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Plitvice

Croácia

Zadar, quase sem querer

23 de março de 2015

Do itinerário definido em nossa viagem pelo Leste Europeu, um determinado trecho era razoavelmente problemético: Chegaríamos na Croácia por Zagreb, e de lá seguiríamos para Dubrovnik. Um trecho de 600 quilômetros, que a princípio faríamos em um dia… mas convenhamos: quem em santa consciência quer passar um dia inteiro dentro de um ônibus? Apesar da distância ser a mesma entre São Paulo e Rio de Janeiro, não iríamos pela Dutra. Os ônibus que percorrem esse trecho o fazem com diversas paradas, pra subida e descida de passageiros. Além disso, não sabíamos qual a qualidade do ônibus, ou mesmo da estrada (preocupações que posteriormente se mostraram bastante fundamentadas, mas isso é assunto pra outro texto). Conclusão: resolvemos cortar esse trajeto em três partes: o primeiro iria de Zagreb ao Parque Nacional Plitvice (onde passaríamos o dia em visita); ao final da tarde, percorreríamos o segundo trecho, de Plitvice a Zadar, onde passaríamos a noite, e visitaríamos durante o dia seguinte; à noite, viria o terceiro trecho, entre Zadar e Dubrovnik, que faríamos de madrugada, dormindo (em teoria – a prática não foi bem assim, mas quando falarmos de Dubrovnik a gente conta o que aconteceu).

Nosso texto de hoje trata da segunda perna dessa viagem. Mais especificamente, sobre Zadar.

Nosso texto fala sobre esse trecho em destaque, de uma viagem gigante, antes planejada pra ser feita num dia só.

Chegamos na cidade no início da noite, e na rodoviária mesmo acabamos pedindo nosso primeiro cevapi da viagem (um sanduíche bem do gostoso, e uma espécie de kebab em forma de salsichinhas – sim, parece um sanduíche de cocô). Com o wi-fi da lanchonete, vimos onde estávamos, pedimos um táxi e fomos direto pro apartamento que havíamos alugado. Porém, acabamos ficando em um quarto ainda melhor, uma vez que o que reservamos teve sua chave roubada (!) pelas hóspedes anteriores. O dono do lugar promoveu nosso alojamento, e acabamos ganhando cozinha e banheiro exclusivos sem custo adicional. Melhor primeira impressão, impossível.

Parece cocô, mas é bem gostoso.

Parece cocô, mas é bem gostoso.

E depois de jantar, o descanso dos Deuses.

E depois de jantar, o descanso dos Deuses.

Apresentado o tema, vamos à cidade, que desbravamos durante o dia seguinte.

A Dé disse que “só estaria na Croácia de fato quando visse o Mar Adriático” (ou seja, pra ela Zagreb não valia como Croácia). Assim sendo, chegamos enfim à Croácia quando avistamos a marina. Seguindo adiante, chegamos à cidade antiga, e por lá ficamos durante todo o dia. Existem duas atrações em Zadar que são amplamente difundidas, e que atraem visitantes do mundo todo: o Morske orgulje – o “órgão marítimo“, uma estrutura que toca música (mesmo) com o impacto das águas do Mar Adriático, e o Pozdrav Suncu – a “saudação ao Sol“, outra estrutura que fica logo ao lado, e à noite é iluminada por centenas de lâmpadas coloridas. Logo na chegada – por esse caminho que fizemos – demos de cara com as duas.

Com o mar ali do lado, já vale como Croácia :)

Com o mar ali do lado, já vale como Croácia 🙂

Mas antes de falar delas, falemos do Centro Histórico. O passeio em si não é muito demorado, pois ele é composto de poucas ruas mais largas, e outro punhado de vielas mais estreitas. Porém, tanto as ruínas como os prédios são de cair o queixo. Zadar é uma cidade antiquíssima (constam registros de vida na região que datam da pré-história), e alguns pedaços dessa história continuam imponentes e lindos, como os pequenos fragmentos das colunas que faziam parte do Fórum Romano (século II), e a Igreja de São Donatus (século IX). Além disso, a própria composição do Centro, pavimentado com pedras claras e brilhantes, detalhes nas paredes e o ambiente nas vielas deliciam os que passam por lá. Um local absolutamente encantador.

Zadar tem uma cor predominante: o bege.

Zadar tem uma cor predominante: o bege.

E isso não é nenhum demérito, pois a cidade fica ainda mais charmosa desse jeito.

E isso não é nenhum demérito, pois a cidade fica ainda mais charmosa desse jeito.

As colunas, datadas do século II. Do tempo em que o mundo nem redondo era.

As colunas, datadas do século II. Do tempo em que o mundo nem redondo era.

Sete séculos depois, a Igreja de São Donatus.

Sete séculos depois, a Igreja de São Donatus.

Alguns detalhes que não desmentem...

Alguns detalhes que não desmentem…

...a idade e a beleza de Zadar.

…a idade e a beleza de Zadar.

Almoçamos em um dos restaurantes indicados pelo proprietário do apartamento onde ficamos. O Bruschetta (http://www.bruschetta.hr/en/) é enorme, com mesas externas e uma baita vista do Adriático. Além da cerveja – e da bruschetta, obviamente – pudemos experimentar um dos pratos mais gostosos e vistosos de toda a viagem: camarões gigantes, filés de atum, lulas, peixe branco e mariscos. Uma verdadeira e deliciosa sacanagem. Chegue cedo se quiser sentar sem precisar pegar fila.

Aquele azul ali é o Mar Adriático. Nos sentimos chiques.

Aquele azul ali é o Mar Adriático. Nos sentimos chiques.

Chiques e ogros. E felizes.

Chiques e ogros. E felizes.

Durante a tarde passeamos sem rumo. Algumas banquinhas de artesanato, lojinhas pequenas, outras nem tanto, e em pouco tempo você já passeou por todo o Centro. Pelo caminho, diversos grupos de turistas, mas em grupos bem menos numerosos do que veríamos posteriormente em Dubrovnik, o que garante um passeio tranquilo e sem multidões pelo caminho. Fomos então ao Morske orgulje. O mar estava suficientemente agitado para que pudéssemos presenciar e constatar aquilo que nos parecia exagero anteriormente: de fato, Zadar toca música com as águas do Adriático. As pessoas ficam sentadas nos degraus do órgão, e ninguém se importa de vez ou outra se molhar um pouco. A trilha sonora pra tarde estava escolhida, e era de fato maravilhosa.

A alameda que ladeia o Adriático. Ao fundo...

A alameda que ladeia o Adriático. Ao fundo…

...encontramos "o tecladinho de Zadar".

…encontramos “o tecladinho de Zadar”.

Enquanto acompanhávamos a saída de um transatlântico, que estava atracado no porto, próximo ao Pozdrav Suncu, a tarde aos poucos se despedia. O painel principal montado no chão emula a proporção entre o Sol e os planetas – também representados tanto em distância quanto em tamanho pela alameda que ladeia o Centro Antigo.

Um pouco antes do Sol se pôr, a notória alegria de um dia incrível.

Um pouco antes do Sol se pôr, a notória alegria de um dia incrível.

No detalhe, os planetas espalhados pela orla. A foto foi tirada de cima...

No detalhe, os planetas espalhados pela orla. A foto foi tirada de cima…

...do painel que representa o Sol. E agora vocês entendem o porquê.

…do painel que representa o Sol. E agora vocês entendem o porquê.

Foi-se  a tarde, e o transatlântico.

Foi-se a tarde, e o transatlântico.

Pouco depois da saída do navio, não havia mais luz natural. “Ligaram o Sol”, e o Zadar ganhou mais um espacinho em nosso coração com aquelas luzes coloridas, que dançavam desordenadamente, enquanto as pessoas passeavam sobre o painel. Tivemos nosso momento por lá, e ficamos ainda mais encantados. É algo extremamente simples, sem pirotecnias ou adereços desnecessários. Mas é bonito, muito bonito.

Tiramos nossa casquinha das luzes noturnas, daquele enorme Sol.

Tiramos nossa casquinha das luzes noturnas, daquele enorme Sol.

Às vezes a gente acha que passou muito tempo num mesmo lugar. Zadar pedia pelo menos mais um dia. Uma cidade deliciosa, delicada e agora, saudosa. Nossa parada para um descanso tornou-se uma das memórias mais latentes da viagem.

Faniquito, Natureza

Natureza: o eterno fator surpresa

23 de fevereiro de 2015

Acho que a grande recompensa de qualquer coisa que a gente planeje minimamente é a correspondência às nossas expectativas. Buscar por algo e conseguir “chegar lá” te completa, e acaba te empurrando pra um novo desafio. É assim com a nossa vida amorosa, profissional e social. E funciona assim também quando estamos viajando. A expectativa pode jogar a favor ou contra, dependendo de como ela habita seus pensamentos e emoções.

Porém, existe um poder maior que sempre – e eu afirmo: SEMPRE – vai além: a natureza. E dela, por mais que se espere algo gigantesco por pura e evidente convenção, sempre vem um chorinho. Seja na estrutura, no clima, na geografia ou na combinação de todos esses fatores, a gente nunca sabe de que maneira será surpreendido. Imagens mentais costumam falhar miseravelmente a cada nova descoberta, o que é muito legal (nesses casos, sem masoquismo).

A gente não é capaz de imaginar essa quantidade gigante de cores num mesmo lugar.

A gente não é capaz de imaginar essa quantidade gigante de cores num mesmo lugar.

Ou ainda que uma paisagem possa parecer uma gigantesca e infinita folha em branco.

Ou ainda que uma paisagem possa parecer uma gigantesca e infinita folha em branco.

Nunca fui o entusiasta-mór desses destinos. Ainda hoje costumo misturar as vontades, buscando alguma cidade primeiro – e que de lá, de repente, se pintar algum lugar pra ver… mas confesso que a Dé é a voz da natureza aqui em casa. No final das contas, é só durante a viagem que eu acabo descobrindo esses destinos naturais – e eles acabam se destacando de tal forma que eu volto pra casa em estado de choque.

Esse fator surpresa é um sentimento que permeia todo e qualquer novo destino. É o que dá sentido a jogar-se no desconhecido, fazer com que a gente se disponha a passar certas dificuldades. Alguns lugares são absolutamente tranquilos e contemplativos; outros desafiam sua saúde, sua disposição e seus objetivos de uma forma implacável. E quando o assunto é enfrentar a natureza, a gente acaba aprendendo muito sobre juízo, e sobre nosso real lugar no mundo (e nosso tamanho ínfimo). Ficar perdido numa trilha, brincar à beira de um abismo, duvidar de certos obstáculos… bem, sua saúde mental pode dar claros avisos sobre o que aquilo é capaz de causar. Possivelmente é esse eterno conflito a minha pedra no caminho em buscar os desafios naturais por conta própria… mas não os recuso, quando eles chegam embrulhados num pacote, para serem abertos a quatro ou mais mãos.

Se sentir um nada, perto de um gigante de gelo do tamanho de uma cidade.

Se sentir um nada, perto de um gigante de gelo do tamanho de uma cidade.

Encontrar gelo, areia, terra, sol e água num mesmo lugar.

Encontrar gelo, areia, terra, sol e água num mesmo lugar.

Não há construção, monumento ou pintura que mexa mais com a gente do que um paredão de gelo azul, uma cachoeira gigante, um deserto branco ou um fim de tarde acima das nuvens. A gente leva um soco na cara quando o mundo – aquele mesmo lugar em que a gente se acostumou a viver todos os dias, e que tem sempre a mesma cara – te mostra a própria grandeza. E a gente apanha, com gosto, porque o danado é bonito demais, e nunca deixa de te surpreender – e corresponder. Não é nenhum demérito achar graça naquele céu que todo dia cobre a sua cabeça, mas que de repente parece estar mais bonito. Ou prestar atenção na grama. Ficar procurando formas engraçadas nas pedras, ou experimentar botar o pé naquela água gelada.

É o que as crianças fazem. E elas normalmente sabem como aproveitar o mundo.

Se cercar de água - esse elemento tão raro e valioso (sabemos bem disso, não?)...

Se cercar de água – esse elemento tão raro e valioso (sabemos bem disso, não?)…

...e entender a hora em que a natureza te fala "chega, vai pra casa tomar um banho e comer alguma coisa".

…e entender a hora em que a natureza te fala “Chega, vai pra casa tomar um banho e comer alguma coisa”.

É de encontro a ela que a gente também acaba confirmando algumas máximas: ela manda, a gente obedece – SIM; não somos donos do planeta, pois mal sabemos a quantidade de coisas que fazem parte dele, e compõem essa imensidão que uma vida não basta pra gente conhecer; e acima de tudo, o quanto a gente é responsável por cuidar bem da nossa casa. Onde quer que você vá, as instruções de “não leve uma pedrinha pra casa”, “não toque nessa parede”, “não mexa nessa coisinha” deixam claro o quanto a nossa passagem por aqui é rápida, e há quanto ela é de fato a responsável por manter a nossa vida vivível. A gente pode aprender um novo idioma, a comer coisas que não está acostumado, a mudar alguns hábitos, mas nenhuma lição é maior do que essa: admirar passivamente, e participar desse tipo de preservação é cuidar de sim mesmo. De quem você ama. De quem você não conhece. E mais do que isso: da nossa casa. De todos nós.