Nesses dias gelados, me veio à mente uma recordação pertinente ao Faniquito.
Não havia nascido o Sol quando o guia nos chamou. Um frio monumental, da gente não ter coragem de tirar o cobertor. No meio do deserto faz ainda mais frio, e nosso tour em Potosí estava apenas em seu segundo dia. Havíamos lido relatos escabrosos sobre o alojamento em que ficamos durante a noite anterior, e sobre o frio que o acometia: “quase tive um edema“, foi a frase mais chocante que lemos, e que viraria uma piada dali em diante… afinal, as paredes eram bem sólidas, e havia um corredor (fechado e bem protegido) que separava o exterior dos nossos quartos. As camas não eram um primor, mas longe de serem desconfortáveis a esse ponto, e as mantas eram suficientemente grossas e pesadas pra proteger qualquer ser humano daquela temperatura.
Não tomamos banho, pois era impossível. A energia do lugar estava desligada, e o chuveiro não esquentava. Escovar os dentes já era desafio suficiente, mas que aceitamos. Pessoas com dentes sensíveis não devem fazer o mesmo, pois a água de fato é geladíssima. Poucos minutos depois estávamos prontos pra levantar acampamento. O café da manhã não seria ali.
O tour pelo Salar de Uyuni – a maior planície de sal do mundo – leva normalmente de 4 a 6 dias. Entre as diversas áreas do parque (que estarão por aqui em textos futuros, inclusive falando do próprio Salar), existem esses acampamentos. Assim como acontece no Atacama – vizinho ao Uyuni, no Chile, é impossível visitar tudo em somente um dia. No nosso caso, um tour de 4 dias teve que cabem em 3, por motivos de ônibus quebrado. Assim sendo, não tínhamos muito tempo a perder.
Saímos do acampamento em direção às águas vulcânicas, que ficavam a mais ou menos 20 minutos dali. O sol que nascia lentamente deixava mostrava a mistura de gelo e terra em nosso caminho. Com um cenário desses, e ainda cheios de sono, é de se imaginar a dificuldade em conceber um banho ao ar livre: quem em são consciência vai arrancar suas jaquetas e agasalhos pra encarar uma coisa dessas? Mas assim que chegamos nas piscinas naturais, um ímpeto de coragem tomou conta da Dé e da Mel.
– Vamos? (Dé)
– Vamos! (Mel)
– Vamo, né… (eu, obviamente).
Tiramos a roupa na picape. Minha mãe não acompanhou o furor de juventude, e preferiu se poupar dessa. O caminho do carro até as piscinas é uma coisa que dói na alma – aquele vento frio te corta feito gilete, e você se sente meio imbecil correndo de roupa de banho numa temperatura que você não pensa em enfrentar sem 20 camadas de tecido. Mas ao colocar o pé na água, todo o desconforto vira alegria, e você acaba desacreditando no quão possível é a natureza te entregar mais um presente num ambiente aparentemente tão inóspito.
Aproveitamos aqueles 15, 20 minutos da forma mais plena possível. Obviamente esquecemos a câmera fotográfica no carro, e a mula aqui teve que sair correndo da piscina pro carro, e do carro pra piscina, soltando fumaça de choque térmico numa das cenas mais bizarras e engraçadas da minha vida. Mas registramos, mesmo que precariamente, aquele momento tão divertido. Assim que terminamos nosso banho (que serviu também como banho de fato – mesmo sem sabonete), fomos enfim tomar um café da manhã bacanudo e recompensante na casinha que fica ao lado das piscinas. O sol havia saído e o frio da manhã aos poucos dava lugar a um calor aconchegante. Agora sim estávamos prontos para começar o dia.
Esse tour tem diversas histórias. Logo mais a gente publica outra 🙂