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Salar do Uyuni

Causos

O poder da porra da viagem

16 de julho de 2015

Por Flavio Pucci


Ele não era um super-herói, mas tinha um superpoder: o de conseguir viajar por pelo menos 5 minutos por dia. Tinha dia que era um pouco mais.

Conseguia desligar tudo e embarcar numa viagem quando menos se esperava. Reuniões de alinhamento, reuniões de metas, reuniões de fluxo ou reuniões de qualquer coisa. Esses eram as principais plataformas de embarque. Ele aproveitava aquele início de reunião onde todo mundo contava uma piada enquanto a pauta não vinha e ia, ia simbora.

O único (d)efeito colateral desse superpoder era que ele não escolhia o lugar pronde ía. Ou seja, ele tinha o poder de sair dali mas não sabia onde podia cair.

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Da última vez saiu de uma reunião em que tinha que ouvir o novo posicionamento de uma marca e caiu na bolsa de valores de Nova York. Um caos total: telefone tocando, gente gritando e o pior, ele sentia todo aquele stress como se fosse um local, e não um passageiro. Não viu valor nenhum naquilo, até voltar para sua reuniãozinha de posicionamento em São Paulo. Perto da Bolsa, a reunião de posicionamento era picas. Mais fácil que tabuada do zero: zero vezes um?

Num outro dia em Lassa, no Tibet, trocando ideia com um povo num bar, descobriu que não podia realmente escolher seu destino, mas podia ditar seu ritmo, seu tom.  Exemplo: podia facilmente cair num lugar como a bolsa de valores, só que ouvindo um Bach. Melhorava muito o cenário. Era quase como estar no Salar do Uyuini numa tarde cheia de nuvens. Era quase como escolher seu destino sem escolher seu destino.

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Quando estava no Alaska, ouviu um barulho estranho. Era sua secretária, que entrou na sala e disse: Senhor, sua reunião na Patagônia foi cancelada, em contrapartida, agendei o alinhamento em Dudinka. Às 14h30.

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Se você quiser participar das publicações do Faniquito com suas histórias, curiosidades e dicas de viagem (e não importa o destino), é só entrar em contato com a gente por esse link. Todo o material deve ser autoral, e será creditado em nosso site.

Faniquito, Natureza

Natureza: o eterno fator surpresa

23 de fevereiro de 2015

Acho que a grande recompensa de qualquer coisa que a gente planeje minimamente é a correspondência às nossas expectativas. Buscar por algo e conseguir “chegar lá” te completa, e acaba te empurrando pra um novo desafio. É assim com a nossa vida amorosa, profissional e social. E funciona assim também quando estamos viajando. A expectativa pode jogar a favor ou contra, dependendo de como ela habita seus pensamentos e emoções.

Porém, existe um poder maior que sempre – e eu afirmo: SEMPRE – vai além: a natureza. E dela, por mais que se espere algo gigantesco por pura e evidente convenção, sempre vem um chorinho. Seja na estrutura, no clima, na geografia ou na combinação de todos esses fatores, a gente nunca sabe de que maneira será surpreendido. Imagens mentais costumam falhar miseravelmente a cada nova descoberta, o que é muito legal (nesses casos, sem masoquismo).

A gente não é capaz de imaginar essa quantidade gigante de cores num mesmo lugar.

A gente não é capaz de imaginar essa quantidade gigante de cores num mesmo lugar.

Ou ainda que uma paisagem possa parecer uma gigantesca e infinita folha em branco.

Ou ainda que uma paisagem possa parecer uma gigantesca e infinita folha em branco.

Nunca fui o entusiasta-mór desses destinos. Ainda hoje costumo misturar as vontades, buscando alguma cidade primeiro – e que de lá, de repente, se pintar algum lugar pra ver… mas confesso que a Dé é a voz da natureza aqui em casa. No final das contas, é só durante a viagem que eu acabo descobrindo esses destinos naturais – e eles acabam se destacando de tal forma que eu volto pra casa em estado de choque.

Esse fator surpresa é um sentimento que permeia todo e qualquer novo destino. É o que dá sentido a jogar-se no desconhecido, fazer com que a gente se disponha a passar certas dificuldades. Alguns lugares são absolutamente tranquilos e contemplativos; outros desafiam sua saúde, sua disposição e seus objetivos de uma forma implacável. E quando o assunto é enfrentar a natureza, a gente acaba aprendendo muito sobre juízo, e sobre nosso real lugar no mundo (e nosso tamanho ínfimo). Ficar perdido numa trilha, brincar à beira de um abismo, duvidar de certos obstáculos… bem, sua saúde mental pode dar claros avisos sobre o que aquilo é capaz de causar. Possivelmente é esse eterno conflito a minha pedra no caminho em buscar os desafios naturais por conta própria… mas não os recuso, quando eles chegam embrulhados num pacote, para serem abertos a quatro ou mais mãos.

Se sentir um nada, perto de um gigante de gelo do tamanho de uma cidade.

Se sentir um nada, perto de um gigante de gelo do tamanho de uma cidade.

Encontrar gelo, areia, terra, sol e água num mesmo lugar.

Encontrar gelo, areia, terra, sol e água num mesmo lugar.

Não há construção, monumento ou pintura que mexa mais com a gente do que um paredão de gelo azul, uma cachoeira gigante, um deserto branco ou um fim de tarde acima das nuvens. A gente leva um soco na cara quando o mundo – aquele mesmo lugar em que a gente se acostumou a viver todos os dias, e que tem sempre a mesma cara – te mostra a própria grandeza. E a gente apanha, com gosto, porque o danado é bonito demais, e nunca deixa de te surpreender – e corresponder. Não é nenhum demérito achar graça naquele céu que todo dia cobre a sua cabeça, mas que de repente parece estar mais bonito. Ou prestar atenção na grama. Ficar procurando formas engraçadas nas pedras, ou experimentar botar o pé naquela água gelada.

É o que as crianças fazem. E elas normalmente sabem como aproveitar o mundo.

Se cercar de água - esse elemento tão raro e valioso (sabemos bem disso, não?)...

Se cercar de água – esse elemento tão raro e valioso (sabemos bem disso, não?)…

...e entender a hora em que a natureza te fala "chega, vai pra casa tomar um banho e comer alguma coisa".

…e entender a hora em que a natureza te fala “Chega, vai pra casa tomar um banho e comer alguma coisa”.

É de encontro a ela que a gente também acaba confirmando algumas máximas: ela manda, a gente obedece – SIM; não somos donos do planeta, pois mal sabemos a quantidade de coisas que fazem parte dele, e compõem essa imensidão que uma vida não basta pra gente conhecer; e acima de tudo, o quanto a gente é responsável por cuidar bem da nossa casa. Onde quer que você vá, as instruções de “não leve uma pedrinha pra casa”, “não toque nessa parede”, “não mexa nessa coisinha” deixam claro o quanto a nossa passagem por aqui é rápida, e há quanto ela é de fato a responsável por manter a nossa vida vivível. A gente pode aprender um novo idioma, a comer coisas que não está acostumado, a mudar alguns hábitos, mas nenhuma lição é maior do que essa: admirar passivamente, e participar desse tipo de preservação é cuidar de sim mesmo. De quem você ama. De quem você não conhece. E mais do que isso: da nossa casa. De todos nós.