numa boa.

Um pouco de inglês, um pouco de mímica, e a gente se entende.

Um pouco de inglês, um pouco de mímica, e a gente se entende.

Num toldo que servia de palco, alguns artistas se apresentavam: um grupo de cantoras de música típica, uma bandinha de churrascaria, e um grupo de cheerleaders (?) que dançava e jogava bastão ao som de uma adaptação bizarra do Rap das Armas (sim, aquele do Tropa de Elite). Foram momentos, pra dizer de uma forma singela, edificantes.

Parapapapapapa papapapá... Parapapapapapa papapapá!

Parapapapapapa papapapá… Parapapapapapa papapapá!

Vale ainda a história da pipoca, que a Dé pediu no carrinho de uma tia perto dali.

– How much for the popcorn?
– Sôri noenglish.
– How much?
– Tentém.
– What…?
– Tentém (com as duas mãos, abrindo e fechando duas vezes).

Sim, tentém. Ten-ten. Vintão.

O tal centro gastronômico é composto de trocentos restaurantes, bares e afins, e é bastante frequentado em todos os períodos do dia. Por lá comemos num restaurante italiano (que fica superlotado à noite, e é gigante), bebemos num trailer de sucos naturais, almoçamos num lugar chamado Pivnica Mali Medo (http://tinyurl.com/og3etwb – cuja tradução é “Pub Ursinho”) por duas vezes, e jantamos numa hamburgueria excelente chamada Rocket Burger (http://tinyurl.com/p6kpbbv). Existem lugares mais chiques, outros que possivelmente reúnem a máfia (quando no trailer de sucos, pedi pra usar o banheiro de um bar, e era um daqueles que a gente detesta encontrar pelo caminho – numa casa escura, com um cara mal-encarado esparramado numa cadeira, assistindo TV ao lado de um caça-níqueis). Mas dá pra se divertir numa boa alameda adentro.

Um feijão (sim, feijão), linguiças e cogumelos, e uma caneca de cerveja pra energizar o almoço...

Um feijão (sim, feijão), linguiças e cogumelos, e uma caneca de cerveja pra energizar o almoço…

...um hamburgão e uma cerveja artesanal pra darem um calor à noite.

…um hamburgão e uma cerveja artesanal pra darem um calor à noite.

Caso precise ir ao banheiro, pergunte pras pessoas certas :)

Caso precise ir ao banheiro, pergunte pras pessoas certas 🙂

A área comercial, seguindo à direita da praça principal, possui alguns fast-foods, bancos e aquelas lojas de sempre, que existem em qualquer centro de qualquer cidade. A primeira impressão é de um passeio desinteressante, caso você não chegue ao final dele. Porém, alguns passos adiante está o prêmio a quem apostar em Zagreb: a catedral da cidade (Zagrebačka katedrala). É um troço absurdo de gigante, e um dos pontos mais visitados da cidade. Uma das suas torres ainda está em processo de reconstrução/restauração, e tanto esse processo como seu relógio original têm suas histórias explicadas num painel do lado esquerdo da entrada principal.

Uma catedral linda e gigante. Fotos internas são proibidas (soubemos disso da pior forma)...

Uma catedral linda e gigante. Fotos internas são proibidas (soubemos disso da pior forma)…

…e logo ao lado, um pouco de antes/depois.

Todo esse passeio, bem como a área turística, de bares e shoppings do lado oposto pode ser feita à pé numa boa, e em um único dia. Algumas quadras abaixo estão a estação de trem e a rodoviária da cidade, e entre essas quadras alguns parques bem bonitos deixam o passeio ainda mais agradável.

Zagreb pode não ser de fato um lugar que as pessoas sonhem conhecer, por esta ou aquela determinada atração. Mas menosprezá-la é um passo pra trás… afinal de contas, nem toda cidade precisa ser diferenciada. Algumas, que parecem bem comuns, podem ganhar um espaço tão ou mais importante em nossas memórias por nos proporcionarem apenas e somente dias bacanas.

Hungria

Terror Háza

8 de junho de 2015

Você está passeando em uma das principais avenidas de Budapeste, quando de longe avista um edifício que se destaca naturalmente. Está em uma esquina. Sua arquitetura é muito bonita e bem preservada (assim como a grande maioria dos prédios da cidade). Porém, o diferencial está lá em cima: uma espécie de letreiro em negativo, que funciona quase como cobertura, e ao mesmo tempo projeta em letras agressivas aquilo que define sua história: TERROR. Estamos falando de Terror Háza, cuja tradução literal é “casa do terror“.

Obviamente, não é um museu comum. É um prédio com mais de 130 anos que serviu como sede da polícia secreta soviética, durante os tempos de ocupação húngara, logo após a Segunda Guerra Mundial. Essa ocupação durou aproximadamente 40 anos, terminando somente em 1990. Pra quem está de fora e chega em Budapeste, é uma verdadeira overdose de informações aquilo que a cidade oferece em diversos pontos, que misturam o passeio ao ar livre a verdadeiros memoriais. Pode parecer algo pesado, ou “forçado” para nós, que não vivemos esse período (dessa maneira, tivemos nossa ditadura, e todo período de repressão e censura deve ser levado muito a sério), mas é algo natural para os húngaros. O país possui uma história riquíssima e extremamente dolorosa, que permanece viva e aflorada em seu povo. Terror Háza possui três andares e um subsolo que reafirmam essa máxima. Budapeste foi totalmente destruída durante a Segunda Guerra, e sua reconstrução (bem como a de todo o país) mostra a força de todo um povo. Ainda do lado de fora do prédio, um enorme cordão de pequenas fotos de vítimas do regime deixa isso mais evidente.

Um memorial nas paredes externas de Terror Háza, que vai muito além de decoração.

Um memorial nas paredes externas de Terror Háza, que vai muito além de decoração.

Logo na entrada do prédio – assim como em sua moldura externa, os dois símbolos principais do regime: as setas, do Partido das Setas Cruzadas (Nyilaskeresztes Párt-Hungarista Mozgalom), que nada mais era do que o partido nazista húngaro, organização fascista que também tinha como alvo os judeus; e a estrela, do ÁVH (Államvédelmi Hatóság), a polícia secreta húngara. Ainda no térreo, um enorme tanque de guerra em cima de uma piscina de óleo, rodeado de fotos de prisioneiros do prédio deixa claro que o passeio não será para estômagos fracos.

Os totens com os símbolos, as imagens do tanque e fotos, e as escadarias.

Os totens com os símbolos, as imagens do tanque e fotos, e as escadarias.

O tour é feito de cima para baixo, começando portanto pelo último andar. Após a transformação do prédio em museu, as salas foram transformadas em sessões históricas, que narram cronologicamente o período de dominação do país pelas organizações fascistas e comunistas citadas logo acima. Existe todo um aparato áudio-visual que transforma cada setor em uma experiência intensa – por vezes claustrofóbica, outras de esperança, empatia, de dor e sofrimento, e num conjunto geral algo que você acaba levando debaixo da pela quando sai dali.

A primeira sala mostra como a Hungria teve seu território fragmentado, ocupado, desocupado e reagregado por uma dezena de vezes. Essa história divide espaço com filmes da época, que mostram a ocupação nazista antes da chegada dos soviéticos. Telefones nas paredes transmitem mensagens de rádio daquele período, dependendo do número que você escolha discar. Um enorme carro preto dá a impressão que vai te sequestrar assim que as luzes se apagam e o som abafa.

Imagens do carro, propagandas de época, e de uma sala com fotos das lideranças do partido.

Imagens do carro, propagandas de época, e de uma sala com fotos das lideranças do partido.

O passeio segue, por corredores de letras metálicas, que levam a uma sala de reunião onde estão expostos na parede os uniformes dos oficiais do exército e do serviço secreto. Novamente, telefones trazem pronunciamentos e gravações da época (todos em húngaro). Dali adiante existe uma espécie de vestiário, onde dois manequins com uniformes giram ao centro. Na sala ao lado, pequenas mesas de interrogatório.

O corredor, as salas de reunião e interrogatório, e o vestiário.

O corredor, as salas de reunião e interrogatório, e o vestiário.

Uma sala ampla, com um enorme mapa impresso no carpete, guarda em cones metálicos invertidos alguns ítens carregados por soldados, sobreviventes e prisioneiros durante o período. Nas paredes, esses mesmos personagens e suas famílias se revezam contando suas histórias. Sem a menor dúvida, uma das instalações mais densas e dramáticas do museu.

A sala com o mapa acarpetado, e em destaque, alguns objetos.

A sala com o mapa acarpetado, e em destaque, alguns objetos.

Pouco adiante, cabines com propagandas políticas da época, escondidas sob cortinas vermelhas e imagens de Stalin. O discurso, todos sabemos, é sobre a excelência do poder, e “seu reflexo no bem-estar da população”. Na mesma sala, uma verdadeira parafernália mostra o quão complexa era a ação de espionagem naquela época. Novamente, telefones e pequenos aparelhos de áudio trazem mensagens gravadas. A seguir, uma pequena sala, com bens de Stalin e de alguns membros do seu partido.

As cabines com propaganda política, e o aparato de espionagem.

As cabines com propaganda política, e o aparato de espionagem.

Em outro espaço, uma especie de labritinto feito com tijolos de sabão faz com que o visitante se perca numa imensidão branca, terminando seu passeio em uma cela. Próximo dali, uma instalação com diversos utensílios, que mais parece uma cozinha gigante prateada, expõe todo o tipo de produção operária feita pelos prisioneiros – de marmitas a panelas, de ferramentas a objetos decorativos.

A cela, uma sala do partido, e objetos produzidos pelos prisioneiros.

A cela, uma sala do partido, e objetos produzidos pelos prisioneiros.

Uma espécie de auditório, montado com folhas de jornal do chão ao teto, faz alusão à censura da época, com uma sala secreta repleta de escutas escondida na parede direita. Seguindo dali, damos numa espécie de galpão, com uma enorme cruz luminosa no chão. Nas paredes, objetos sacros e vestimentas de bispos, escancarando o comprometimento religioso ao regime da época.

Duas das salas mais impressionantes, sobre censura e religião.

Duas das salas mais impressionantes, sobre censura e religião.

O passeio termina no subterrâneo do prédio, onde estão as áreas de maior impacto. Um enorme memorial, de luzes vermelhas e cruzes metálicas representa um pequeno número dos milhares de mortos naquele lugar. Diversas armas estão expostas perto dali, e a baixa iluminação te aproxima ainda mais dessa sensação de agonia.

O clima pesa de vez no memorial às vítimas.

O clima pesa de vez no memorial às vítimas.

Perto dali, alguns televisores contam histórias de pessoas que perderam familiares naquele local. Uma bicileta exposta, roupas penduradas, objetos de operários e um enorme carrinho repleto de pedras ilustram essas histórias (todas em húngaro, com legendas em inglês). E eu confesso que saí dali chorando.

Apesar da iluminação bonita, um dos locais mais tristes do museu.

Apesar da iluminação bonita, um dos locais mais tristes do museu.

Num último corredor, o acesso às celas e solitárias de quem teve sua vida sentenciada em Terror Háza. Não há nenhum aparato de som, sendo as instalações fiéis ao que eram na época: cubículos cercados, alguns com uma espécie de cama ou colchão, salas de tortura e até mesmo uma forca. Algumas televisões em determinados pontos mostram esses mesmos lugares no momento em que foram encontrados – seu estado de podridão e desumanidade. É chocante.

A área prisional e de tortura, exatamente como era.

A área prisional e de tortura, exatamente como era.

Terror Háza é uma visita obrigatória em Budapeste. Reserve uma manhã, faça uma refeição leve e prepare o coração. Não há glamour nem diversão num passeio tão intenso, mas o que se leva dali é muito mais do que um souvenir (que sim, existe – eu inclusive tenho um aqui, na minha mesa): a gente aprende muito sobre o ser humano, e o quanto ele é capaz de ir do mais baixo ao mais grandioso. E nenhum livro de História é capaz de botar essas lições na sua cabeça com tanta ênfase quanto um sobrevivente desse período maldito na história da humanidade.

Assim como a ferrugem, uma visita que fica pra sempre.

Assim como a ferrugem, uma visita que fica pra sempre.

Fotos no interior do museu são proibidas. Por isso mesmo quase todas as fotos deste texto foram retiradas do site oficial de Terror Háza. Apesar disso, você encontra mais fotos de lá numa rápida busca pelo Google. É que a gente também faz apologia ao turismo respeitoso – e não ao sem-noção. Porém, encontramos uma galeria de panorâmicas (autorizada e bonitinha) que permite um passeio lá dentro, e dá pra ver alguns desses ambientes bem de pertinho. Acesse aí: http://www.panoramablog.eu/media/budapest/terrorhaza/terrorhaza.html

Áustria

O café de Freud, Hitler e Trotsky

18 de maio de 2015

O Cafe Central* (http://www.palaisevents.at/en/cafecentral.html) é uma casa tradicionalíssima de Viena. Localizada no andar térreo do antigo prédio da Bolsa de Valores austríaca, mistura-se muito bem ao visual tradicional e absolutamente bem preservado da Cidade Antiga (Innere Stadt), localizada na área central da cidade. O Cafe pode passar desapercebido num passeio mais apressado, pois possui um pequeno jardim e alguns guarda-sóis bem em frente a sua fachada, que é tão tradicional quanto os outros prédios vizinhos. Porém, a constante aglomeração de pessoas em sua entrada – por vezes sutil, por vezes desanimadora – deixa clara a necessidade de uma visita.

O visual imponente, a austeridade e a educação de seus funcionários pode afugentar os mais inseguros num primeiro momento. Mesmo de bermuda e camiseta, não há olhar torto nem discriminação no atendimento, portanto entre – mesmo se estiver de mochila nas costas. O responsável pela recepção (esse enorme senhor da foto abaixo) foi descrito pela Dé como “a cara da Áustria”. A legenda explica.

"Esse homem pra mim é a cara da Áustria" - BASSI, Debs.

“Esse homem pra mim é a cara da Áustria” – BASSI, Debs.

Seu interior é absolutamente fantástico. O Cafe Central completa 140 anos de existência em 2016, e está impecavelmente preservado, sendo nome presente em qualquer lista dos dez melhores cafés do mundo. Porque sim, não basta ser bonito – precisa ser gostoso. Suas colunas de mármore e os adornos do teto fazem do salão um lugar deliciosamente aconchegante. As mesas são pequenas, mas numerosas – o que causa uma boa rotatividade de clientes. Portanto, mesmo em caso de espera, não desanime, pois a chance do seu nome ser chamado rapidamente é grande.

Um lugar tão antigo e histórico só podia ser bonito. Pra burro.

Um lugar tão antigo e histórico só podia ser bonito. Pra burro.

Nossa visita aconteceu no meio de uma tarde quente, e acabamos/acabei (a Dé não gosta) não pedindo café. Mas fomos aconselhados a experimentar o apfelstrudel da casa. Tentando aproveitar ao máximo a experiência, eu pedi o dito, enquanto a Dé pediu um petit-gateau (sim, quando você sabe que só vai visitar um lugar uma única vez, tente tirar o máximo dele, mesmo que seu máximo possível seja composto de dois pratos, ao invés de somente um por duas vezes). Antes de falar dos dois, fiquem com as imagens:

Eu daria um abraço apertado nesse strudel.

Eu daria um abraço apertado nesse strudel.

E esfregaria esse petit-gateau na cara.

E esfregaria esse petit-gateau na cara.

Essa jarrinha ao lado do strudel é chocolate branco, meus amigos. O verdadeiro, não a barrinha de banha derretida. E essa folhinha com o nome do Cafe no topo do petit-gateau é uma folha… de chocolate. Sim, come-se isso. O chantilly é sexualmente indecente – sim, dá pra enfiar a cara nele e chamar de “meu amor”. Não por acaso, um dos frequentadores da casa era o safado do Adolf Hitler – e imagino que tenha sido uma clientela suficientemente exigente e satisfeita naqueles tempos. Porcos malditos à parte, a casa recebeu outros nomes que nos são muito mais simpáticos, e que também marcaram a história do mundo – porém, de uma forma muito boa, como Sigmund Freud, Leon Trotsky e Peter Altenberg. Com essa aura histórica permeando o ambiente, foi uma meia hora absolutamente gostosa e memorável essa que tivemos lá.

Nota-se que o pedido do  ainda não chegou.

Nota-se que o pedido do Altenberg ainda não chegou.

Viena é uma cidade propensa a bons momentos como esse, e dela falaremos em outras oportunidades. Mas quando estiver por lá, não esqueça: no meio da tarde, ao passar na esquina da Strauchgasse com a Herrengasse, uma pausa para o café pode ser bem especial.


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Alemanha

O Muro de Berlim,
ou a história ao vivo

7 de maio de 2015

Por Luciana Carpinelli


A primeira referência a Berlim de que me lembro é do muro, provavelmente em uma aula de História no primário. Nunca tive muita paciência para os feitos da Igreja Católica, para as disputas entre Gregos e Troianos e muito menos para as Grandes Navegações. Então a história da Alemanha e tudo o que a envolvia, com (e apesar de) todas as suas crueldades, me deixavam mais curiosa.

Isso ficou um pouco adormecido em mim desde que o meu grupo na faculdade fez uma pesquisa sobre Joseph Mengele e o Nazismo, mas acabou ressurgindo com a minha temporada em Berlim. E o Muro foi o primeiro “ponto turístico” que resolvi visitar.

O sábado de setembro amanheceu, como de costume, azul e ensolarado, e lá fui eu com meu mapa debaixo do braço. Depois de algumas idas e vindas no metro (óbvio que me perdi), consegui chegar à estação Kochstraße. Logo que saí dela, dei de cara com o museu Haus am Checkpoint Charlie, que guarda a história do famoso Muro de Berlim.

Um dia ensolarado.

Um dia ensolarado.

E na saída da estação Kochstraße...

E na saída da estação Kochstraße…

...o museu Haus am Checkpoint Charlie.

…o museu Haus am Checkpoint Charlie.

A sensação, ao chegar ali, foi um misto de tristeza e alegria. Estava feliz por ter a oportunidade de estar em um lugar tão importante, mas é impossível não sentir o peso do sofrimento que a divisão causou pra tanta gente. Confesso que por alguns momentos fiquei ali observando aquela imagem que tinha visto em tantos livros e chorando quietinha.

Aliás, para mim aquele é um dos lugares mais tristes do mundo. Enquanto estive por lá, lembrei muito da senhorinha que sentou ao meu lado no avião da ida e nas histórias que ela me contou sobre o Holocausto. Vi também algumas frases no muro que me fizeram imaginar quantas vidas foram mudadas pra sempre por ele. Se com isso já fiquei meio pensativa, preferi evitar ver a mostra ao ar livre que eles chamam de “Topografia do Terror” e não consegui sorrir na foto ao lado do que sobrou daquela época.

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Checkpoint Charlie – o ponto da travessia.

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Um dos fragmentos do muro.

Mas de repente eu viro a esquina e encontro uma das coisas mais bizarras que ja vi na vida: uma “praia” onde um dia houve o Muro. Isso mesmo, um monte de areia com algumas barraquinhas e tendas, em que as pessoas ficam refesteladas, tomando uma cerveja e comendo um currywurst. Para mim parece um tanto inadequado, mas esse pedaço de “paraíso” artificial acaba suavizando o clima pesado do lugar.

A “praia”, logo ao lado.

Hesitei em trazer um pedacinho do Muro comigo, mas achei que não seria um souvenir muito positivo a ser guardado. Prefiro ficar com a lembrança de ter visitado um lugar que nunca imaginei conhecer pessoalmente.

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Alemanha, Gastronomia

Freistaat Bayern: um passeio muito além da Oktoberfest

23 de abril de 2015

Por Melissa Lüdeman


A Alemanha tem uma história carregada de significado. É impossível pensar no país e não se lembrar do massacre aos judeus durante a Segunda Guerra. Sem dúvida, o nazismo está enraizado na memória coletiva do mundo, mas é na parte sul do país que a lembrança é muito mais branda, e a população, muito mais alegre e receptiva.

A Baviera está localizada no Sul da Alemanha, onde o clima é mais ameno aos padrões tropicais dos brasileiros. No verão, as temperaturas podem chegar à média dos 30ºC – um deleite para turistas que não estão acostumados com o frio devastador.

Visão aérea do centro de Munique

Visão aérea do centro de Munique

Munique, uma das maiores cidades da região, é especialmente agradável. Além de ser palco do maior evento de cerveja, comida e música do mundo – a Oktoberfest –, também respira história, modernidade (ainda que comedida) e harmonia com a natureza.

É impossível chegar ao coração de Munique e não se apaixonar. A Praça de Carlos (Karlsplatz) é a porta de entrada para o centro. Além do Portão de Carlos (Karltor), uma parte da antiga muralha da fortaleza medieval que protegia a cidade, o local possui uma bela fonte no cerne da praça, um alívio refrescante para turistas que visitam a cidade no verão.

Karltor, o portão da antiga muralha medieval que cercava Munique

Karltor, o portão da antiga muralha medieval que cercava Munique

Fonte da Karlsplatz

Fonte da Karlsplatz

Seguindo adiante pelo Karltor, por meio da Neuhauser Strasse, é possível visualizar o prédio da Augustinerbräu*, a cervejaria mais antiga de Munique, fundada em 1328. Para quem gosta de cerveja, experimentar esta preciosidade é quase obrigatório.

Logo mais à frente, surge a Praça de Maria (Marienplatz), uma das mais bonitas praças da Alemanha, que abriga a antiga e a nova prefeituras (Altes und Neues Rathaus) no mesmo perímetro. A nova prefeitura, além de ser um prédio de beleza ímpar com uma arquitetura esplendorosa, possui no centro a Torre do Relógio, onde, todos os dias às 11h e às 17h uma procissão de bonequinhos saem de dentro do relógio para dançar.

Neues Rathaus na MarienPlatz

Neues Rathaus na MarienPlatz

Ainda no centro, podemos avistar de quase todos os lugares a Frauenkirche, igreja que foi parcialmente destruída na Segunda Guerra, e hoje está restaurada. Com suas cúpulas verdes marcantes e salão gigante, a igreja pode abrigar até 20.000 fiéis.

Para os que adoram comer, tenho duas dicas deliciosas e igualmente especiais para todos os tipos de bolso: o Viktualienmarkt, um mercado ao ar livre, e a cervejaria/restaurante Hofbräu.

O Viktualienmarkt é uma espécie de feira ao ar livre com tudo que há de melhor em comidas típicas bávaras, bem como temperos, mel caseiro, geleias, frutas maravilhosas e queijos de vários tipos. Prove tudo que lhe oferecerem e aprecie os aromas de cada barraca. Procure pelo Obatzda, uma pasta de queijo Camembert com páprica, cerveja e temperos e descubra que este é o acompanhamento perfeito para um bretzel tradicional.

Viktualienmarkt

Viktualienmarkt

A Hofbräuhaus foi fundada em 1589 pelo Duque William V da Baviera para uso próprio, a fim de evitar a fadiga que era ter que comprar a cerveja direto da Saxônia. Apenas depois de um tempo, em 1828, a cervejaria foi aberta ao público. O local é bastante amplo, com espaços em áreas internas e externas (ou biergarten, como eles costumam chamar os lugares onde se toma cerveja ao ar livre), e mesas no melhor estilo bávaro de ser: dois bancos grandes com uma mesa de madeira no meio. A decoração é simples, mas muito bonita, e o teto com pinturas é um espetáculo à parte.

Interior da Hofbräuhaus

Interior da Hofbräuhaus

Além de tomar o Maß de cerveja Hofbräu, ou HB para os íntimos – que na minha opinião é uma das melhores cervejas do mundo –, você poderá experimentar pratos típicos da Baviera: eisbein (joelho de porco)schweinsbraten (bife tenro de porco com batatas), würstplate (poutporri com várias salsichas alemãs), apfelstrudel (torta de maçã), entre outros, sempre regado a muita música tradicional.

Schweinsbraten com batata

Schweinsbraten com batata

O passeio pelo centro de Munique pode ser feito em um dia, para aqueles que tiverem pressa, ou em dois, para ter um pouco mais de folga para curtir cada detalhe. Acompanhe um dos muitos guias que transitam pelo local e conheça muitas histórias. Vale muito a pena!

Afinal, “In München steht, eins, zwei, g’suffa!” (Aqui em Munique – um, dois, nós bebemos!).

Eu, e a minha querida e amada Maß

Eu, e a minha querida e amada Maß


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Croácia

Winter is coming – parte 2

16 de abril de 2015

Dubrovnik: a King’s Landing de Game Of Thrones.

À medida que você vai conhecendo uma região, você começa a notar semelhanças entre as cidades. No Perú por exemplo, todas as cidades que visitamos têm a Plaza de Armas, que é a praça principal da cidade (herança da colonização espanhola). No Leste Europeu, a semelhança acontecia com as Old Towns, que nada mais são do que centros históricos. Guardadas as devidas proporções, elas são bem parecidas entre si, com ruas de pedra ou paralelepípedo, estreitas e com circulação proibida (ou bem reduzida) de carros; prédios históricos, bonitos, coloridos, cheios de enfeites, esculturas, estátuas, gárgulas e santos; pelo menos uma igreja com arquitetura monstruosa e linda… uma coisa meio gótica; e uma grande concentração de bares, restaurantes, cafés e afins. É basicamente o coração da cidade.

A Croácia foi o último país que visitamos durante nossa viagem. A primeira cidade croata visitada foi Zadar*, que logo de cara tinha um centro histórico bem diferente do que tínhamos visto até então. Vários prédios de pedra com uma arquitetura mais simples (mas nem por isso menos impressionante) e um ar “um pouco mais grego”. De Zadar, seguimos viagem até Dubrovnik.

Chegamos na rodoviária e de lá fizemos um trajeto à pé para o centro velho. O caminho é longo – são quase 3Km (que parecem 12), bonito, cheio de plaquinhas indicando a direção e a distância que você ainda vai percorrer, passando inclusive por “ruas de escada” (como foi dito no post anterior, a cidade é cheia de subidas e descidas pesadas), já pra sentir o clima do Old Town. A chegada ao centro propriamente dito é inexplicável: antes mesmo de virar a esquina, já é possível ver uma parte da muralha e a famosa Minceta Tower.

Minceta Tower - a primeira pancada na chegada às muralhas de Dubrovnik.

Minceta Tower – a primeira pancada na chegada às muralhas de Dubrovnik.

Uma visão geral da entrada do Old Town.

Uma visão geral da entrada do Old Town.

Logo na entrada da cidade, a fonte onde você pode abastecer sua garrafinha d'água de graça.

Logo na entrada da cidade, a fonte onde você pode abastecer sua garrafinha d’água de graça.

Nas vielas, os diversos restaurantes.

Nas vielas, os diversos restaurantes.

Tendo visitado outras cidades, todas com seu centro histórico tão característico, já me considerava uma expert (aham!) no conceito “Old Town“. Mas chegar à cidade velha de Dubrovnik é jogar todo o seu repertório no lixo, e se sentir em meio a um filme medieval, pronto para ouvir barulhos de canhões e esperando arqueiros uniformizados dominarem a muralha da cidade, todos prontos para a batalha. Uma coisa meio Senhor dos Anéis mesmo…

Um cenário de filme - e de série :)

Um cenário de filme – e de série 🙂

Dubrovnik parece um forte, um cenário pronto para a guerra. A cidade nasceu para abrigar os que fugiam dos bárbaros – ou seja, já nasceu da necessidade de proteção. Devido à sua localização estratégica, a cidade sempre foi um alvo muito desejado, e assim como o resto da Europa, passou por uma dança das cadeiras, sendo dominada por vários países e impérios diferentes durante décadas.

A marina. De frente pro mar, uma das faces das muralhas.

A marina. De frente pro mar, uma das faces das muralhas.

Uma torre, com um dos sinos de Dubrovnik.

Uma torre, com um dos sinos de Dubrovnik.

A altura dos muros abraça as residências em alguns pontos da cidade.

A altura dos muros abraça as residências em alguns pontos da cidade.

A visão do Adriático e da Marina, de cima de um dos pontos da muralha.

A visão do Adriático e da Marina, de cima de um dos pontos da muralha.

Mesmo com essa confusão toda, Dubrovnik conseguiu manter-se próspera, e à medida que crescia, o fortalecimento de sua defesa crescia junto. Mas nem tudo são rosas, e a junção de um terremoto gigante com a separação da Iugoslávia fizeram um estrago considerável na cidade, tanto na área histórica como nos prédios residenciais e comerciais. O centro histórico é patrimônio da UNESCO, e até hoje ela e o governo investem em restaurações estruturais. Essas restaurações incluem detalhes como a remontagem dos telhados tradicionais, e o cuidado com alguns buracos, ainda visíveis nas paredes dos prédios.

Os acessos ao centro histórico, vistos de dentro da cidade.

Os acessos ao centro histórico, vistos de dentro da cidade.

As estreitas vielas, que levam dos muros à alameda principal.

As estreitas vielas, que levam dos muros à alameda principal.

O principal passeio pra se fazer em Dubrovnik consiste em explorar os 1.940 metros de muralhas que envolvem o centro velho. As muralhas formam um quadrilátero, sendo que cada ponta tem um forte. A parede que está de frente para o mar é a mais fina – tem de 1,5 a 3 metros de espessura, e a que está de frente para o continente é mais reforçada, com até 6 metros de espessura. Sua altura, dependendo do local, chega a 25 metros. O passeio é bem tranquilo, e o mais legal é que, como ela dá a volta em todo o centro, você consegue ter uma visão privilegiada da cidade e dos arredores.

O ingresso para o passeio pelas muralhas. Os números em destaque são os locais do passeio onde os fiscais verificam se sua entrada foi paga/está válida.

O ingresso para o passeio pelas muralhas. Os números em destaque são os locais do passeio onde os fiscais verificam se sua entrada foi paga/está válida.

Os muros são bem altos em alguns pontos, e bem baixinhos em outros.

Os muros são bem altos em alguns pontos, e bem baixinhos em outros.

Os telhados estão sendo restaurados, com sua coloração original...

Os telhados estão sendo restaurados, com sua coloração original…

...mas não é um trabalho rápido nem fácil - pois telhado é o que não falta.

…mas não é um trabalho rápido nem fácil – pois telhado é o que não falta.

A visão de um trecho da muralha e o Mar Adriático, de um dos pontos mais altos da cidade.

A visão de um trecho da muralha e o Mar Adriático, de um dos pontos mais altos da cidade.

Um pouco mais abaixo, a paisagem completa.

Um pouco mais abaixo, a paisagem completa.

A entrada principal da cidade velha é pela Pile Gate, e nessa mesma rua ficam vários guias, prontos para te abordar e oferecer quinhentos passeios dos mais variados tipos, inclusive um específico do Game of Thrones, que te leva aos lugares onde foram filmados os episódios, conta curiosidades sobre o show, os personagens, a história, etc. Não fizemos esse tour porque ainda não vimos a série, mas um fato interessante é que a cidade literalmente pára em função das filmagens. Existem cláusulas de confidencialidade entre os cidadãos, os quais não saem de casa durante esse período. Mas o que a série traz de retorno no turismo justifica a paralisação de todo o comércio no Old Town.

A loja mais lotada do centro histórico. Compramos nossa lembrancinha também, pra quando a gente (enfim) assistir a série.

A loja mais lotada do centro histórico. Compramos nossa lembrancinha também, pra quando a gente (enfim) assistir a série.

O tour que nós fizemos e recomendamos (além de um passeio de caiaque pelo Mar Adriático <3) foi um walking tour, desses que um guia local te leva pela cidade, contando a história e curiosidades que só alguém que vive lá pode saber. É relativamente baratinho, e vale a pena pra você ir embora sentindo que realmente conheceu um pouco do lugar.

Os ingressos do walking tour são um pouco mais baratos que os do passeio pela muralha.

Os ingressos do walking tour são um pouco mais baratos que os do passeio pela muralha.

A gente acabou optando por fazer o walking tour...

A gente acabou optando por fazer o walking tour…

...que começava justamente no fim da tarde.

…que começava justamente no fim da tarde.

O que foi muito bom, pois pudemos conhecer a noite de Dubrovnik.

O que foi muito bom, pois pudemos conhecer a noite de Dubrovnik.

Uma noite pintada de luzes amarelas...

Uma noite pintada de luzes amarelas…

...que deixavam as texturas das muralhas e do piso ainda mais evidentes.

…que deixavam as texturas das muralhas e do piso ainda mais evidentes.

Luzes de outras cores fazem a paisagem ficar ainda mais bonita.

Luzes de outras cores fazem a paisagem ficar ainda mais bonita.

E assim a gente se despediu de lá :)

E assim a gente se despediu de lá 🙂


* Na verdade a primeira cidade croata foi Zagreb, mas como a Croácia dos meus sonhos sempre teve o Mar Adriático, Zagreb pra mim entra numa categoria à parte.