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Santa Elena de Uairén

Venezuela

Uma saga chamada Roraima (6/6)

12 de abril de 2016

Com muita tranquilidade, acordamos para nosso último dia no Monte Roraima. Voltar a dormir na primeira base foi um misto de alívio e realização, uma vez que havíamos sim vencido o gigante, e toda dor dali em diante faria parte do preço pela aventura. Podíamos lidar com isso. Além do mais, havíamos tomado banho após longos dois dias e meio, e a sensação de ares renovados ultrapassava qualquer explicação que eu seja capaz de dar.

Pro meu azar, o café da manhã era omelete (eu não como ovo). Não lembro qual a opção que havia naquele momento, mas sei que havia uma, e tomamos nosso café da manhã sem pressa. Arrumamos nossas coisas, e a última coisa a ser feita foi calçar as botas pela última vez. Os pés estavam machucados demais, e seriam mais 13 quilômetros naquela condição. Mas botamos a mochilinha nas costas e seguimos.

Sem a pressão da descida, fizemos o caminho de volta sem atropelos. Com o corpo já aquecido, as dores aumentaram e o cansaço não tardou a aparecer. Mantivemos nosso ritmo (que era lento, mas constante) e seguimos adiante, com rápidas pausas pra água e algum descanso. O visual da manhã era lindo, e o tempo ainda ameno nos ajudava.

Não é todo dia que essa é sua paisagem matinal.

Não é todo dia que essa é sua paisagem matinal.

Com o calor aumentando, o restante do grupo se distanciou e novamente restamos apenas nós dois. Caminhávamos lentamente no trecho final, e já nos últimos metros, quando existiam subidas e descidas, tomamos todo o cuidado do mundo para não aumentarmos ainda mais os problemas físicos que vínhamos acumulando pelo caminho: as articulações estavam doídas, as costas pesavam e a respiração não era fácil – mas tudo isso devido à nossa total falta de preparo para a aventura. Quando avistamos a entrada do parque, fomos tomados de uma alegria tão grande que a única coisa que pensávamos naquele momento era “vamos chegar”. E chegamos.

Assim como ocorreu durante nossa chegada ao Roraima, o grupo todo nos aguardava e comemorou nossa vitória. Eu segui direto pro banheiro, onde tomei um banho na pia e fiz aquele xixi na alvenaria que há quase uma semana não fazia. Quando voltei, a Dé estava encostada, com a pressão caindo. Corri em direção ao Ricky, e ele ainda mais rapidamente foi socorrê-la. Puxou do bolso um vidrinho com extrato de cânfora e fez a pequena ressurgir numa fungada só que ela deu. Os jipes chegaram na sequência, e ele ordenou que ela fosse a primeira a entrar, e ficasse próxima dele durante nossa volta. O mesmo guia que havia me recomendado não subir, que tirou um sarro com a nossa cara na noite anterior e que salvou a pele da Dé em nossos últimos momentos por lá. Um cara legal, o Ricky.

Crentes que seríamos levados direto pro hotel em nossa volta, qual não foi nossa surpresa quando o jipe tomou o sentido contrário na rodovia principal e seguiu adiante. Pouco depois, o dito parou num restaurante de beira de estrada. Nosso fechamento seria UM ALMOÇO. COM CERVEJA GELADA. E COCA-COLA GELADA.

Sério povo, vocês não imaginam o que é aproveitar um momento.

Apesar de ter mais gente na foto do que no nosso grupo, é essa nossa segunda e última foto conjunta na até o momento maior aventura das nossas vidas.

Apesar de ter mais gente na foto do que no nosso grupo, é essa nossa segunda e última foto conjunta na até o momento maior aventura das nossas vidas.

Enfim, relaxamos. Devidamente comidos, agora sim seríamos deixados no albergue do Backpackers (que era vizinho ao nosso, ou seja, fomos deixados na porta do nosso destino). Mochilinhas e mochilões desembarcados, a primeira providência foi um banho de chuveiro. E que coisa linda é essa coisa de chuveiro, não? Ventilador no teto. Uma cama macia. Um teto sobre a cabeça. A gente valoriza tudo depois de não ter nada, e que diferença é nossa cabeça apenas uma semana depois. Do grupo, alguns amigos permanecem em contato com a gente até hoje, e de tanta dificuldade carregamos as melhores lembranças – principalmente, porque as dores passam. No corpo, na vida… só fica o que é bom.

E é por isso que a gente viaja.

Gastronomia

Quem tem boca…

20 de outubro de 2015

O princípio fundamental de qualquer viagem é experimentar. É fato: estando fora de casa, queremos fazer, experimentar ou viver algo diferente. Mesmo as viagens mais cômodas e sossegadas pedem por esse ar de “coisa nova”, seja ela uma bebida, um prato, um banheiro, uma cama, ou mesmo um horário diferente do que nos acostumamos a acordar todos os dias. Pra fazer o de sempre, melhor ficar em casa… certo?

Eu e a Dé nunca cozinhamos nos albergues em que nos hospedamos. Nada pessoal, muito menos preconceito, mas das nossas necessidades (de casal, e mesmo pessoais) experimentar a comida local é tão importante quanto conhecer um novo lugar – e disso a gente não abre mão. Respeitamos e admiramos aquela galera que passa toda uma viagem na base do pão Pullmann e miojo, mas nas contas que fazemos antes de viajar, poder comer sem se preocupar é uma de nossas diversões. E pra que possamos fazer isso da forma mais bacana, preferimos experimentar o que estiver na frente. Nem sempre a gente se deu bem fazendo isso, mas temos boas histórias pra contar:

Ovos romenos

Estávamos no Caru’ cu bere – um dos restaurantes mais antigos e tradicionais de Bucareste (e que será tema de texto mais pra frente). Chegamos cedo, querendo tomar um café da manhã antes de sair pra conhecer a cidade. Sendo um verdadeiro ponto turístico, todos os funcionários falam inglês. Pedimos o cardápio, e ele veio – todo bilíngue, exceto nos pratos do café da manhã. Podíamos perguntar para a garçonete, mas preferimos valer o risco e pedir pela beleza estética das palavras em romeno. A Dé ganhou dois ovos. Eu, um omelete com chá. Eu não como ovo, então a Dé acabou comendo omelete com ovos, e eu fiquei só no chá (minha hora do almoço foi, por consequência, selvagem).

Ovolândia, e o melhor chá da vida.

Ovolândia, e o melhor chá da vida.

Poderia ter sido uma baita decepção, mas a pequena gostou do prato duplo dela, e eu tomei o melhor chá da minha vida – sem hipocrisia, tava tão bom que eu tive que procurar sabor semelhante no Brasil (e o que mais se aproximou foi o vermelhinho da Twinings).

Sim: um chá britânico com gostinho de Romênia :)

Sim: um chá britânico com gostinho de Romênia 🙂

Trocando em miúdos

Em nossa primeira viagem à Argentina, abrimos mão de experimentar a parrillada por pura falta de dinheiro/estômago. E se você não sabe o que é parrillada, a gente explica:

“A parrillada permite provar diferentes partes da vaca. Esta refeição geralmente começa com uma salsicha e chouriço, antes da chegada da carne principal. Ela também pode ser acompanhada de rins, pâncreas, fígado e tripas de gado. Frango e porco esporadicamente também estão inclusos.”

Quando voltamos pra lá, virou dívida pessoal. Acabamos nos metendo numa Parrilla (um restaurante especializado em parrillada) na cidade de Ushuaia. Um baita frio, uma baita fome, respiramos fundo e pedimos a criança. O restaurante estava lotado, e havíamos tido uma breve aula sobre o que viria naquele prato com meu sogro.

Nada te prepara pra uma intimidade tão grande com a vaca.

Nada te prepara pra uma intimidade tão grande com a vaca.

Com a parrillada na mesa, o caminho era sem volta: experimentamos um a um aqueles cortes bizarros de carne, com consistências e cores estranhas. Não dá pra dizer que detestamos, muito menos que amamos – apenas riscamos uma pendência da nossa lista pessoal, e sobrevivemos sem grandes dores àquele jantar esquisito.

Aaaaaaah…alpaca!

Havíamos terminado nosso primeiro dia de passeio em Machu Picchu. Descemos até a cidade, e entramos no primeiro restaurante que vimos na frente (e que nos pareceu entrável – não dá pra deixar o estômago falar na frente do cérebro sob hipótese alguma). Das opções do cardápio, nos chamou a atenção a carne de alpaca – e acabamos pedindo os quatro pratos iguais. Um prato que chegou lindo como esse da foto, e gostoso de um jeito muito difícil de se imaginar. Fomos embora de bucho cheio, e morrendo de saudade dessa carninha. Quando eu e a Dé voltamos pro Perú – em Lima – pedimos alpaca novamente, e ficamos sabendo que só servem a coitada em Cusco e arredores. Ou seja, foi realmente um prato típico e muito difícil de se encontrar em outro lugar. Ah… você não sabe o que é alpaca?

Alpaca: sua gostosa.

Alpaca: sua gostosa.

É esse bichinho simpático da foto lá do topo, que abre nosso texto de hoje. Pois é: por mais fofo que seja, na hora da fome a gente quer mesmo é dentar uma coisa suculenta. Dessa coisinha bonitinha comemos esse medalhão, espetinho e até pizza. Alpaca: experimente.

O desafio da arepa

O café da manhã na Venezuela era um verdadeiro desafio: Santa Elena de Uairén sofria com o desabastecimento (assim como ocorre com todo o país), e queríamos porque queríamos experimentar a tal arepa, que é um prato bem comum e típico do país. Fomos a um restaurante chamado La Arepera, crentes que conseguiríamos degustar o tal quitute. Porém, o garçom era mais atrapalhado que qualquer outra coisa, e depois de pedirmos duas arepas e dois sucos de laranja, recebemos dois tostex e duas Coca-Colas. Essa foi a reação da Dé ao ocorrido:

Arepa e suco? Não... tostex e Coca-Cola.

Arepa e suco? Não… tostex e Coca-Cola.

La Embajada: quem vê cara...

La Embajada: quem vê cara…

...não vê coração. Nem arepa :)

…não vê coração. Nem arepa 🙂

Foi num cantinho chamado La Embajada que encontramos nossa arepa… e que troço bom a tal massinha de polenta frita com recheios variados (no caso, nem tão variados, mas muito gostosos). Nossos cafés da manhã na cidade consistiam de arepas e sucos enquanto estivessem disponíveis (e mesmo comendo como se fosse um almoço, o valor nunca ultrapassava dez Reais PARA AMBOS). Ganhou um lugar especial no nosso coração.

Traumas ou delícias: tudo vira história. Então deixe seu medo em casa, e vá experimentar os sabores do mundo sem medo 🙂

Brasil, Dinheiro, Venezuela

Monte Roraima: como faz?

9 de fevereiro de 2015

Agora que já contei sobre minha relação de amor e ódio com o Monte Roraima, porque não dar os detalhes de como fazer a viagem? Afinal, quem nunca imaginou chegar lá em cima?

O planejamento da viagem é relativamente simples, e assim como qualquer outra viagem, existem agências que fecham pacotes pra fazer o tour. O problema é que se você comparar os preços desses pacotes com os de se fazer uma viagem por conta, é desanimador. Uma viagem barata acaba saindo pelo dobro – ou até o triplo – do valor. Então resolvemos fazer tudo na cara e na coragem…

Fomos para Boa Vista (RR) de avião. A cidade é relativamente pequena, e até tem alguns tours pra se fazer por lá, mas resolvemos não explorar muito e ir direto pra a Venezuela. Saímos de Boa Vista rumo a Pacaraima na parte da manhã. A fronteira entre Brasil e Venezuela tem fama de não ser muito “confiável” em relação a horários (li relatos de que às vezes fecham pro almoço, e só voltam no dia seguinte), portanto a ideia era chegar por lá ainda pela manhã. Fizemos esse trajeto entre as duas cidades de táxi coletivo. Essa viagenzinha, que leva de duas a três horas, custa uns R$ 35,00 por pessoa (consideravelmente mais barato que a viagem de táxi normal, que sai por volta de R$ 150,00). Uma coisa interessante nesse trajeto é que alguns dos táxis coletivos – especificamente os da Companhia Pacaraima – fazem uma parada estratégica pra banheiro e um lanchinho num restaurante chamado Rosa de Saron, onde é servida a paçoca – coisa linda de Deus…

Tá lá escrito: TEMOS PAÇOCA. E se você pensa que estamos falando de amendoim...

Tá lá escrito: TEMOS PAÇOCA. E se você pensa que estamos falando de amendoim…

...errou feio. Carne, farofa, cebola e água gelada: quem precisa de mais?

…errou feio. Carne, farofa, cebola e água gelada: quem precisa de mais?

Pacaraima é a ultima cidade brasileira, bem na fronteira com a Venezuela. É uma cidadezinha tão pequena que o “caixa eletrônico” do Bradesco é uma mulher atendendo dentro de um mercadinho. As dezenas de táxis que te levam a Santa Elena de Uairén estão concentrados bem do lado da fronteira, só esperando encher o carro pra te levar à cidade. Esse é um trajeto bem mais rápido, de uns 20 minutos, que custa de 2 a 3 Reais.

Bradesco: humanizando o atendimento.

Bradesco: humanizando o atendimento eletrônico.

Já em Santa Elena, nos hospedamos no Hotel Michelle. Ele é bem localizado, perto do centro da cidade, com vários lugares pra comer por perto. Os albergues e pousadas da cidade são basicamente a mesma coisa: meio precários, com um wi-fi bem lento, ventiladores barulhentos e os preços são bem parecidos. Santa Elena de Uairén não é uma cidade turística: não tem muita coisa pra se fazer, nem lugares bonitos para ver, mas serve de base pra praticamente todos os tours do Roraima. De todos esses, a grande maioria sai da frente da Posada Backpackers.

Santa Elena de Uairén é basicamente isso aí durante o dia.

Santa Elena de Uairén é basicamente isso aí durante o dia.

Se você andar um pouquinho pela cidade, vai encontrar várias pessoas oferecendo o tour pro Roraima e/ou pro Salto Ángel. Também existem outras tantas opções e guias independentes, com os quais você pode entrar em contato pelo Facebook ou mesmo por telefone, negociar e fechar o passeio. Resolvemos fazer o nosso com o pessoal do Backpacker Tours, pela estrutura que eles ofereceram. Em outros casos, teríamos que carregar, armar e desarmar a barraca, carregar comida, o preço do carregador seria mais caro, ou ainda teríamos que esperar alguns dias a mais pra fechar um grupo e sair. Enfim… as opções são inúmeras. Mais uma vantagem de fechar com eles foi o Ricky – nosso guia – do qual já tinha ouvido falar muito bem.

Os preços dos tours são bem parecidos em todos os lugares que você pesquisar, assim como a forma que todos eles trabalham. Então, basta achar um lugar que te inspire confiança.

A imagem da confiança.

A imagem da confiança.

Ricky: de amado a odiado, e depois amado de novo. Histórias em breve.

Ricky: de amado a odiado, e depois amado de novo. Histórias em breve.

Um ponto muito importante é o dinheiro. O câmbio oficial atual diz que um Real equivale a mais ou menos 2,27 bolívares venezuelanos. Na época (setembro de 2013) a média era de 1 pra 2,70 ou 2,80. Acontece que o câmbio oficial por lá não quer dizer quase nada. A coisa mais normal do mundo é trocar dinheiro na fronteira, onde o câmbio “paralelo” é o mais favorável. No dia em que chegamos na Venezuela, esse tipo de câmbio era de 1 pra 18. Já no último dia, tinha subido para 1 pra 23. Em uma das pesquisas de preço que fizemos, a mulher responsável pelo tour chegou a ligar para um conhecido na fronteira, e perguntar como estava o câmbio antes de nos passar o valor. Então é bom ficar atento a essas variações.

Pega essa, Eike Batista.

Pega essa, Eike Batista.

Outra coisa importante: a nota mais alta de bolívares é de Bs.F. 100,00. Isso pode ser um problema na hora de trocar o dinheiro, pois você pode ter que contar centenas de notas ali, na fronteira, dentro de um táxi coletivo, e voltar com elas escondidas na cueca, no sutiã ou sabe-se lá onde. A parte boa é que dá um up na sua moral… afinal, quando no Brasil você se sentiria tão rico assim?