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Perito Moreno

Argentina

Azul

4 de agosto de 2015

31 de janeiro de 2013. Meu aniversário.

Ainda era cedo quando o ônibus parou em frente ao nosso albergue. Ainda vazio, seguimos pelas pequenas ruas de El Calafate recolhendo mais algumas pessoas do grupo do qual a partir daquele momento fazíamos parte. Seguimos pela estrada por pouco menos de duas horas – exatos 78 quilômetros, até a entrada do Parque Nacional dos Glaciares. Uma pausa rápida e providencial para aquela visita básica ao banheiro, e pouco depois, já de volta ao ônibus, seguimos por uma belíssima estradinha em direção ao nosso destino. No rádio do ônibus, por algum capricho divino, os Rolling Stones tocavam. E nos primeiros acordes de She’s A Rainbow, avistamos o gigante azul logo adiante.

Não fazia ideia do que esperar quando a Dé havia comentado sobre o Perito Moreno. Assim que chegamos a Calafate, procuramos logo de cara uma agência (de várias que estão disponíveis na cidade) que oferecesse o passeio. Ainda no escritório, nos foram oferecidos dois tipos de passeio pelo Glaciar: um mini trekking (de aproximadamente uma hora), e o big trekking (que levava de 3 a 4 horas). Pesquisados os relatos de quem havia estado por lá, optamos pelo mini. Uma escolha acertada e totalmente recomendada, como contaremos a seguir.

Saímos do ônibus e pegamos um barco, que nos levaria ao início do trekking. Para tanto, atravessar o rio era preciso, e na embarcação recebemos as primeiras instruções de como proceder no Glaciar. Estaríamos sempre próximos de nossos guias, sendo que o grupo seria acompanhado de dois deles – um no início, um no fim. Seguiríamos o passeio em fila. Todos usaríamos luvas e grampones – aqueles “calçados” que são encaixados debaixo das botas, para não escorregarmos no gelo. Ao desembarcar, um dos auxiliares do tour mandou um “Vai Corinthians” pra mim. Definitivamente, eu estava em casa.

A primeira imagem mais de perto já era suficientemente avassaladora...

A primeira imagem mais de perto já era suficientemente avassaladora…

...e quanto mais perto, mais impressionante era aquele imenso bloco de gelo.

…e quanto mais perto, mais impressionante era aquele imenso bloco de gelo.

Estávamos razoavelmente distantes do Glaciar quando nos reunimos para repassar instruções e saber um pouco mais sobre aquele lugar nas explicações de nosso agora apresentado guia de grupo (dica: o grupo é dividido em dois grupos menores – com guias em inglês ou em espanhol. Grupos de língua espanhola SEMPRE são menores…). Mesmo de longe, o visual já era impressionante. O paredão de gelo possui mais de 20 metros de altura, e sua área total é maior que a cidade de Buenos Aires. É um monstro azul, no sentido literal da expressão, e poucas definições se encaixariam tão bem.

Quando dizemos MONSTRO, não é em sentido figurado.

Quando dizemos MONSTRO, não é em sentido figurado.

Quando dizemos AZUL, também não. Isso não é saturação: é a natureza mesmo.

Quando dizemos AZUL, também não. Isso não é saturação: é a natureza mesmo.

Perto dali, fomos equipados. Pegamos nossos pares de luvas (que não têm nada a ver com frio, mas sim com proteção em caso de queda no gelo), deixamos nossas mochilas guardadas, e colocamos nossos grampones com a ajuda de outros guias. Depois de perguntar pra Dé o que ela fazia da vida, o guia disse: “Eu trabalho aqui, todo dia. Chato né?”… Formamos a fila, e estávamos prontos pra começar nosso mini trekking.

"Eu trabalho aqui todos os dias". Sim amigo: invejamos.

“Eu trabalho aqui todos os dias”. Sim amigo: invejamos.

Mas que não deve ser fácil calçar e caminhar com isso todos os dias, não deve.

Mas que não deve ser fácil calçar e caminhar com isso todos os dias, não deve.

Caminhar no gelo é uma experiência sensorial. E isso aos 33 anos produz um efeito acachapante… os primeiros passos são temerosos e desengonçados, mas pouco depois você pega o jeito e a coisa flui. Todos em fila, começa um sobe e desce divertido, com pausas para explicações geográficas e estruturais – e para um gole d’água, que você pega do chão. E é a água mais gostosa do mundo, saibam.

Hora de subir. De descer. De subir, e descer de novo.

Hora de subir. De descer. De subir, e descer de novo.

Os paredões azuis são impressionantes – quanto mais azul, mais antigo o gelo. Manter a trilha é certeza de segurança, uma vez que existem áreas mais frágeis e algumas crateras que a gente só percebe depois de ser avisado. Não é um lugar pra brincadeira. Com o céu azul, a jaqueta passa a incomodar um pouco, pois a suadeira é garantida. Uma hora naquele ritmo, acredite, é mais do que suficiente. É proibido parar para fotos pelo caminho, a não ser que o grupo também esteja parado – justamente para não atrapalhar o fluxo do passeio. Leve cartões de memória – sim, mais de um, pois uma beleza dessas não é todo dia que a gente vê.

A gente merecia uma selfiezinha nesse fundo azul maravilhoso.

A gente merecia uma selfiezinha nesse fundo azul maravilhoso.

É um passeio puxadinho...

É um passeio puxadinho…

...mas TOTALMENTE recompensante!

…mas TOTALMENTE recompensante!

Uma cratera enorme. Portanto, nada de desgarrar do grupo.

Uma cratera enorme. Portanto, nada de desgarrar do grupo.

Ao final da trilha, um whiskey com gelo que o guia tira do chão ali na hora. E um alfajor, que ninguém é de ferro. Não teria adjetivos suficientes pra qualificar o passeio – que ainda não havia chegado ao fim.

Hora da recompensa (mais uma, afinal) :)

Hora da recompensa (mais uma, afinal) 🙂

Um lanche (que você mesmo leva na mochila, e cujo lixo é levado de volta – nada é fornecido dentro do parque), uma pequena pausa pro descanso, e o barco volta pra pegar o grupo. Dali, alguns minutos de ônibus até a entrada dos miradores, onde um passeio de pouco mais de 30 minutos fecha o tour pelo Perito Moreno. E se você acha que tudo de mais bonito já havia sido visto, preste atenção às próximas imagens.

Sim, é inacreditável.

Sim, é inacreditável.

E também um dos lugares mais bonitos que eu já vi.

E também um dos lugares mais bonitos que eu já vi.

Passear pelo Glaciar Perito Moreno é, no mínimo, transformador. Não é uma recomendação de viagem – é uma ordem, e uma pendência na vida de qualquer pessoa que goste de sair do quintal de casa. Pra se sentir mais vivo, e um presente de aniversário que eu jamais esquecerei.

Faniquito, Natureza

Natureza: o eterno fator surpresa

23 de fevereiro de 2015

Acho que a grande recompensa de qualquer coisa que a gente planeje minimamente é a correspondência às nossas expectativas. Buscar por algo e conseguir “chegar lá” te completa, e acaba te empurrando pra um novo desafio. É assim com a nossa vida amorosa, profissional e social. E funciona assim também quando estamos viajando. A expectativa pode jogar a favor ou contra, dependendo de como ela habita seus pensamentos e emoções.

Porém, existe um poder maior que sempre – e eu afirmo: SEMPRE – vai além: a natureza. E dela, por mais que se espere algo gigantesco por pura e evidente convenção, sempre vem um chorinho. Seja na estrutura, no clima, na geografia ou na combinação de todos esses fatores, a gente nunca sabe de que maneira será surpreendido. Imagens mentais costumam falhar miseravelmente a cada nova descoberta, o que é muito legal (nesses casos, sem masoquismo).

A gente não é capaz de imaginar essa quantidade gigante de cores num mesmo lugar.

A gente não é capaz de imaginar essa quantidade gigante de cores num mesmo lugar.

Ou ainda que uma paisagem possa parecer uma gigantesca e infinita folha em branco.

Ou ainda que uma paisagem possa parecer uma gigantesca e infinita folha em branco.

Nunca fui o entusiasta-mór desses destinos. Ainda hoje costumo misturar as vontades, buscando alguma cidade primeiro – e que de lá, de repente, se pintar algum lugar pra ver… mas confesso que a Dé é a voz da natureza aqui em casa. No final das contas, é só durante a viagem que eu acabo descobrindo esses destinos naturais – e eles acabam se destacando de tal forma que eu volto pra casa em estado de choque.

Esse fator surpresa é um sentimento que permeia todo e qualquer novo destino. É o que dá sentido a jogar-se no desconhecido, fazer com que a gente se disponha a passar certas dificuldades. Alguns lugares são absolutamente tranquilos e contemplativos; outros desafiam sua saúde, sua disposição e seus objetivos de uma forma implacável. E quando o assunto é enfrentar a natureza, a gente acaba aprendendo muito sobre juízo, e sobre nosso real lugar no mundo (e nosso tamanho ínfimo). Ficar perdido numa trilha, brincar à beira de um abismo, duvidar de certos obstáculos… bem, sua saúde mental pode dar claros avisos sobre o que aquilo é capaz de causar. Possivelmente é esse eterno conflito a minha pedra no caminho em buscar os desafios naturais por conta própria… mas não os recuso, quando eles chegam embrulhados num pacote, para serem abertos a quatro ou mais mãos.

Se sentir um nada, perto de um gigante de gelo do tamanho de uma cidade.

Se sentir um nada, perto de um gigante de gelo do tamanho de uma cidade.

Encontrar gelo, areia, terra, sol e água num mesmo lugar.

Encontrar gelo, areia, terra, sol e água num mesmo lugar.

Não há construção, monumento ou pintura que mexa mais com a gente do que um paredão de gelo azul, uma cachoeira gigante, um deserto branco ou um fim de tarde acima das nuvens. A gente leva um soco na cara quando o mundo – aquele mesmo lugar em que a gente se acostumou a viver todos os dias, e que tem sempre a mesma cara – te mostra a própria grandeza. E a gente apanha, com gosto, porque o danado é bonito demais, e nunca deixa de te surpreender – e corresponder. Não é nenhum demérito achar graça naquele céu que todo dia cobre a sua cabeça, mas que de repente parece estar mais bonito. Ou prestar atenção na grama. Ficar procurando formas engraçadas nas pedras, ou experimentar botar o pé naquela água gelada.

É o que as crianças fazem. E elas normalmente sabem como aproveitar o mundo.

Se cercar de água - esse elemento tão raro e valioso (sabemos bem disso, não?)...

Se cercar de água – esse elemento tão raro e valioso (sabemos bem disso, não?)…

...e entender a hora em que a natureza te fala "chega, vai pra casa tomar um banho e comer alguma coisa".

…e entender a hora em que a natureza te fala “Chega, vai pra casa tomar um banho e comer alguma coisa”.

É de encontro a ela que a gente também acaba confirmando algumas máximas: ela manda, a gente obedece – SIM; não somos donos do planeta, pois mal sabemos a quantidade de coisas que fazem parte dele, e compõem essa imensidão que uma vida não basta pra gente conhecer; e acima de tudo, o quanto a gente é responsável por cuidar bem da nossa casa. Onde quer que você vá, as instruções de “não leve uma pedrinha pra casa”, “não toque nessa parede”, “não mexa nessa coisinha” deixam claro o quanto a nossa passagem por aqui é rápida, e há quanto ela é de fato a responsável por manter a nossa vida vivível. A gente pode aprender um novo idioma, a comer coisas que não está acostumado, a mudar alguns hábitos, mas nenhuma lição é maior do que essa: admirar passivamente, e participar desse tipo de preservação é cuidar de sim mesmo. De quem você ama. De quem você não conhece. E mais do que isso: da nossa casa. De todos nós.