Tag

são paulo

Causos

A vida de um Suíço

11 de junho de 2015

Por Flavio Pucci


Desde que o conheci, carregava consigo um canivete. Um desses suíços que se compra em lojinhas de chineses aqui em São Paulo. Desde essa época até hoje, ele nunca tinha encontrado um bom uso para seu aparato. Já rasgara engradado de cerveja, já abrira diversas garrafas, já rasgou caixas de papelão. Teve uma vez que comprou um que até escrevia, então escreveu algumas linhas.

Na maior parte do tempo, inventava perrengue para usar o maldito. Se ninguém conseguia abrir uma garrafa de cerveja por falta de abridor ou por falta de força, lá vinha ele com um sorriso de canto e um bom motivo para sacá-lo. Quando o fazia, não economizava em tecer predicados ao Suíço.

Muitas vezes o canivete era motivo de chacota. Como um cara, em pleno século XXI, morando na maior cidade da América Latina, precisa de um canivete? “Volta pro mato, seu puto

Nesse vai e vem, se passaram diversos suíços pela sua vida. O com canetinha, o para acampar, para escalar, o de turista. Cada canivete encontrava a sua própria disfunção na cidade grande.

Percebeu então que não adiantava muito comprar canivetes atrás de canivetes. O problema estava na cidade grande. Que vida fútil essa de um Suíço numa metrópole.

A primeira ideia que veio em sua mente era a mais clichê de todas: largar São Paulo, seguir o conselho dos amigos corneteiros e ir para o mato. Escolheu então um pedaço da Bahia, mais especificamente a Chapada Diamantina e passou 40 dias por lá. Até rolou uma empatia, mas não era amor. O Suíço cortou galhos, ajudou em fogueiras, mas ainda se sentia um peixe fora d´água naquelas terras.

Até que, numa tarde de domingo, dessas que nada se espera, a não ser o medo de uma segunda feira cheia de futilidades, ele desceu para Paraty e se deparou, pela primeira vez, com um veleiro. Descobriu que ter um veleiro dava trabalho pra caramba. Que era como ter uma casa cheia problemas clamando por um eterno consertar. Só que, detalhe, consertaria tudo com vistas paradisíacas.

Não teve dúvidas, fechou o negócio na hora. Depois disso se mudou para o veleiro e começou a fazer planos de dar a volta ao mundo. E a vida do Suíço nunca mais foi a mesma. Simplesmente passou a fazer sentido.

suico02


Se você quiser participar das publicações do Faniquito com suas histórias, curiosidades e dicas de viagem (e não importa o destino), é só entrar em contato com a gente por esse link. Todo o material deve ser autoral, e será creditado em nosso site.

Brasil

São Paulo, da Cantareira

6 de abril de 2015

“Da primeira vez em que fomos lá, em dezembro de 2012, se não me engano o Shin tinha lido sobre esse passeio em algum blog ou matéria. Só que a gente foi meio no escuro, tanto que nem levamos comida e tal… chegamos no laguinho, ficamos 40 minutos e voltamos. Mas a gente sempre ficou com isso em mente: a gente precisa voltar com um grupo legal pra fazer um piquenique”.

Foi assim que a Van (que já escreveu por aqui, e possivelmente aparecerá outras vezes logo mais) justificou a convocação para o passeio desse final de semana: uma subida até a Pedra Grande, no Parque da Cantareira, e um piquenique mais adiante. Aproveitar a cidade num feriado é sempre um bom programa em São Paulo – se você souber como fazê-lo.

Então fomos em sete: a Van e o Shin, eu e a , a Jan, o Moraes e o Klein. Devidamente reunidos pelo caminho e agrupados no metrô Santana por volta das 10h, seguimos dali até o acesso à trilha, feito a partir do Núcleo Pedra Grande, no Parque Estadual da Cantareira.

Todo mundo é digno até a subida começar.

Todo mundo é digno até a subida começar.

A chegada ao parque é bem tranquila (pode ser feita de carro ou ônibus numa boa). Estacionamos numa rua próxima à entrada, e de lá seguimos. O acesso ao Núcleo Pedra Grande custa R$ 12 (somente em dinheiro – crianças menores de 12 anos, adultos com mais de 60 anos e pessoas com deficiência não pagam, estudantes pagam meia-entrada). Diz-se que o preço para estacionar por perto é de R$ 6, mas paramos de graça duas ruas abaixo, e ninguém nos perturbou. O parque fica aberto das 8 às 17h.

A Van nos contou que o acesso à Pedra Grande podia ser feito de carro, mas com o tempo sua entrada foi proibida, sendo permitido somente o acesso à pé. A trilha tem ao todo 9,6km (ida e volta), contando o desvio para a Pedra Grande e a área de piquenique, e constitui-se basicamente de subidas na ida, e descidas na volta (sendo somente a última perna desse trajeto – justamente o acesso à área de piquenique – feita de forma inversa). Portanto, prepare as pernas assim que entrar no parque.

Faça seu alongamento e seu xixizinho antes da subida :)

Faça seu alongamento e seu xixizinho antes da subida 🙂

A boa notícia é que essa subida, apesar de possuir alguns trechos bastante íngremes, é relativamente tranquila. O primeiro trecho – e o mais extenso – dá acesso à Pedra Grande. Ele é todo asfaltado, e sombreado pela Mata Atlântica, o que ajuda muito na subida, e deixa o passeio mais gostoso. Existem algumas áreas planas intercalando o trajeto, ótimas para retomar o fôlego, e tomar um gole d’água. Sim, leve água (dica óbvia para qualquer caminhada, mas cuja lembrança é sempre pertinente). O tempo estimado de trilha é de duas horas, e é um programão pra quem está começando – são poucos os desníveis, e com calma até os mais despreparados são capazes de vencê-la.

A trilha é bem tranquila, mas subida é subida...

A trilha é bem tranquila, mas subida é subida…

...e ela devagarinho vai te fazendo suar.

…e ela devagarinho vai te fazendo suar.

Subimos “acompanhados” de um grupo de italianos, cruzamos com vários japoneses descendo a trilha, e em nossa chegada não foram poucos os idiomas que permeavam o ambiente. Não resistimos a conhecer os parques alheios quando nos afastamos de casa, e o mesmo acontece por aqui. Mas antes de falar da área de piquenique, um pouco mais sobre a subida.

Alguns trechos são mais puxados, mas vale a pena.

Alguns trechos são mais puxados, mas vale a pena.

Chegando na Pedra Grande, o visual arrebata – e nem poderia ser diferente. São Paulo do avesso é um visual difícil de ser comparado a qualquer outra coisa no mundo. O horizonte de prédios e relevos geométricos da cidade corta a paisagem de lado a lado, apoiado numa cama verde – justamente a divisão entre a cidade e a pedra onde estávamos sentados. É um visual incrível mesmo… e a sensação é de poder “diminuir o volume” daquele monstro ali adiante, pra poder admirá-lo com calma. Um barato. Pouco adiante, no Museu da Pedra Grande, existe outro mirante. E de lá essa visão fica ainda mais ampla.

São Paulo logo ali, gigantesca como sempre.

São Paulo logo ali, gigantesca como sempre.

Mas desse ângulo impressiona ainda mais.

Mas desse ângulo impressiona ainda mais.

E não termina.

E não termina.

Informação bizarra: tem sinal de celular lá em cima.

Seguimos em direção à área de piquenique – nesse momento o asfalto dá lugar à terra. Poucos metros adiante, uma placa sinaliza o final de São Paulo e o início de Mairiporã. Mais alguns minutos de descida, uma paradinha numa casa com acesso proibido – cujo aspecto em si já basta pra afastar caras como eu, e chegamos ao nosso destino.

Seguindo adiante, deixamos São Paulo pra trás.

Seguindo adiante, deixamos São Paulo pra trás.

A subida agora é de terra.

A subida agora é de terra.

Resident Evil.

Resident Evil.

Tivemos sorte: uma mesa ficou vaga assim que chegamos, e pudemos nos instalar numa boa. Não eram poucos os que haviam se arriscado durante a manhã para chegar ali, mas nem de longe o número de pessoas lembrava aquela invasão paulista ao Ibirapuera, Villa-Lobos ou afins durante qualquer final de semana com sol. Famílias inteiras, crianças e velhinhos, casais e grupos de amigos dividiam espaço numa bagunça com cara de sábado. Ainda sobre as mesas: não vimos ninguém se estapeando por uma, e aparentemente aquele jogo de War que acontece em praças de alimentação não é uma prática local.

Chegamos :)

Chegamos 🙂

A gente veio aqui pra comer ou pra conversar?

A gente veio aqui pra comer ou pra conversar?

Ficamos próximos ao lago de água esscura, que é recheado de peixinhos. Uns borboletões enormes nos fizeram companhia durante todo o tempo em que estivemos por lá. Pouco depois do lanche, uma pausa pra deitar na grama, tirar um cochilão, umas várias fotos, ou até mesmo encontrar algum amigo, que por acaso teve a ideia de estar no mesmo lugar, no mesmo dia e no mesmo período.

Uma garrafa de vinho quebrou. Embebedamos as borboletas.

Uma garrafa de vinho quebrou. Embebedamos as borboletas.

Obrigado vinho. Obrigado borboletas.

Obrigado vinho. Obrigado borboletas.

Uma visão geral do parquinho.

Uma visão geral do parquinho.

Uma visão mais de perto :)

Uma visão mais de perto 🙂

Além do playground e das mesas, existem banheiros masculino e feminino – ambos muito bem cuidados, com papel (e rolinho extra) inclusive. Reabastecemos nossas garrafinhas d’água nas torneiras do banheiro, e numa biquinha próxima ao lago, cuja existência só notamos pouco antes de ir embora. Saímos de lá por volta das 16h, e nosso caminho de volta demorou uma hora redondinha, coincidindo com o horário de fechamento do parque.

Sim, água. Na Cantareira.

Sim, água. Na Cantareira.

Sossego e tranquilidade. As piadas e a infâmia não saíram nessa foto.

Sossego e tranquilidade. As piadas e a infâmia não saíram nessa foto.

Um fim de tarde maiúsculo.

Um fim de tarde maiúsculo.

Um passeio como esses às vezes gera certa desconfiança: “Mata Atlântica em São Paulo? Se eu quiser ver árvore passeio no Ibirapuera“, algum ranzinza pode dizer; “Trilha asfaltada? Não tem nada de natural nisso“, é o discurso que pode sair da boca de outro reclamão. Não amiguinhos, é bem diferente disso. Um passeio desses pode funcionar como uma pontadinha de esperança na gente, que anda tão desanimado com tudo por aqui – sim, tomamos água na Cantareira, respiramos um ar mais que puro, tomamos sol, curtimos silêncio, aproveitamos a cidade passeando entre as árvores – um verdadeiro disparate. É bom… esperança sempre é bom. E o passeio, mais que recomendável.

Brasil

A grama do vizinho

12 de janeiro de 2015

Budapeste é uma das cidades mais impressionantes que já visitei. Durante todo o tempo que estive lá fiquei perplexa com as paisagens que a cidade oferece.

De um lado o Castelo de Buda, de outro a Chain Bridge e mais pra frente o Parlamento. Por um tempo considerei a ideia de morar ali, ter a oportunidade de ver essa cidade linda todos os dias, me sentir minúscula perto de tantos prédios gigantescos e cheios de história, de ficar embasbacada todos os dias ao passar por uma mesma rua.

Ah... o Parlamento <3

Ah… o Parlamento <3

Mas será que isso é possível?

Quando digo “Budapeste”, sinta-se à vontade para trocar o nome da cidade por qualquer outra: Praga ou Viena, que têm tantos prédios históricos quanto Budapeste; Dubrovnik com suas muralhas gigantescas e suas ruazinhas estreitas e lotadas; El Chaltén, que tem no seu quintal o Fitz Roy, absurdamente lindo e imponente; Rio de Janeiro com o Pão de Açúcar e a sua vista maravilhosa; São Paulo com suas… ahm… seu… hmmm… seus prédios intermináveis? Seu bolsão de poluição no céu?

Que céu poluído mais bonito!

Que céu poluído mais bonito!

Essa história de morar em Budapeste e ver tanta beleza todos os dias me fez pensar: morando em uma cidade qualquer, fazendo parte do seu cotidiano, mergulhada na sua rotina, é possível prestar atenção no que a sua cidade realmente te oferece? Não estou falando de coisas pra fazer, de lugares para comer, isso todos nós sabemos e estamos procurando conhecer cada vez mais. É possível olhar a sua cidade com os olhos de alguém que vê uma cidade pela primeira vez, por exemplo? É possível andar pela mesma rua todos os dias e não deixar que a paisagem vire somente um cenário, daqueles que você sabe que está lá simplesmente porque sempre esteve ali, e sempre vai estar?

Nasci em São Paulo, mas me mudei para o interior e por lá fiquei durante alguns anos. Nós morávamos relativamente perto da capital, então vínhamos pra cá várias vezes. Lembro de chegar em São Paulo uma vez, e em pleno dia útil pela manhã a Avenida Professor Francisco Morato estava toda livre (coisa que não se vê mais hoje em dia). Andar por aquela avenida gigantesca vendo uma cidade completamente diferente da minha me fez achar tudo aquilo muito novo e divertido. Voltamos a morar em São Paulo e depois de algum tempo (não muito) me acostumei de novo com a cidade. Acostumei tanto com a cidade a ponto de voltar da nossa última viagem achando que São Paulo não é uma cidade turística, e que não oferece paisagens impressionantes pra quem chega aqui. Que o caos do cotidiano é tão intenso que, como pode alguém querer conhecer essa cidade quando se tem o Rio de Janeiro, cheio de praias e belezas naturais, um pouquinho mais pra cima?

Foi nesse contexto que me propus a prestar atenção no que está ao meu redor. Cheguei em São Paulo decidida a dar uma chance pra esse lugar tão cinza e hostil. Confesso que é uma tarefa difícil quando se está parada no trânsito em um carro sem ar condicionado, ou então de pé num ônibus lotado, mas a experiência tem sido gratificante.

É olhar com carinho que a cidade retribui.

É olhar com carinho que a cidade retribui.

Por exemplo, existe um prédio na Marginal Pinheiros que integra de uma forma espetacular a tal “parede viva” com uma fachada espelhada e imponente – coisa que nunca vi em nenhum outro lugar. Sempre achei que as praças de São Paulo não eram usadas, mas duas ruas atrás de onde trabalho tem uma pracinha cheia de sombras, muito gostosa pra sentar, descansar e tomar coragem antes de voltar pra labuta. Me descobri uma fã dos prédios espelhados e acho que um bom paisagismo faz desses prédios um multiplicador de paisagens bonitas e céus azuis cheios de nuvens. As belezas estão aí pra quem quiser vê-las, não são tão óbvias quanto as de Budapeste, e às vezes não têm tantas histórias quanto as de lá, mas achar beleza no meio do caos está me parecendo recompensador.

Umas das grandes vantagens de viajar é que chegar num lugar novo te faz enxergar com outros olhos, te faz aceitar coisas novas, experiências diferentes. E conseguir trazer esse olhar e essa abertura pra sua vida cotidiana… aí que a coisa toda se torna enriquecedora.

Nuvenzinhas x 2

Nuvenzinhas x 2