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The man who sold the world

Causos, Fofuras

Do amor e tantos Bowies

13 de janeiro de 2016

Por Beta Clapp


Esse é um relato sobre o amor. Daqueles amores que a gente sente instantaneamente quando para pra observar de um jeito mais atento. Quando desacostuma o olhar. Do amor e outras sensações que vem dele, das que não são descritas em palavras, por mais que a gente tente. Ta aí a minha tentativa de começar a falar do meu amor por São Paulo, pelo Masili e pela Dé, pela Isabella e pelo Bowie. E não reparem: amor e amar serão repetidos várias vezes por aqui.

Em janeiro de 2014, recebi o convite pro aniversário do Masili. Eu no RJ, ele em SP. Eu, que já amo SP, tinha mais um motivo pra encher a mochila e partir. Claro que eu não ia confirmar o evento e avisar pra ele que eu ia na comemoração: a ideia era brotar lá de surpresa e causar uma comoção mesmo. Foi aí que eu comecei a angariar as minhas parceiras no crime – Isabella (que na época nem conhecia o Masili) e Carol toparam a surpresa, e a Dé foi a aliada primordial no plano de causar um faniquito no moço.

O aniversário do Marcelo era na sexta, o bar estava marcado pra sábado. Mas quem vai pra SP na sexta podendo ir na quarta? Eu e Isabella estávamos com a agenda tranquila e decidimos chegar antes pra poder aproveitar essa cidade tão querida. Passagens compradas, hostel reservado, comecei a planejar o tour dos dias que viriam.

Uma pequena pausa pra falar sobre Isabella. Isabella é um amor que é. Não dá pra ir além disso. Isabella vive pensando nos outros. Eu vivo pensando em Isabella e em Isabella pensar nela. Essa viagem era pra mim, pra Marcelo e pra Isabella. Apesar de ela já ter ido pra SP, eu queria mostrar pra ela a cidade que eu amava. E na busca pela programação da viagem eu descobri que na sexta-feira, a mesma do aniversário do Masili, o Museu da Imagem e do Som (MIS) ia inaugurar uma exposição sobre David Bowie, um dos grandes amores de Isabella. A exposição tinha sido montada originalmente no Victoria and Albert Musem em Londres entre março e agosto de 2013 e tava indo pro MIS.

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Toda vez que Isabella falava do Bowie, os olhos brilhavam e ela abria um sorriso. A minha reação era sempre a mesma – eu (dizia que) não conhecia Bowie.

Então eu descobri a exposição e queria fazer a segunda surpresa da viagem, agora pra Isabella. Entrei no site e vi que dava pra comprar as entradas antes, o ingresso que era R$5 ia pra R$25, mas mesmo assim eu estava decidida a garantir a nossa ida na estreia. Mandei e-mail pro hostel pra ver se alguém podia me dar um help e comprar pra gente, a fim de evitar o prejuízo. No final das contas, não dava pra comprar antecipado no MIS, o site não funcionava e eu corri o risco de comprar no dia. Mandei pra ela a programação que tinha pensado e tinha um buraco na sexta de manhã. Era segredo.

Chegamos em SP na quarta-feira muito cedo, largamos as coisas no hostel e fomos pra rua. O dia terminou com uma chegada milimetricamente arquitetada por mim e pela Dé, na qual passamos pela portaria do prédio deles sem tocar o interfone e quase matei o Masili do coração quando ele abriu a porta e ta-dá!, estávamos lá.

Passei quarta e quinta andando com Isabella pela cidade. Sempre ficava tensa quando pegávamos o metrô: aquelas telinhas cheias de propaganda ficavam sugerindo eventos pela cidade e eu ficava sempre desviando a atenção dela, com medo de aparecer alguma coisa sobre a exposição. Consegui.

Sexta de manhã chegou. Eu estava mega ansiosa. A primeira surpresa tinha sido sucesso, a segunda ia rolar, eu tinha fé. Mal podia esperar pela reação dela. E mais uma pausa pra falar de Isabella. Isabella, que pensa muito pouco nela, estava sendo livre. Isabella estava sendo ela, fazendo o que queria, sem pressa, sem estado de alerta, sem preocupações constantes. O faniquito.

Pegamos um ônibus e fomos. Quando chegamos lá nos deparamos com um cartaz gigante e esse container aí de baixo. Os olhos de Isabella brilharam mais do que todas as vezes que ela falou do Bowie, encheram d’água e o sorriso não fechava nunca. Parecia que a gente ia entrar e dar de cara com o próprio Bowie. Não consegui um registro desse momento, mas tem esse aí que foi posterior à chegada.

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Ficamos um tempinho do lado de fora, a exposição abria às 11h. Eu achando que ia estar lotado e nada, muito longe disso. Rolou uma filinha com algumas pessoas, compramos nossos ingressos e entramos. Deixamos a bolsa num armário (felizmente era proibido fotografar, acho isso sempre um alívio) e antes de entrar pegamos um fone com um aparelho do tamanho de um radinho de pilha que deveria ficar pendurado no pescoço. No fone rolava o que até então eu achava era tão só uma trilha sonora pra curtir a exposição.

Passamos por um corredor escuro, com umas luzes azuis pelo caminho e a primeira sala era dedicada a nada menos que Space Oddity. Logo na abertura um cartaz contava a história da composição da música. Pra definir o nome, Bowie procurou Stanley Kubrick, e na minha cabeça foi algo do tipo: oi, Kubrick, beleza?, aqui é o Bowie, eu fiz uma música nova e queria saber se rola de fazer um jogo de palavras com Space Odyssey”. Isso foi sensacional demais pra mim.

Essa primeira sala era bem pequena, eu ainda estava tentando entender como aquilo ali rolava no mundo e eu não sabia. Fui acompanhando a sequência, rascunhos, matérias de jornal, cifras, e, de repente, quando virei, dei de cara com uma televisãozinha antiga que passava isso aqui:

Foi, então, que tudo fez sentido: o fone estava perfeitamente sincronizado com a TV e eu fiquei uns 15 minutos vendo o clipe se repetir. E, assim, eu me apaixonei.

Passamos mais de duas horas lá dentro. A cada passo que eu dava era um mundo que se abria. Eu não conseguia imaginar a possibilidade de fazer tantas coisas incríveis em uma única vida, de ter aquela capacidade de me reinventar, de me desorganizar e de expandir. E aos poucos eu fui percebendo que, sim, eu conhecia Bowie. Eu conhecia e sabia várias das coisas que vi lá dentro, as roupas, os filmes, as músicas. E mais do que o que era concreto, eu de alguma forma me reconhecia ali. Eu queria ser e era, em alguma molécula do meu corpo, um pouco de Bowie. Porque Bowie não era ele, era tudo, era todos e não era coisa alguma. David Jones. David Bowie. Ziggy. E por aí vai.


(esse vídeo também rolou numa televisãozinha e mais uns 15 minutos se foram no repeat)

Chegamos ao final. Uma sala enorme, escura, redonda, com um pé direito altíssimo e vários manequins vestidos com roupas dele. Toda a sala era feita de telões que passavam imagens de shows. Não um show, mas alguns. Às vezes dois, às vezes três. E por conta do radinho mágico, dependendo do lugar onde você estava na sala, o som ia mudando.

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A minha primeira reação foi ficar girando no mesmo lugar pra ouvir tudo e olhar pra tudo. Foi quando eu parei, olhei pros lados e vi: as várias pessoas que estavam na sala naquele momento experimentavam cada uma o seu show particular, escolhiam pra qual tela olhar, mas todas, sem exceção, estavam emocionadas. Eu me sentei no chão de carpete, encostada num canto e chorei. Quietinha, no meu canto, eu chorei um bocado. Eu não conseguia entender o que acontecia, mas acontecia e era incrível, era lindo e era totalmente inexplicável. E foi, assim, que o amor chegou. A paixão era evidente, mas sim, eu amava Bowie, assim. Talvez porque isso seja mesmo o amor, uma coisa que apesar de poder ser recíproco, compartilhado ou não, no fundo você experimenta sempre sozinho. Tem a ver com o que te afeta, como te afeta e como você olha e esquece tudo ao redor. Nada importava naquela hora, então eu me entreguei. E como em todo amor, não dava vontade de partir.

Várias vezes eu me perdi da Isabella lá dentro e quando olhava pro lado ela ainda estava com a mesma cara de quando tinha chegado. A gente digeriu cada pedacinho daquilo tudo e tentou guardar o máximo que deu. No fundo eu acho que se alguém me pedir pra contar as coisas que aprendi sobre ele na exposição eu não vou saber dizer muita coisa. Porque não é por aí. E quem sabe valha a pena a gente pensar se a gente aprende alguma coisa efetivamente sobre quem se ama ou sobre o que se ama, porque eu acho que não. O amor é essa experimentação constante do que diz alguma coisa, do que brilha na e da gente. Porque, na verdade, afeto a gente não vê, não toca, não define. Os afetos estão por aí, pra serem vistos com o corpo, pra serem sentidos pela alma e a gente sabe que eles vem quando dá aquele vazio que vai crescendo lá dentro do estômago e sai pela boca iluminando tudo ao redor. Quando a gente experimenta o amor é lisergia pura.

Quando eu comecei a escrever esse texto, tinha pensado em pesquisar fotos, falar da exposição, tentar contar pra quem não pôde ir o que deu pra ver por lá. Mas não deu. Não dá. Como eu disse no começo, esse é um texto sobre o amor, e só quem vive um amor é capaz de enxergá-lo como ele se dá.

http://arte1.band.uol.com.br/homenagem-a-david-bowie/

A nossa viagem continuou linda. A comemoração do aniversário do Masili teve ainda mais uma surpresa, com a chegada da Carol.

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Eu voltei pro RJ no domingo e a primeira coisa que fiz foi baixar a discografia do Bowie. Na época, escolhi 4 discos pra ouvir: Heroes, The man who sold the world, The rise and fall of Ziggy Stardust and the spiders from Mars e, claro, Space Oddity. Os quatro estão no meu iPod até hoje – já são dois anos – e ainda não consegui parar de ouvi-los, nem achei que era a hora de passar pra outros. Depois disso comprei o meu primeiro vinil do Bowie, claro, Space Oddity. Depois que minha irmã se mudou e levou a vitrola, o disco passou um tempo na casa da Isabella, até que no meu aniversário do ano passado, Isabella, sendo Isabella, me devolveu o disco – com uma vitrola de presente.

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Mas antes disso, no natal de 2014, eu ganhei da minha irmã e de outra amiga um outro presente maravilhoso. Um livro lindo e sensacional da exposição, que eu nem sabia que existia. Pra quem quiser ver mais, tá aqui ó: http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/2215/David-Bowie-.aspx

Quando Bowie se foi no início dessa semana meu coração apertou, mas eu não chorei. Eu disse pra mim mesma que era uma bobagem, que não tinha porque. E aí hoje, eu decidi usar esse lugar tão querido que é o Faniquito pra fazer a minha despedida desse grande amor que se foi. Finalmente, eu chorei. Eu ainda tento entender porque a tristeza de vê-lo ir. Mas como é amor, não tem nenhuma explicação. Pelo que vi e ouvi de algumas pessoas, a conclusão que chegamos é de que talvez seja mesmo difícil entender que Bowie era tão mortal quanto a gente, e que pra ser mais de um, todos e nenhum é só a gente querer.

E, assim, eu me despeço desse texto tão querido e do Bowie, esse amor tão recente e tão arrebatador, como eu já disse em algum outro momento. Agradecendo a ele por ter sido todos eles e até o fim ter sido mais. E aos meus amigos que me ensinaram, como o Bowie: “I never thought I’d need so many people”. Amo vocês.


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