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Uma saga chamada Roraima (1/6)

17 de agosto de 2015

Já fizemos dois textos sobre essa viagem (o primeiro, com um resumo geral nas palavras da Dé, e o segundo, descrevendo nossos preparativos para a subida). Chegou a hora de detalharmos como foram os dias que passamos por lá. Foram seis dias de trekking. Serão seis textos (intercalados com outros assuntos aqui no Faniquito), que servirão de guia aos que pretendem dia desses encarar essa verdadeira aventura, que é vencer um dos tepuis mais bonitos e difíceis do mundo.

Comprado o tour, nos reunimos na manhã daquela que, na nossa contagem, seria o início do nosso primeiro dia. Estávamos em 15 pessoas (nós dois, brasileiros, cinco neozelandeses, dois alemães, dois argentinos, um canadense, uma americana, um japonês e uma iraniana), e encontramos a equipe que nos levaria até lá (que contava com os carregadores – venezuelanos – e nosso guia, um jamaicano). A diversidade do grupo nos traria muito em breve a primeira lição da viagem: por mais diferentes que fôssemos (e éramos – detalhes logo mais), estávamos todos no mesmo barco. E em seis dias de total isolamento do restante do planeta, nos conheceríamos inevitavelmente. Pode parecer um tanto assustadora a descrição de um momento desses, mas é uma das melhores memórias que trouxemos de lá.

Nossa família pelos próximos seis dias.

Nossa família pelos próximos seis dias.

Carregamos os carros com as bagagens de todos, e seguimos rumo à reserva. No caminho, uma parada aos que gostariam de comprar água ou algum tipo de alimento/protetor para levar durante a trilha. Nós não compramos nada, e isso foi uma decisão parcialmente correta (pois teríamos água potável para carregar nossas garrafinhas na chegada – mas não o fizemos, e por isso o “parcialmente”). Os carros seguiram pela estrada, e algum tempo depois um desvio em uma estrada de terra sinalizava que estávamos próximos de nosso destino. “Lá na frente”, sinalizou um dos carregadores. Todos os que estavam na parte de trás do carro procuraram rapidamente, e lá estava a primeira imagem do Monte Roraima – ainda a 30 km de distância.

A primeira imagem do gigante.

A primeira imagem do gigante.

Obviamente, ficamos maravilhados e assustados, porque o bicho já parecia enorme.

Poucos minutos se passaram e chegamos à base. Naquele momento estávamos bastante ansiosos, e igualmente sem saber direito o que fazer. Ficamos próximos ao grupo, e ali recebemos nossos sanduíches (que seriam nosso almoço pelo caminho), isolantes de borracha (aquela espécie de tapetinho, que você coloca sob a barraca para proporcionar algum conforto quando deitar), e um saco plástico grande pra cada um (para em caso de chuva, “ensacar” as mochilas e evitar que tudo ficasse ensopado – guardem essa informação). Neste momento, uma pausa para explicações:

TODOS do grupo levariam suas mochilas nas costas, menos nós, que alugamos o serviço de um carregador – levaríamos somente duas mochilas pequenas, com nossos casacos, garrafas, algumas barrinhas e as máquinas fotográficas. Nos sentimos meio mal na hora (os dois gordinhos, e que não levam mochila nas costas), mas esse sentimento é estúpido, acreditem. A Mercedes (argentina), que fazia parte do grupo, ao ver ali a possibilidade de contar com esse serviço, acabou alugando na mesma hora. Fizemos isso por acharmos que não daríamos conta de levar aquele monstro nas costas. Ela fez por conforto (seu futuro desempenho na trilha comprovaria isso). Mas essa pausa é para dar a dica: SE VOCÊ ACHA QUE NÃO DÁ CONTA, ALUGUE UM CARREGADOR SIM. Não é crime, e o trajeto exige decisões acertadas. Essa foi a nossa melhor decisão, com toda a certeza.

No desembarque, nada muito claro - então, imite os outros.

No desembarque, nada muito claro – então, imite os outros.

Um dos carregadores se preparando, e a Mercedes (à esquerda na foto).

Um dos carregadores se preparando, e a Mercedes (à esquerda na foto).

Os caras são incríveis. Totalmente incríveis.

Os caras são incríveis. Totalmente incríveis.

Ainda antes da saída, um banheiro para as últimas necessidades “na civilização”. Erramos em não pegar água da torneira de lá (que é potável), e começamos a caminhada de garrafas vazias. Em maiúsculas: NÃO FAÇAM ISSO. Os carregadores montaram suas cestas gigantes, com nossas bagagens, mantimentos, ferramentas, barracas e todo o material necessário para os próximos seis dias, e dali seguimos extremamente animados. Já era começo de tarde, e tínhamos treze quilômetros até o primeiro acampamento, onde passaríamos a noite.

O registro da nossa saída :)

O registro da nossa saída 🙂

A caminhada é razoavelmente tranquila de início. Mesmo com o sol na cabeça, o caminho possuía uma parte razoável debaixo de árvores. Subidas e descidas exigiam algum esforço inicial, e o suor não tardou a aparecer. Aos poucos, notávamos qual seria nosso ritmo durante o primeiro dia, e encontramos algumas dificuldades – que aparentemente, não eram só nossas. Era um pensamento reconfortante saber que “não seria fácil pra mais gente”, além de nós dois.

A primeira parada aconteceu no meio de uma subida, e próxima a um riozinho, pra nossa alegria. Pelos próximos dias, nossa água viria exatamente assim – de riachos, pequenas cachoeiras e nascentes. Os estrangeiros (se não todos, quase todos) pegavam água desses locais e colocavam pastilhas solúveis de purificação de água nas garrafas. Alguns, para disfarçar o sabor deixados pelas pastilhas, misturavam Tang na água (sim: eca). Segunda dica desse texto: NÃO FAÇAM ISSO, PORQUE NÃO PRECISA. O lugar é totalmente livre de qualquer contaminação, e a água é pura e absolutamente gelada. Beba sem medo – e muito, porque estar hidratado para uma caminhada dessas é essencial.

Água, essa dádiva.

Água, essa dádiva.

E o calor da caminhada já dava seu recado.

E o calor da caminhada já dava seu recado.

Seguimos adiante. Fizemos algumas outras paradas juntamente do grupo, onde aos poucos conhecíamos alguns de nossos companheiros, além do Ricky – nosso guia, falastrão e todo cheio das amizades. A tarde foi passando, e mesmo com um cansaço razoável não desgarramos do grupo. Lá adiante avistamos nosso acampamento. Apertamos um pouco o passo, e assim que chegamos as barracas já estavam montadas. Escolhemos a nossa, deixamos nossas coisas na entrada e fomos correndo para o rio, que passava ao lado.

Um dos heróis da equipe, tomando um fôlego...

Um dos heróis da equipe, tomando um fôlego…

...e a gente, duplamente sem ar, com um visual desses pela frente.

…e a gente, duplamente sem ar, com um visual desses pela frente.

Lá a Dé tomou o primeiro banho de rio da vida dela. Foi uma situação bem engraçada, pois os neozelandeses não tinham problema algum em ficar de cueca, calcinha e sutiã – ao contrário dos brasileiros, argentinos e americanos do grupo. Alguns não tomaram banho (sim, cada um com seus problemas), e depois de algum malabarismo conseguimos nos trocar ali mesmo antes de voltar pra barraca. Um adendo: os PURI PURIS da região – porque cada pedaço do planeta tem seu mosquitinho picador FDP. Depois do banho de rio, banho de repelente.

As barracas montadas na nossa chegada...

As barracas montadas na nossa chegada…

...e a nossa. Botas e mochilas do lado de fora, pois essa seria nossa casa durante os próximos 5 dias (no sexto, dormiríamos em uma cama novamente, se sobrevivêssemos).

…e a nossa. Botas e mochilas do lado de fora, pois essa seria nossa casa durante os próximos 5 dias (no sexto, dormiríamos em uma cama novamente, se sobrevivêssemos).

Anoitecia, e o guia e os carregadores eram também os responsáveis pela comida e bebida da noite. Fizeram um macarrão com carne, e um suco (que seria repetido em todas as refeições pelos próximos seis dias). Comemos com gosto, afinal de contas estávamos todos felizes e famintos por vencermos o primeiro dia. Ali mesmo todos nos apresentamos e aos poucos nos familiarizávamos com os nomes de todos. Boa parte do grupo tinha aquelas lanternas que funcionam amarradas a uma faixa na cabeça, parecida com aqueles capacetes de mineiros: zilhões de vezes melhores que nossas lanterninhas de bolso, e um ítem a ser considerado com carinho em viagens semelhantes. Com a refeição encerrada e o bucho cheio, socializamos um pouco mas nos retiramos na sequência. Era hora de estrear nossa barraca e os sacos de dormir. Além do primeiro banho de rio, seria a primeira noite de acampamento da Dé. Não duramos muito e capotamos. Deviam ser 20h ou 21h, e a escuridão era total. Terminamos bem nossa primeira prova, mas ainda era o começo.

Mal sabíamos o que nos esperava. E não seria pouco.

Brasil, Dinheiro, Venezuela

Monte Roraima: como faz?

9 de fevereiro de 2015

Agora que já contei sobre minha relação de amor e ódio com o Monte Roraima, porque não dar os detalhes de como fazer a viagem? Afinal, quem nunca imaginou chegar lá em cima?

O planejamento da viagem é relativamente simples, e assim como qualquer outra viagem, existem agências que fecham pacotes pra fazer o tour. O problema é que se você comparar os preços desses pacotes com os de se fazer uma viagem por conta, é desanimador. Uma viagem barata acaba saindo pelo dobro – ou até o triplo – do valor. Então resolvemos fazer tudo na cara e na coragem…

Fomos para Boa Vista (RR) de avião. A cidade é relativamente pequena, e até tem alguns tours pra se fazer por lá, mas resolvemos não explorar muito e ir direto pra a Venezuela. Saímos de Boa Vista rumo a Pacaraima na parte da manhã. A fronteira entre Brasil e Venezuela tem fama de não ser muito “confiável” em relação a horários (li relatos de que às vezes fecham pro almoço, e só voltam no dia seguinte), portanto a ideia era chegar por lá ainda pela manhã. Fizemos esse trajeto entre as duas cidades de táxi coletivo. Essa viagenzinha, que leva de duas a três horas, custa uns R$ 35,00 por pessoa (consideravelmente mais barato que a viagem de táxi normal, que sai por volta de R$ 150,00). Uma coisa interessante nesse trajeto é que alguns dos táxis coletivos – especificamente os da Companhia Pacaraima – fazem uma parada estratégica pra banheiro e um lanchinho num restaurante chamado Rosa de Saron, onde é servida a paçoca – coisa linda de Deus…

Tá lá escrito: TEMOS PAÇOCA. E se você pensa que estamos falando de amendoim...

Tá lá escrito: TEMOS PAÇOCA. E se você pensa que estamos falando de amendoim…

...errou feio. Carne, farofa, cebola e água gelada: quem precisa de mais?

…errou feio. Carne, farofa, cebola e água gelada: quem precisa de mais?

Pacaraima é a ultima cidade brasileira, bem na fronteira com a Venezuela. É uma cidadezinha tão pequena que o “caixa eletrônico” do Bradesco é uma mulher atendendo dentro de um mercadinho. As dezenas de táxis que te levam a Santa Elena de Uairén estão concentrados bem do lado da fronteira, só esperando encher o carro pra te levar à cidade. Esse é um trajeto bem mais rápido, de uns 20 minutos, que custa de 2 a 3 Reais.

Bradesco: humanizando o atendimento.

Bradesco: humanizando o atendimento eletrônico.

Já em Santa Elena, nos hospedamos no Hotel Michelle. Ele é bem localizado, perto do centro da cidade, com vários lugares pra comer por perto. Os albergues e pousadas da cidade são basicamente a mesma coisa: meio precários, com um wi-fi bem lento, ventiladores barulhentos e os preços são bem parecidos. Santa Elena de Uairén não é uma cidade turística: não tem muita coisa pra se fazer, nem lugares bonitos para ver, mas serve de base pra praticamente todos os tours do Roraima. De todos esses, a grande maioria sai da frente da Posada Backpackers.

Santa Elena de Uairén é basicamente isso aí durante o dia.

Santa Elena de Uairén é basicamente isso aí durante o dia.

Se você andar um pouquinho pela cidade, vai encontrar várias pessoas oferecendo o tour pro Roraima e/ou pro Salto Ángel. Também existem outras tantas opções e guias independentes, com os quais você pode entrar em contato pelo Facebook ou mesmo por telefone, negociar e fechar o passeio. Resolvemos fazer o nosso com o pessoal do Backpacker Tours, pela estrutura que eles ofereceram. Em outros casos, teríamos que carregar, armar e desarmar a barraca, carregar comida, o preço do carregador seria mais caro, ou ainda teríamos que esperar alguns dias a mais pra fechar um grupo e sair. Enfim… as opções são inúmeras. Mais uma vantagem de fechar com eles foi o Ricky – nosso guia – do qual já tinha ouvido falar muito bem.

Os preços dos tours são bem parecidos em todos os lugares que você pesquisar, assim como a forma que todos eles trabalham. Então, basta achar um lugar que te inspire confiança.

A imagem da confiança.

A imagem da confiança.

Ricky: de amado a odiado, e depois amado de novo. Histórias em breve.

Ricky: de amado a odiado, e depois amado de novo. Histórias em breve.

Um ponto muito importante é o dinheiro. O câmbio oficial atual diz que um Real equivale a mais ou menos 2,27 bolívares venezuelanos. Na época (setembro de 2013) a média era de 1 pra 2,70 ou 2,80. Acontece que o câmbio oficial por lá não quer dizer quase nada. A coisa mais normal do mundo é trocar dinheiro na fronteira, onde o câmbio “paralelo” é o mais favorável. No dia em que chegamos na Venezuela, esse tipo de câmbio era de 1 pra 18. Já no último dia, tinha subido para 1 pra 23. Em uma das pesquisas de preço que fizemos, a mulher responsável pelo tour chegou a ligar para um conhecido na fronteira, e perguntar como estava o câmbio antes de nos passar o valor. Então é bom ficar atento a essas variações.

Pega essa, Eike Batista.

Pega essa, Eike Batista.

Outra coisa importante: a nota mais alta de bolívares é de Bs.F. 100,00. Isso pode ser um problema na hora de trocar o dinheiro, pois você pode ter que contar centenas de notas ali, na fronteira, dentro de um táxi coletivo, e voltar com elas escondidas na cueca, no sutiã ou sabe-se lá onde. A parte boa é que dá um up na sua moral… afinal, quando no Brasil você se sentiria tão rico assim?