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Gramado

Faniquito

Por outros olhos

9 de novembro de 2015

Sempre é divertido acompanhar a aventura alheia. As redes sociais permitem que a gente se aproxime (em tempo real, ou em recapitulação) das viagens dos outros. Amigos, família ou mesmo desconhecidos dividem com o mundo suas experiências, e a gente acaba por alguns instantes invadindo a bagagem e o cotidiano dessas pessoas. A distância faz com que nossa companhia seja superficial, mas por vezes realizamos nossos sonhos e vontades por outras pernas que não as nossas.

Durante esse final de semana recebemos um casal de amigos em casa. Eles nos mostraram fotos de sua última viagem a Gramado. Fizemos o mesmo, e durante aquelas horas me peguei pensando como um mesmo destino pode incitar propostas totalmente distintas de diversão: entre pontos turísticos e natureza, conforto ou improviso, cidade ou arredores. Há alguns dias, uma amiga voltou de uma viagem pelo Oriente (que é um sonho de consumo e lugar de honra em nossa lista de coisas a serem feitas em breve). Ao mesmo tempo, outra amiga nossa* está fazendo o Caminho de Santiago, e a cada foto ou pequeno relato a gente acaba indo junto, e uma aventura da qual sempre tive medo se mostra cada vez mais atrente.

~ A Dé vai adorar saber disso por aqui… ~

Fiquei pensando se ao invés do nosso casal amigo fôssemos nós na viagem a Gramado. E eles, como ficariam no Roraima? Será que o (mais que possível e provável) desconforto com a ideia inicial teria uma chance, assim como Santiago está tendo nesse momento dentro da minha cabeça? Eu, que há alguns anos jamais faria certas coisas que já fiz, e hoje desejo essa viagem pro Oriente tanto quanto a Dé. Não imagino a amiga que está no Caminho de Santiago se contentando com viagens pouco desafiadoras daqui em diante – mas posso estar completamente equivocado. Nunca havia imaginado minha mãe subindo Machu Picchu e excursionando no deserto – até que um dia, aconteceu. Enfim, é um leque de possibilidades – um leque enorme, e que não tem fim.

É redondo, e é lindo.

É redondo, e é lindo.

Você já se imaginou fora da sua bolha? Tentando uma experiência totalmente avessa àquilo que considera ideal? De repente sair do hotel pra tomar um banho frio, ou trocar a praia pela piscina? Um dos princípios que nos incitaram a criar o Faniquito foi justamente esse – o de mexer com essas nossas certezas intocáveis: “nunca vou fazer isso“, “isso não tem a minha cara” ou “eu acho demais, mas não é pra mim” são obstáculos que a gente acaba colocando em nosso próprio caminho.

Esse prazer de enfrentar o próprio medo, abrir a guarda e se deixar levar por uma aventura aparentemente fora de controle pode ser um divisor de águas em nossas vidas. Posso falar isso por experiência própria, depois de perder meu medo de altura durante uma aventura dessas – medo esse que me apavorou durante boa parte da vida. O ato de contar o quanto uma viagem te faz bem e seus porquês tem esse poder de fazer com que a gente enxergue uma possível situação pelos olhos de outra pessoa. Se em algum momento aquele relato te instigar, não tenha medo: mais do que sair de casa, passear pelo mundo te deixa bem longe de outro lugar bastante frequentado e aconchegante – chamado zona de conforto.

Estar longe desse lugar é libertador e aterrorizante, mas faz a gente crescer de uma maneira absurda. Temos várias histórias por aqui que comprovam isso. Inspiração não tem hora, e serve de gatilho para que possamos ir além. Num mundo redondo, ir além é nunca chegar ao fim, por mais longe que se vá. É nossa aposta, e nossa proposta. Sempre 🙂


* Essa baita foto que abre o texto é da nossa amiga que venceu 45 quilômetros em um único dia lá no Caminho de Santiago. Roubei descaradamente (e pedi sua autorização pra isso) pois foi a partir dela que pintou a ideia pro texto de hoje – e quem sabe, a faísca pra gente encarar desafio semelhante mais pra frente? Sorte aí, Ci.

Argentina, Áustria, Brasil, Estive lá

A vez das pessoas

27 de agosto de 2015

Experimentamos durante o último final de semana a sensação de, pela (nossa) primeira vez, circular à pé no asfalto da maior avenida da maior cidade da América do Sul. Não é qualquer coisa restringir o acesso da Avenida Paulista a pedestres e ciclistas, e é uma das várias atitudes que nosso atual prefeito vem tomando para humanizar um pouco mais a metrópole virulenta que vivemos. As atitudes de Fernando Haddad têm sido polêmicas, muito mais pela cultura de ódio permeada atualmente na população brasileira, do que pelas ações em si.

A utilização de espaços públicos é coisa a qual não estamos acostumados, ainda mais quando ela acontece de graça e com fácil acesso. O paulista orgulha-se em ter o Ibirapuera como parque, mas sabe o quão difícil é seu acesso, e a quantidade de pessoas que o frequenta (principalmente nos finais de semana) afugenta os que procuram um pouco de paz e tranquilidade, ou mesmo outras alternativas de espaço – com comércio, restaurantes, espetáculos ou qualquer outro tipo de lazer. São Paulo é estigmatizada por carimbar com filas e/ou preços proibitivos suas principais atrações (temos o ótimo Sinta-se Paulistano satirizando essa imagem mais do que merecida que a cidade tem). E isso mina o ânimo de quem busca um pouco de sossego, ou ainda quem não tem dinheiro pra prestigiar tais atrações, afinal de contas, já temos filas, stress e preços altos suficientes durante a semana. Prorrogar essas dores cotidianas para nossos dias de folga é coisa a ser considerada. Sempre.

Longe de São Paulo vivemos dois momentos muito marcantes da chamada “vida ao ar livre” antes de presenciarmos o acontecimento do último domingo, e vamos contá-los rapidamente por aqui:

Começando por nossos vizinhos, e sua notória simpatia por espaços públicos. Tivemos a melhor das impressões em nossa primeira viagem ao notar que não era somente nos grandes parques (como o Rosedal, na foto) que os argentinos se esparramavam, com suas cuias de mate, livros, radinho, bola e toalha. Grandes ou pequenas, em Buenos Aires ou Ushuaia, eles têm por hábito curtir as praças, calçadões e ruas com sua família e amigos. Esses espaços se fundem com a cidade num convívio dos mais harmoniosos possíveis. De fácil acesso e espalhados pela cidade, perto ou longe do metrô, dia ou noite, de bicicleta ou à pé, as praças e parques argentinos estão sempre cheios de gente, todos os dias da semana.

Parques, praças e muita, muita gente.

Parques, praças e muita, muita gente.

Atravessamos o oceano e chegamos até Viena (que foi tema de nosso texto anterior) – uma cidade notoriamente cara, todos sabemos ou fazemos ideia. Mas com algumas características que valem MUITO destaque: a começar pela semelhança com as cidades argentinas no que se diz respeito aos parques e praças. Gente de todas as idades se espalha pelos gramados e alamedas da cidade, dia e noite.

Se espalhar no gramado: aprovamos.

Se espalhar no gramado: aprovamos.

Mas o que mais nos tocou foi um acontecimento em particular: acabamos não assistindo a nenhuma ópera na cidade, e isso poderia ser uma lacuna em nossa viagem. Mas ao passarmos em frente ao Wiener Staatsoper (a Ópera de Viena), um imenso telão na sua lateral transmitia ao vivo e com um som muito bacana o espetáculo que acontecia lá dentro – e cujos preços são condizentes a uma ópera. Em Viena. Na Ópera de Viena. Uma multidão de pessoas assistia ao espetáculo sentada na calçada, no chão ou em cadeirinhas e banquinhos trazidos de casa, comendo uma pizza e tomando um vinho. Diversão, música e cultura –  de graça. Fizemos o mesmo, e ficamos por alguns minutos ali, curtindo não só a ópera, mas as pessoas. Era dia de semana – se não me engano, uma quinta-feira. Um momento que a gente certamente não esquecerá.

Ópera na rua. Quem diria?

Ópera na rua. Quem diria?

Voltemos à Paulista, que experimentamos ao lado de um casal de amigos cariocas no último domingo. Diversos comerciantes sabiamente abriram suas lojas. Outras tantas pessoas levaram seus carrinhos (de comida, de bugigangas, de serviços) pra calçada, e juntaram-se às tradicionais feirinhas do MASP e do Trianon. Vimos grupos de teatro, bandas tocando, gente fotografando, fazendo piquenique, lendo livro na calçada. Pais e filhos à pé ou de bicicleta, num clima tão bom que nos sentimos… turistas. Existe sensação melhor que essa?

Em São Paulo, o Minhocão já tem o trânsito de veículos restrito há tempos durante os finais de semana. Algumas avenidas da cidade (principalmente as atendidas por metrô e trem) como a Paulista, a Faria Lima e a Sumaré são sim ótimas opções para o passeio livre em dias de descanso. Temos as Viradas Culturais, onde a cidade toda vira um imenso palco dia e noite (e cuja qualidade e organização vêm melhorando com o passar do tempo). Com a possibilidade de utilização desses espaços, podemos sair de casa. Conhecer pessoas, reencontrar amigos. Nos divertir sem gastar tubos. Fazer nosso piquenique. Desafogar o Ibirapuera e outros parques. Termos uma vida mais saudável, sem enterrar nossas finanças numa academia. Enfim, aproveitar uma cidade que se orgulha tanto do tamanho que tem, mas que tem se mostrado dia-a-dia uma metrópole de gente egoísta e intolerante.

Talvez nos falte educação, ou estejamos saturados. Mas nenhuma justificativa explica o fato nos afastarmos cada vez mais daquilo que o ser humano tem de mais precioso – a possibilidade de conviver em harmonia com pessoas de diferentes origens, características e gostos. Ninguém que está feliz julga alguém que também está sorrindo – seja pelo motivo que for, é um fato. E nos propiciar alguns momentos de felicidade em lugares que estamos acostumados a correr e xingar é uma iniciativa que nós apoiamos e prestigiamos irrestritamente.

Se pudéssemos resumir esse texto em uma imagem, seria esta.

Se pudéssemos resumir esse texto em uma imagem, seria esta.