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Praça

Hungria

Uma história de liberdade

16 de fevereiro de 2016

Ir a Budapeste e não conhecer seu Parlamento é quase impossível. A região onde está localizada a Praça da Liberdade (Szabadság tér) é rota inevitável tanto para turistas como para moradores da cidade – mais ou menos como ir ao Rio e não ver o Cristo ou vir a São Paulo sem passear pela Paulista. Suas alamedas amplas e os belos edifícios que a circundam compõem um cenário que pede uma paradinha pra contemplação. Os walking tours passam por lá, e qualquer pessoa que queira conhecer o histórico prédio às margens do rio Danúbio acaba visitando a praça de tabela, dado que ambos estão separados por apenas um quarteirão de distância.

Porém, nada de Parlamento ou detalhes maiores sobre a Szabadság tér hoje. Vamos falar especificamente de um detalhe – ou melhor, uma instalação que faz parte da praça. Algo tão divertido quanto surreal, dado seu simbolismo. Estamos falando de uma prisão.

Sim, prisão. De água.

"Lembra daquela vez, em que a gente foi preso em Budapeste?"

“Lembra daquela vez, em que a gente foi preso em Budapeste?”

A sensação de Liberdade é sempre a melhor e mais divertida.

A sensação de Liberdade é sempre a melhor e mais divertida.

Durante o século XIX, a mesma área dava espaço a uma prisão, utilizada durante a Revolução Húngara de 1848. O território húngaro é repleto de lembranças dessa natureza: de memórias de guerra a locais onde ocorreram massacres populares, tudo é lembrado e eternizado de alguma maneira. A prisão em questão, há 150 anos, era a maior do continente europeu até então. Destruída em 1897, deu lugar à praça onde estão localizados alguns dos memoriais mais importantes do país, e prédios de embaixadas internacionais – entre elas, a americana. Entre esses memoriais, está uma das instalações mais curiosas e chamativas dali. Nada de estátua, pórtico ou pedra fundamental, mas sim uma fonte d’água, em forma de quadrilátero. Seus jatos, quando ativos, formam uma imagem semelhante às barras de uma hipotética prisão. Impossível não se aproximar pra saber do que se trata.

Porém, o mais interessante é a possibilidade de “entrar” nessa prisão. Nas partes internas e externas desses jatos d’água, pequenas plataformas que funcionam como pedais. Basta pisar para que elas desativem segmentos da fonte por alguns segundos – o tempo necessário para entrar ou sair da instalação. Mais legal do que a própria instalação é a forma como a gente acaba aprendendo um capítulo tão importante da história do país. Interagir com a fonte faz com que tal experiência se torne inesquecível.

Com isso, uma memória terrível que já data de quase dois séculos é transformada em algo totalmente diferente. Dor vira alegria, cicatriz vira diversão. Um país que já foi tão castigado em alguns dos mais sangrentos e cruéis capítulos da História não teme escancarar seu passado das mais diversas maneiras. Porém, nem todas precisam fazer menção direta a determinados episódios. Transformações são permitidas: uma história de repressão ganha significado oposto, com a “prisão por opção em uma cadeia d’água”.

A opção? É sempre pela liberdade – a mesma que dá nome à praça, e significado à vida dessas pessoas. A mesma liberdade que a gente sente quando conhece uma história dessas de perto.

Argentina, Áustria, Brasil, Estive lá

A vez das pessoas

27 de agosto de 2015

Experimentamos durante o último final de semana a sensação de, pela (nossa) primeira vez, circular à pé no asfalto da maior avenida da maior cidade da América do Sul. Não é qualquer coisa restringir o acesso da Avenida Paulista a pedestres e ciclistas, e é uma das várias atitudes que nosso atual prefeito vem tomando para humanizar um pouco mais a metrópole virulenta que vivemos. As atitudes de Fernando Haddad têm sido polêmicas, muito mais pela cultura de ódio permeada atualmente na população brasileira, do que pelas ações em si.

A utilização de espaços públicos é coisa a qual não estamos acostumados, ainda mais quando ela acontece de graça e com fácil acesso. O paulista orgulha-se em ter o Ibirapuera como parque, mas sabe o quão difícil é seu acesso, e a quantidade de pessoas que o frequenta (principalmente nos finais de semana) afugenta os que procuram um pouco de paz e tranquilidade, ou mesmo outras alternativas de espaço – com comércio, restaurantes, espetáculos ou qualquer outro tipo de lazer. São Paulo é estigmatizada por carimbar com filas e/ou preços proibitivos suas principais atrações (temos o ótimo Sinta-se Paulistano satirizando essa imagem mais do que merecida que a cidade tem). E isso mina o ânimo de quem busca um pouco de sossego, ou ainda quem não tem dinheiro pra prestigiar tais atrações, afinal de contas, já temos filas, stress e preços altos suficientes durante a semana. Prorrogar essas dores cotidianas para nossos dias de folga é coisa a ser considerada. Sempre.

Longe de São Paulo vivemos dois momentos muito marcantes da chamada “vida ao ar livre” antes de presenciarmos o acontecimento do último domingo, e vamos contá-los rapidamente por aqui:

Começando por nossos vizinhos, e sua notória simpatia por espaços públicos. Tivemos a melhor das impressões em nossa primeira viagem ao notar que não era somente nos grandes parques (como o Rosedal, na foto) que os argentinos se esparramavam, com suas cuias de mate, livros, radinho, bola e toalha. Grandes ou pequenas, em Buenos Aires ou Ushuaia, eles têm por hábito curtir as praças, calçadões e ruas com sua família e amigos. Esses espaços se fundem com a cidade num convívio dos mais harmoniosos possíveis. De fácil acesso e espalhados pela cidade, perto ou longe do metrô, dia ou noite, de bicicleta ou à pé, as praças e parques argentinos estão sempre cheios de gente, todos os dias da semana.

Parques, praças e muita, muita gente.

Parques, praças e muita, muita gente.

Atravessamos o oceano e chegamos até Viena (que foi tema de nosso texto anterior) – uma cidade notoriamente cara, todos sabemos ou fazemos ideia. Mas com algumas características que valem MUITO destaque: a começar pela semelhança com as cidades argentinas no que se diz respeito aos parques e praças. Gente de todas as idades se espalha pelos gramados e alamedas da cidade, dia e noite.

Se espalhar no gramado: aprovamos.

Se espalhar no gramado: aprovamos.

Mas o que mais nos tocou foi um acontecimento em particular: acabamos não assistindo a nenhuma ópera na cidade, e isso poderia ser uma lacuna em nossa viagem. Mas ao passarmos em frente ao Wiener Staatsoper (a Ópera de Viena), um imenso telão na sua lateral transmitia ao vivo e com um som muito bacana o espetáculo que acontecia lá dentro – e cujos preços são condizentes a uma ópera. Em Viena. Na Ópera de Viena. Uma multidão de pessoas assistia ao espetáculo sentada na calçada, no chão ou em cadeirinhas e banquinhos trazidos de casa, comendo uma pizza e tomando um vinho. Diversão, música e cultura –  de graça. Fizemos o mesmo, e ficamos por alguns minutos ali, curtindo não só a ópera, mas as pessoas. Era dia de semana – se não me engano, uma quinta-feira. Um momento que a gente certamente não esquecerá.

Ópera na rua. Quem diria?

Ópera na rua. Quem diria?

Voltemos à Paulista, que experimentamos ao lado de um casal de amigos cariocas no último domingo. Diversos comerciantes sabiamente abriram suas lojas. Outras tantas pessoas levaram seus carrinhos (de comida, de bugigangas, de serviços) pra calçada, e juntaram-se às tradicionais feirinhas do MASP e do Trianon. Vimos grupos de teatro, bandas tocando, gente fotografando, fazendo piquenique, lendo livro na calçada. Pais e filhos à pé ou de bicicleta, num clima tão bom que nos sentimos… turistas. Existe sensação melhor que essa?

Em São Paulo, o Minhocão já tem o trânsito de veículos restrito há tempos durante os finais de semana. Algumas avenidas da cidade (principalmente as atendidas por metrô e trem) como a Paulista, a Faria Lima e a Sumaré são sim ótimas opções para o passeio livre em dias de descanso. Temos as Viradas Culturais, onde a cidade toda vira um imenso palco dia e noite (e cuja qualidade e organização vêm melhorando com o passar do tempo). Com a possibilidade de utilização desses espaços, podemos sair de casa. Conhecer pessoas, reencontrar amigos. Nos divertir sem gastar tubos. Fazer nosso piquenique. Desafogar o Ibirapuera e outros parques. Termos uma vida mais saudável, sem enterrar nossas finanças numa academia. Enfim, aproveitar uma cidade que se orgulha tanto do tamanho que tem, mas que tem se mostrado dia-a-dia uma metrópole de gente egoísta e intolerante.

Talvez nos falte educação, ou estejamos saturados. Mas nenhuma justificativa explica o fato nos afastarmos cada vez mais daquilo que o ser humano tem de mais precioso – a possibilidade de conviver em harmonia com pessoas de diferentes origens, características e gostos. Ninguém que está feliz julga alguém que também está sorrindo – seja pelo motivo que for, é um fato. E nos propiciar alguns momentos de felicidade em lugares que estamos acostumados a correr e xingar é uma iniciativa que nós apoiamos e prestigiamos irrestritamente.

Se pudéssemos resumir esse texto em uma imagem, seria esta.

Se pudéssemos resumir esse texto em uma imagem, seria esta.