Categoria

Europa

Causos, Romênia

Um sonho por 50 Bani

29 de outubro de 2015

Ontem fez exatamente um ano que a Dé levou uma TREMENDA rasteira profissional. Não foi uma surpresa, mas ainda assim não foi um momento lá muito fácil. Antes que vocês fujam daqui, vou explicar o contexto desse momento – de mochila nas costas.

Sabe aquela hora em que você PRECISA viajar, pois o trabalho te consumiu de tal forma que uma pausa é tão necessária quanto respirar? Essa era ela, antes das nossas férias: clima ruim em casa, cansaço mental, emputecimento agudo… toda aquela coisa que todos nós sabemos muito bem como funciona. Preparamos as mochilas e fomos descansar (bem) longe daqui.

Os dias se passaram, e quando os trinta dias estavam terminando o pensamento de voltar a viver naquele inferno começou a tomar conta da cabeça da pequena. Em nosso penúltimo dia de Romênia estávamos visitando o Castelo de Peleș (que foi motivo do nosso segundo texto no Faniquito), quando pouco antes da saída passamos por uma daquelas fontes repletas de moedas, que a gente vive encontrando em diversos cantos do mundo. Um lugar lindo daqueles, seria possivelmente “nossa última fonte em muito tempo”… oras, por que não fazer uma fezinha? Chamei a Dé:

– Vem cá.
– O que foi.
– Pega a moedinha, e faz um pedido.
– Qual pedido?
– Aquele.

Era igualzinha :)

Era igualzinha 🙂

Era óbvio qual seria o pedido.

Viramos as costas, ela jogou a moedinha. Eram só 50 bani (coisa de 50 centavos de Real), mas acho que a vontade era tamanha de se livrar daquele encosto de emprego que o pedido foi feito recheado de esperança. “Vai dar certo, vai por mim“, eu lembro de dizer antes de dar um abraço nela. Passamos bem o resto do dia, e voltamos pro Brasil com aquele sentimento de missão cumprida depois de uma viagem gostosa como a que havíamos feito.

Obviamente o humor dela foi pro espaço já na primeira semana de volta ao emprego. Coisa de pouco menos de um mês, nessa mesma data, a Dé rodou. Dia seguinte ela já estava tocando a vida novamente, e três dias depois arranjou um novo lugar pra trabalhar: mais distante de casa, mas com gente interessada, profissional e sem fulando puxando tapete de geral. É lá que ela está até hoje, feliz da vida e levinha da Silva.

Faz um ano que aquela fonte nos fez o favor de levar a sério nosso pedido. Toda viagem tem por função natural trazer pras nossas vidas dias melhores. Essa em especial trouxe mais que isso, e um ano depois a gente continua muito grato por, em algum momento, termos apostado numa grande virada em nossas vidas em uma moedinha dourada que valia quase nada.

Valeu, e muito.

Hungria, Ir e vir

Caminhando contra o vento

26 de outubro de 2015

A dica de hoje é pra você, que assim como nós está sem grana e adora viajar.

O dia estava apenas começando quando nós já estávamos em Erzsébet tér – uma praça muito bonitinha no centro de Budapeste. Pouco depois duas guias chegaram, com suas plaquinhas vermelhas nas mãos: uma falando em espanhol, outra em inglês. Nos juntamos à segunda, e aos poucos outras pessoas foram chegando e formando um grupo, que não excedia 20 pessoas.

No horário marcado para o início do tour, fomos devidamente apresentados e introduzidos à história da cidade. Numa abordagem rápida e divertida, aprendemos em húngaro (o segundo idioma mais difícil do mundo, segundo a Ursula, tradução de Orsi, e que se pronuncia Órchi) a comunicação básica para socializar com os locais, além do nome da cidade: BUDAPESH – desse jeito mesmo, com aquele S carioca carregado. Nossos planos eram fazer os dois tours no mesmo dia: pela manhã, visitando os principais pontos de Pest e o castelo de buda e seus arredores; à tarde, fazendo o tour comunista, que mostrava as memórias de guerra e terminava no Parlamento.

walkingtour01

Orsi, sua bicicleta, e uma paradinha pra algumas histórias húngaras.

Mais do que falar desses lugares – e falaremos, num momento futuro, nosso texto de hoje é pra reafirmar a eficácia desse tipo de programa. Antes da viagem, fomos aconselhados a fazer todos os walking tours possíveis – e foi um ótimo conselho. Você encontra indicações e opções diversas nos folhetos espalhados pela cidade, em albergues e hotéis, além de poder se juntar a qualquer momento aos grupos que estiverem passando pelas ruas (desde que eles sejam gratuitos, óbvio). Ter um panorama geral da cidade onde você está coloca diversas coisas em perspectiva, e seu aprendizado tem grandes chances de ser muito maior. Se você quiser saber um pouco mais sobre o trabalho dos guias, fizemos um texto sobre isso há um tempinho atrás.

Num primeiro momento, nossos planos foram literalmente por água abaixo ao final do primeiro tour, quando voltamos a Pest para almoçar. Durante o almoço, um pé d’água minou nossas expectativas de chegar ao encontro no horário. Porém, aos dispostos a tudo, saibam que o tour saiu do mesmo jeito, de guarda-chuva e enfrentando um temporal. Pra quem tem poucos dias na cidade, um alento se você tiver coragem. Acabamos fazendo o passeio comunista no segundo dia, pois os tours saíam todos os dias do mesmo local. É só se programar – e nesse caso, torcer pra não chover.

Além das principais atrações e a história de cada uma delas, esse tipo de tour nos permitiu conhecer um pouco da visão de quem vive por lá. As duas guias do Free Budapest Tours* deram depoimentos pessoais sobre a situação econômica e política do país, bem como a herança comunista e as dificuldades da Hungria no atual momento. São coisas que a gente não vai encontrar num folheto, no Trip Advisor ou mesmo no Google (e se encontrar, possivelmente será em húngaro). E poucas coisas numa viagem são tão recompensantes quanto aumentar os limites daquela caixinha de ideias que temos de um lugar desconhecido. Dependendo do tour, essa caixinha explode e a cabeça absorve mais que esponja nova. Uma delícia.

Nosso grupo, sendo apresentado à estátua de Ronald Reagan durante o passeio comunista.

Nosso grupo, sendo apresentado à estátua de Ronald Reagan durante o passeio comunista.

Então, se estiver a fim de conhecer um lugar e estiver sem grana, os Free Walking Tours são um prato cheio. Existem diversos grupos que oferecem esse tipo de serviço, então não se acanhe em perguntar sobre os guias, o trajeto e como tudo funciona. Normalmente é de bom tom dar um troco ao guia ao final do passeio, mas nada é obrigatório (o que não significa que você não possa pelo menos garantir um cafezinho pro sujeito). Passeios desse tipo existem em todos os lugares do mundo – inclusive em São Paulo. Um programa mais que recomendado pra quem não se contenta com aquele eterno mais do mesmo.

A nossa historinha húngara, logo mais 🙂


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Estive lá, Turquia

Sobre tolerância e respeito

13 de outubro de 2015

Todos estamos acompanhando entristecidos e horrorizados (ao menos, assim espero) o que acontece na Síria de forma mais acentuada neste momento. E nesse verdadeiro êxodo, algumas reflexões precisam ser feitas por todos nós de uma forma BEM urgente. Deixamos aqui nossa breve contribuição.

Mas isso aqui não é um site sobre viagens?
– Amigo, apenas leia. E REFLITA.

Há uma verdadeira mobilização na Europa quanto ao papel do imigrante e seu lugar numa situação dessas: a recepção que os sírios vêm recebendo de países e governos vizinhos pode ter diversos significados, que vão da prometida paz ao preconceito descarado. O chute que aquela cinegrafista húngara deu no pai que carregava o filho nos ombros diz muito sobre que tipo de ser humano somos capazes de nos tornar, mas não pode refletir o caráter de um povo, muito menos estigmatizá-lo.

Nisso surge o Brasil em diversas reportagens, que exaltam “nossa capacidade de receber a todo tipo de imigrante de braços abertos”. Bem, sabemos que a coisa não é bem assim. Enquanto paulista, sei bem o quão torto olhamos para os coreanos, africanos, argelinos, turcos e árabes – povos que possuem comunidades gigantescas, e que por vezes dominam alguns bairros da cidade. Bem como o quanto o termo “japonês” na maioria das vezes tem caráter totalmente pejorativo, mesmo sendo essa a maior comunidade fora do país de origem que a cidade abriga. E nem preciso citar os termos utilizados pra designar os migrantes ou vizinhos que nos visitam ou por aqui se estabelecem, num bairrismo injustificável.

Traçando um paralelo que pode parecer descabido, tivemos uma experiência marcante na Turquia. Fazíamos uma conexão da Croácia para a Romênia, e paramos durante dez horas no Aeroporto Internacional de Istambul. Nossos planos iniciais consistiam em sair dali, ir almoçar na cidade e depois retornar ao aeroporto. Porém, assim que desembarcamos, uma sensação de miudeza nos dominou assim que vimos o tamanho do lugar. Resolvemos ficar por lá mesmo, e… conhecer o aeroporto. Sim, pode parecer absurdo, mas vimos nesse pânico uma oportunidade de diversão.

Vale a explicação geográfica: a Turquia funciona quase como um semáforo entre Europa, Ásia e África. Ou seja: todos os tipos de cultura desembarcavam e circulavam ali ao mesmo tempo, e isso era inacreditável: africanos em trajes típicos super coloridos e brilhantes, os europeus com toda a sua austeridade característica, e os orientais, que iam dos judeus aos islâmicos, mulheres trajando burca, xador ou hijabs (se eu errei algum desses nomes, desde já peço desculpas), coreanos, japoneses, árabes, além dos próprios turcos. Fora os esporádicos americanos, neozelandeses, australianos… e nós, brasileiros, oras! Era a coisa mais próxima à Copa do Mundo – ou a uma reunião da ONU – que poderíamos presenciar.

Turquia: o semáforo do mundo :)

Turquia: o semáforo do mundo 🙂

Sentamos em um terminal que estava bastante vazio, e ficamos observando maravilhados aquele fluxo impressionante. Quando de repente, uma horda de pessoas (homens em sua maioria) se aproximou e em segundos lotou todas as cadeiras restantes. Vestiam uma espécie de toalha branca, apoiada em um dos ombros e que ia até a cintura, onde dava a volta e cobria dali até pouco abaixo dos joelhos – e nenhuma peça a mais, além de chinelos. Sacaram seus celulares, ipads e afins, tiravam fotos uns dos outros enquanto conversavam e riam como qualquer grande grupo que viaja. Éramos os únicos ocidentais ali, e a cena era tão inacreditável que pensei em tirar uma foto… mas não consegui.

Então estamos aqui, usando fotos de quem conseguiu...

Então estamos aqui, usando fotos de quem conseguiu…

O pensamento que me invadiu foi que “aquilo estava certo, era ‘normal’, e eu é que estava fora do contexto“. É meio difícil explicar essas coisas, mas enquanto homem ocidental branco de mínima capacidade financeira, pela primeira vez eu me vi sendo minoria em alguma coisa na vida. E aquilo foi instantaneamente transformador. Não consegui tratar aquele grupo como um simples registro turístico, por mais descabido que tenha sido meu pensamento – e meu sentimento. É aquela hora em que você percebe o tamanho do mundo: o quanto nosso espaço aqui é ínfimo de tão pequeno, e o quanto não temos ideia das coisas que existem e acontecem neste mesmo planeta. Sim, tem gente que se veste de toalha, ou de tecidos brilhantes e chapéu; que só pode circular ao lado do marido de olhos de fora (às vezes, nem isso) – e que essas pessoas tomam sorvete de casquinha no Burger King; que a imagem daquelas pessoas que só aparecem em nossa TV associadas a terroristas são um povo, que se veste daquela forma, usa barba grande e por vezes pode ser sim mal-encarada (e nem por isso vão explodir seu avião). A gente vive em preconceito – às vezes (ou muitas vezes) sem notar.

Sorvete de casquinha: essa coisa que nenhuma cultura é capaz de censurar (seja ele turco ou do Burger King).

Sorvete de casquinha: essa coisa que nenhuma cultura é capaz de censurar (seja ele turco ou do Burger King).

O mundo é enorme, e as fronteiras são capazes de nos desumanizar. Nenhum povo é melhor que outro, nenhuma religião está “mais certa” que a outra (ou nenhuma), nenhum idioma prevalece, nenhum país deveria desmerecer outro – pois sequer temos ideia das dificuldades que as pessoas que não nasceram “por aqui” passam, ou aquilo que elas realmente podem. Somos todos habitantes dessa mesma bolinha azul, e deveríamos ser capazes de enxergar nessa pessoa diferente aí do lado um vizinho geográfico, e não um alienígena.

Então, pra fechar o pensamento desse breve texto: abrigar quem precisa, compreender suas diferenças (culturais, religiosas e afins), e acima de tudo entender essa unidade sob a qual pisamos e que dá nome ao nosso planeta é fundamental pra que a gente tenha um mundo mais bacana pra viver. Sírios, haitianos, angolanos, cubanos, americanos, orientais ou ocidentais – tem lugar pra todo mundo. E é nossa obrigação não esquecer nunca disso.

Argentina, Áustria, Brasil, Estive lá

A vez das pessoas

27 de agosto de 2015

Experimentamos durante o último final de semana a sensação de, pela (nossa) primeira vez, circular à pé no asfalto da maior avenida da maior cidade da América do Sul. Não é qualquer coisa restringir o acesso da Avenida Paulista a pedestres e ciclistas, e é uma das várias atitudes que nosso atual prefeito vem tomando para humanizar um pouco mais a metrópole virulenta que vivemos. As atitudes de Fernando Haddad têm sido polêmicas, muito mais pela cultura de ódio permeada atualmente na população brasileira, do que pelas ações em si.

A utilização de espaços públicos é coisa a qual não estamos acostumados, ainda mais quando ela acontece de graça e com fácil acesso. O paulista orgulha-se em ter o Ibirapuera como parque, mas sabe o quão difícil é seu acesso, e a quantidade de pessoas que o frequenta (principalmente nos finais de semana) afugenta os que procuram um pouco de paz e tranquilidade, ou mesmo outras alternativas de espaço – com comércio, restaurantes, espetáculos ou qualquer outro tipo de lazer. São Paulo é estigmatizada por carimbar com filas e/ou preços proibitivos suas principais atrações (temos o ótimo Sinta-se Paulistano satirizando essa imagem mais do que merecida que a cidade tem). E isso mina o ânimo de quem busca um pouco de sossego, ou ainda quem não tem dinheiro pra prestigiar tais atrações, afinal de contas, já temos filas, stress e preços altos suficientes durante a semana. Prorrogar essas dores cotidianas para nossos dias de folga é coisa a ser considerada. Sempre.

Longe de São Paulo vivemos dois momentos muito marcantes da chamada “vida ao ar livre” antes de presenciarmos o acontecimento do último domingo, e vamos contá-los rapidamente por aqui:

Começando por nossos vizinhos, e sua notória simpatia por espaços públicos. Tivemos a melhor das impressões em nossa primeira viagem ao notar que não era somente nos grandes parques (como o Rosedal, na foto) que os argentinos se esparramavam, com suas cuias de mate, livros, radinho, bola e toalha. Grandes ou pequenas, em Buenos Aires ou Ushuaia, eles têm por hábito curtir as praças, calçadões e ruas com sua família e amigos. Esses espaços se fundem com a cidade num convívio dos mais harmoniosos possíveis. De fácil acesso e espalhados pela cidade, perto ou longe do metrô, dia ou noite, de bicicleta ou à pé, as praças e parques argentinos estão sempre cheios de gente, todos os dias da semana.

Parques, praças e muita, muita gente.

Parques, praças e muita, muita gente.

Atravessamos o oceano e chegamos até Viena (que foi tema de nosso texto anterior) – uma cidade notoriamente cara, todos sabemos ou fazemos ideia. Mas com algumas características que valem MUITO destaque: a começar pela semelhança com as cidades argentinas no que se diz respeito aos parques e praças. Gente de todas as idades se espalha pelos gramados e alamedas da cidade, dia e noite.

Se espalhar no gramado: aprovamos.

Se espalhar no gramado: aprovamos.

Mas o que mais nos tocou foi um acontecimento em particular: acabamos não assistindo a nenhuma ópera na cidade, e isso poderia ser uma lacuna em nossa viagem. Mas ao passarmos em frente ao Wiener Staatsoper (a Ópera de Viena), um imenso telão na sua lateral transmitia ao vivo e com um som muito bacana o espetáculo que acontecia lá dentro – e cujos preços são condizentes a uma ópera. Em Viena. Na Ópera de Viena. Uma multidão de pessoas assistia ao espetáculo sentada na calçada, no chão ou em cadeirinhas e banquinhos trazidos de casa, comendo uma pizza e tomando um vinho. Diversão, música e cultura –  de graça. Fizemos o mesmo, e ficamos por alguns minutos ali, curtindo não só a ópera, mas as pessoas. Era dia de semana – se não me engano, uma quinta-feira. Um momento que a gente certamente não esquecerá.

Ópera na rua. Quem diria?

Ópera na rua. Quem diria?

Voltemos à Paulista, que experimentamos ao lado de um casal de amigos cariocas no último domingo. Diversos comerciantes sabiamente abriram suas lojas. Outras tantas pessoas levaram seus carrinhos (de comida, de bugigangas, de serviços) pra calçada, e juntaram-se às tradicionais feirinhas do MASP e do Trianon. Vimos grupos de teatro, bandas tocando, gente fotografando, fazendo piquenique, lendo livro na calçada. Pais e filhos à pé ou de bicicleta, num clima tão bom que nos sentimos… turistas. Existe sensação melhor que essa?

Em São Paulo, o Minhocão já tem o trânsito de veículos restrito há tempos durante os finais de semana. Algumas avenidas da cidade (principalmente as atendidas por metrô e trem) como a Paulista, a Faria Lima e a Sumaré são sim ótimas opções para o passeio livre em dias de descanso. Temos as Viradas Culturais, onde a cidade toda vira um imenso palco dia e noite (e cuja qualidade e organização vêm melhorando com o passar do tempo). Com a possibilidade de utilização desses espaços, podemos sair de casa. Conhecer pessoas, reencontrar amigos. Nos divertir sem gastar tubos. Fazer nosso piquenique. Desafogar o Ibirapuera e outros parques. Termos uma vida mais saudável, sem enterrar nossas finanças numa academia. Enfim, aproveitar uma cidade que se orgulha tanto do tamanho que tem, mas que tem se mostrado dia-a-dia uma metrópole de gente egoísta e intolerante.

Talvez nos falte educação, ou estejamos saturados. Mas nenhuma justificativa explica o fato nos afastarmos cada vez mais daquilo que o ser humano tem de mais precioso – a possibilidade de conviver em harmonia com pessoas de diferentes origens, características e gostos. Ninguém que está feliz julga alguém que também está sorrindo – seja pelo motivo que for, é um fato. E nos propiciar alguns momentos de felicidade em lugares que estamos acostumados a correr e xingar é uma iniciativa que nós apoiamos e prestigiamos irrestritamente.

Se pudéssemos resumir esse texto em uma imagem, seria esta.

Se pudéssemos resumir esse texto em uma imagem, seria esta.

Áustria, Gastronomia

Porquinho dourado

25 de agosto de 2015

Gastávamos a sola em Viena. A cidade convida a bons e longos passeios, e o metrô é de uma abrangência absurda. Ainda não havíamos chegado na metade da nossa viagem, e na Áustria experimentávamos várias novidades: o primeiro país que utilizava o Euro até então – havíamos passado por Romênia (Leu), Polônia (Złoty) e República Tcheca (Koruna), nosso primeiro país a não fazer parte do bloco do Leste, e também um de nossos destinos mais aguardados, uma vez que reza a lenda que Viena é uma das cidades mais bonitas do mundo – e do mundo que conhecemos até o momento, essa lenda faz bastante sentido.

Era um dia de sol, com céu aberto e azul na capital austríaca, e havíamos passado toda a manhã e o começo da tarde visitando o Schönbrunn Palace (mais comumente conhecido como o Palácio da Sissi, do qual falaremos futuramente por aqui). Um passeio que, quando feito de forma tranquila e sem correria, leva mais de quatro horas sem o menor exagero: não somente dentro do palácio, mas principalmente por seu jardim, que é gigantesco e repleto de outras atrações. Depois de acumular uma boa quilometragem dentro daquela área enorme, uma coisa ficou muito clara pra gente: estávamos azuis – de fome. Logicamente haviam algumas opções lá dentro, mas tínhamos outros planos para nossos Euros.

Só pra dar uma ideia do quanto andamos pela manhã, e quantificar nossa fome visigoda. Contamos mais sobre esse lugar num futuro próximo, e com o devido carinho!

Só pra dar uma ideia do quanto andamos pela manhã, e quantificar nossa fome visigoda. Contamos mais sobre esse lugar num futuro próximo, e com o devido carinho!

Dos nossos desejos culinários daquele canto do mundo, já havíamos encarado o kebab, o eisbein, a salsicha, o apfelstrudel e trocentas cervejas. Era hora de encarar o wiener schnitzel – a milanesa de porco, bem fininha, e que vem acompanhada de um limãozinho em cima faz parte de 9 de cada 10 cardápios que havíamos pedido até então por aqueles lados (compequenas variações de acompanhamentos). Por ser um prato típico da região, nada mais justo do que caçar uma referência na cidade. E lá fomos nós, gastar mais uma solinha de sapato.

Já de volta à região central da cidade, andamos um pouquinho até encontrar uma viela que passa desapercebida a qualquer pessoa de passo mais apressado. Notamos as paredes verdes, e a plaquinha que estávamos à procura: Figlmüller | Seit 1905. Nossa fome era inversamente proporcional ao tamanho do restaurante – um, de seus dois endereços. Olhando pela janela, diversos velhinhos e pessoas razoavelmente bem vestidas (estávamos em Viena, e se a gente já tem esse jeitinho mulambo de se vestir aqui mesmo no Brasil, o que dizer de nossos modelitos de viagem, ainda mais depois de passar uma manhã inteira caminhando?).

A entrada da vielinha (ao fundo, à direita da foto)...

A entrada da vielinha (ao fundo, à direita da foto)…

...e num ângulo invertido, as mesmas paredes verdes da foto anterior (mas agora, numa foto nossa).

…e num ângulo invertido, as mesmas paredes verdes da foto anterior (mas agora, numa foto nossa).

Com certa reticência – que era menor que nosso desejo de experimentar o schnitzel – nos arriscamos com o garçom, que nos levou a uma das poucas mesas disponíveis no restaurante. O espaço apertado no fundo da casa ao menos era exclusivo – outras mesas, mesmo que de quatro pessoas, eram divididas por pessoas que nem sempre faziam parte do mesmo grupo – e isso aparentemente não incomodava ninguém.

A destreza dos garçons – inclusive anotando os pedidos – passava aquela impressão de se estar num lugar em que todo mundo sabe o que faz – e faz bem. Senhores “com cara de austríaco” passavam de lá pra cá, se desviando nos pequenos espaços para circulação naquela casinha. Quando chamamos, obviamente tanto eu como a Dé pedimos o tão famoso schnitzel. Na hora das bebidas, uma curiosidade: nada de refrigerante no cardápio. Eu me arrisquei com um troço que, se não me engano, era uma tônica/água/coisa com limão – que era horrorosa, enquanto a Dé pediu um suco de uva. Mas danem-se as bebidas.

Quando a propaganda faz jus à experiência, e se basta em uma imagem.

Quando a propaganda faz jus à experiência, e se basta em uma imagem.

O prato é um exagero. Ou melhor, vamos refazer essa frase: o prato é menor que o schnitzel. Você pede um acompanhamento (na foto, temos uma porçãozinha de batata), e traça uma estratégia pra conseguir comer o discão de carne. A milanesa sequinha e o limão entregam toda a expectativa que você tem quando experimenta um prato tradicional de um restaurante tradicional. Não é por falta de méritos que a casa existe há 110 anos, pois a milanesa é realmente uma experiência pra se levar nas melhores lembranças. Olhando em volta, é quase uma unanimidade, sendo poucas as pessoas que se arriscam em outro prato – mais ou menos aquela situação da pessoa que vai numa churrascaria pra comer salada.

Nossa visita ao Figlmüller não rendeu fotos ou vídeos caprichados, infelizmente – estávamos preocupados demais com o sabor do porquinho, e nossos registros foram de fato deficientes. Pra compensar essa falha, resolvi publicar um vídeo que encontrei nesse oásis chamado Youtube, que mostra a cozinha e o preparo do schnitzel no Figlmüller. Pra quem entende alemão, aceito a tradução das informações. Aos leigos (como eu), vale o registro da preparação da milanesa da foto a partir dos 4:30 (o vídeo é bom inteiro, então assistam sem pular). E caso aceitem o desafio, façam isso com fome. É espetacular.

*Nossa publicação de hoje tem motivos culinários por celebrar a marca superior a MIL SEGUIDORES, obtida ontem à noite com um incentivo mais que especial do Receitando Gastronomia, que vem nos dando uma força daquelas há alguns meses. Nossa forma de agradecimento põe na mesa comida e passaporte – essa combinação mais que perfeita, e que de apetite inesgotável 🙂

Croácia

Zagreb pra isso

13 de julho de 2015

Depois das generalidades, trazemos hoje as coisas que Zagreb realmente soma. Porque sim, toda cidade tem suas particularidades – e algumas delas podem ser muito legais. Começando pelo passeio até a cidade alta – e partindo do último ítem do texto anterior (no final do segundo parágrafo), quando dissemos que havia uma escadaria próxima ao centro gastronômico da cidade.

Pra quem já subiu o Roraima, essa escadinha é um espirro.

Pra quem já subiu o Roraima, essa escadinha é um espirro.

O acesso à cidade alta é possível tanto pela escadaria quanto pelo funicular (Zagrebacka Uspinjaca) – e temos aí nossa primeira particularidade: o funicular de Zagreb é um dos “menores transportes coletivos” do mundo. Não usamos o bichinho, uma vez que a subida pela escadaria leva pouco mais de um minuto, mas nos rendeu algumas fotos bem simpáticas.

O funicular é o transporte familiar de fato - afinal, não cabe mais que uma família por bondinho.

O funicular é o transporte familiar de fato – afinal, não cabe mais que uma família por bondinho.

Já na cidade alta, algumas coisas valem a pena. A começar pelo passeio até duas ruas acima, onde demos de frente com a Igreja de St. Mark. Apesar do prédio relativamente pequeno, é uma construção marcante – principalmente por seu telhado, composto de um mosaico de ladrilhos brilhantes, com desenhos e dois escudos em destaque: o brasão de armas de Zagreb (vermelho, com um castelo, à direita), e o brasão que representa o Reino da Croácia (1527 a 1868, que foi parte das terras da Coroa de St. Stephen – hoje território croata em toda a sua extensão).

A bela igreja de St. Mark...

A bela igreja de St. Mark…

...e os brasões destacados (que ao vivo, possuem cores BEM mais vivas).

…e os brasões destacados (que ao vivo, possuem cores BEM mais vivas).

Existem outras igrejas e prédios do governo próximos à igreja, mas tínhamos um objetivo: ouvir/assistir ao estouro do canhão, que acontece na cidade todos os dias ao meio-dia em ponto: uma tradição que vem desde 1º de janeiro de 1877. Procuramos nas placas espalhadas pelas ruas da cidade, e nada. Andamos, andamos, e nada. Pois quando resolvemos sentar pra descansar próximos ao funicular, e a Dé foi comprar uma pipoca, olhamos pra cima e…

...enquanto a Dé garantia a pipoquinha croata da manhã...

…enquanto a Dé garantia a pipoquinha croata da manhã…

...aquela janelinha aberta lá em cima acusa o bendito canhão!

…aquela janelinha aberta lá em cima acusa o bendito canhão!

Sim, o forte (Kula Lotrščak) tem placas que dão a entender que o prédio é um pequeno museu. Entramos e perguntamos se era ali mesmo o raio do canhão – o que nos foi confirmado pela moça que tomava conta da loja no piso térreo. Compramos a entrada (que além do canhão dá acesso à parte superior do forte, que nos permite uma visão em 360º de Zagreb). Bom, antes de qualquer coisa, o canhão – em vídeo. Sim, estávamos sozinhos – e o estouro é pra arrebentar qualquer ouvido…

O guarda responsável pelo canhão convidou a gente a visitar a cabine em seguida pra tirar umas fotos.

Faz barulho MESMO o danado.

Faz barulho MESMO o danado.

Logo depois, subimos pra conferir Zagreb por cima. E que surpresa agradável foi essa 🙂

Perto dali, outro ponto marcante da cidade é o Stone Gate. Porém, mesmo com esse nome, não esperem um portão de pedra, ou mesmo algo grandioso, como uma catedral ou um forte. O Stone Gate é um fragmento da muralha que abrigava a cidade velha. Possivelmente datado de 1266, é um memorial que abriga uma pintura da Mãe de Deus – peça inexplicavelmente salva do fogo em 1731, em um dos diversos incêndios que castigaram a região. Nessa pequena curva está hoje uma espécie de capela, que atrai fiéis de todas as partes do mundo. E exatamente por ser uma capela, não nos sentimos suficientemente à vontade pra bater uma foto lá dentro.

Stone Gate: menor que a sala aqui de casa, é exatamente essa curvinha aí.

Stone Gate: menor que a sala aqui de casa, é exatamente essa curvinha aí.

São algumas das curiosidades da capital croata, que é um lugarzinho dos mais gostosos. Mesmo não tendo esse apelo turístico todo, todo lugar novo sempre garante um punhado de histórias bacanas. As de Zagreb voltaram na nossa memória, e possuem um sabor bem bacana!