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Ollantaytambo

Causos

“Hi Cusco Friends”

4 de janeiro de 2016

Comecemos o (segundo) ano, oras!

E nada mais bacana do que receber durante as comemorações de ano novo um email de um amigo que fizemos na estrada – mais precisamente na montanha, podemos dizer. O Grant é um americano que conhecemos no Peru, durante a visita ao Valle Sagrado, e essa amizade não surgiu por afinidade, muito menos por um papo puxado ou camisa de futebol: o Grant foi o cara que ajudou minha mãe a subir as montanhas de Urubamba e Ollantaytambo, quando num impulso de boa vontade segurou na mão da dita e a levou de lá pra cá como se fossem velhos conhecidos.

Nada como uma mãozinha...

Nada como uma mãozinha…

Convivemos na mesma van durante um único dia, e nem conversamos tanto assim. Porém, ele ficou marcado pela simpatia e boa vontade. Quando nos despedimos, trocamos emails e prometemos nos corresponder – promessa essa que eu nunca botei fé, até o primeiro email dele chegar em nossas caixas postais. Dali em diante, em emails detalhados, cuidadosos e com diversas fotos, pudemos conhecer um pouco mais daquele cara grandalhão que nos trata até hoje como “Cusco Friends“. Algo impensável em situação comum – afinal de contas, quem espera tamanha empatia de alguém que só conviveu com você por poucas horas?

Pois é.

Pessoas legais, viagem legal, um mundo mais feliz. É bem simples.

Pessoas legais, viagem legal, um mundo mais feliz. É bem simples.

Assim como o Grant, algumas pessoas cruzam sua vida por breves momentos e resolvem ficar. É incrível, pois em teoria sua futura indiferença seria perfeitamente aceitável nesse contexto. Mas elas resolvem fazer diferente, e se importam. Foi assim com ele, é assim com a Adriana – nossa instrutora de mergulho, que conviveu com a gente durante um final de semana apenas e hoje podemos chamar de amiga; com a Mercedes, que batalhou os seis dias de Roraima bem à nossa frente, mas que continua se fazendo presente, assim como também nos fazemos para outras pessoas, que não sabemos sequer se veremos novamente. Algumas com um oceano de distância, outras com uma ponte aérea.

Se importar. Estar presente. Conversar um pouco além do trivial, do burocrático. Aproximar. Com esse pequeno e importantíssimo presente que recebemos na virada de 2015 pra 2016 que resolvemos começar nosso ano. Assim como os destinos, descobrir e preservar pessoas faz o mundo ficar muito mais gostoso.

Hi Faniquito Friends!

Causos, Faniquito, Fofuras

Apresentando: o mundo

19 de março de 2015

Dia desses a gente programou uma viagem. Que a princípio seria pra dois, mas que no fim das contas dobrou de tamanho. Viagem que seria um mochilão pesado, com mudanças de altitude, longas viagens em ônibus de procedência duvidosa, algumas correrias, e passeios que exigiam certa resistência física (que nem a gente sabia bem se tinha ou não). Na época, eu tinha 31, a Dé 28, e a Mel – nossa amiga e uma das colaboradoras do Faniquito – tinha apenas 20 anos. O papo começou em 2010, a viagem seria em 2011. E durante a comemoração do meu aniversário em janeiro, me chamam à mesa. Minha mãe vira pra mim, e comunica:

– Eu também vou, viu?*

Tomei um susto, óbvio. A começar pela única informação já relatada em nossos perfis: Paquinha** tinha na época seus bem vividos 62 anos, e teria 63 na viagem. Um histórico de dor nas costas, dor nos pés, dor nisso e dor naquilo. Estatura não muito avantajada, e assim como eu, boa de garfo. Mas todas essas informações perdiam importância perto de algumas outras: minha mãe nunca havia saído do país (ok, eu só havia saído uma, a Dé duas), voado de avião, ou mesmo passado tanto tempo longe de casa. Meu pai havia falecido há seis meses, e achei aquele ímpeto sensacional. Dois segundos depois do susto, topei – e não mais repensei, pois sabia que aquilo seria incrível.

Perder alguém (e nesse caso, alguém tão próximo como meu pai) instantaneamente mudou meu modo de lidar com as pessoas. Imagino que cada pessoa lide com uma situação traumática à sua maneira. A minha foi aproveitar ao máximo dali em diante a tudo e a todos: pelo menos uma vez ao ano tentar rever o máximo de pessoas possíveis (e uso descaradamente meu aniversário pra isso), nunca perder a oportunidade de agradecer, criticar, elogiar ou dividir as coisas importantes da vida, e por aí vai. É coisa minha, e é minha forma de eternizar tudo que meu pai fez por mim também. E durante os meses que se seguiram, eu pensava: “O velho teria orgulho de ver o que a gente vai fazer pela Paquinha“.

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A primeira reunião de turma, no Mercadão.

E o Faniquito surgia mais ou menos nessa época :)

O Faniquito surgia mais ou menos nessa época 🙂

E chegou setembro.

Mochilamos. Primeiro, o vôo de São Paulo – com escala em Santa Cruz de la Sierra, e a primeira correria para pegar a conexão – até La Paz. Chegamos à noite, pegamos um táxi capenguíssima e pouco depois estávamos no albergue. Sim, o primeiro albergue da vida da Paquinha. Encomendamos uma pizza e tomamos uma cerveja no meio do bar. E dali seguiram-se várias experiências, que pipocarão aos poucos por aqui: as ladeiras de La Paz, as folhas de coca, o Paro Cívico, as festividades em Cusco, Machu Picchu, Salar do Uyuni, o ônibus quebrado, o amigo americano, as comidas e bebidas inéditas, o primeiro barco (da vida dela, cruzando o Lago Titicaca), passear no deserto, dormir sem energia e acordar em temperatura negativa…

O primeiro dia de fato fora do Brasil - nesse caso, em La Paz.

O primeiro dia de fato fora do Brasil – nesse caso, em La Paz.

E o primeiro baque de emoção, com um evento local em Cusco.

E o primeiro baque de emoção, com um evento local em Cusco.

O ritmo durante a viagem, obviamente, não era o mesmo que o nosso, mas não estávamos com pressa. Dividimos a bagagem dela, e todo mundo se ajudou – ela também ajudou muito a gente: sim, mãe é mãe em qualquer lugar do mundo (e ela no caso estava provida de um filho original, e duas filhas adquiridas). Várias foram as vezes ela se emocionou (como na foto logo acima). As imagens que a gente se acostuma em casa tomam outras cores nesse novo contexto, e redescobrimos as pessoas. A cada novo lugar, uma informação diferente – e essas novidades desnorteavam a Paquinha: as tecelãs peruanas, as montanhas de Machu Picchu, aquela imensidão do deserto de sal boliviano, as lhamas e alpacas. De repente, outra cidade. Vinte e um dias, que permanecem mais que vivos na memória da gente.

Em Pisac, da mesma sequência da foto que abre esse texto...

Em Pisac, da mesma sequência da foto que abre esse texto…

...e um pouco mais tarde, em Ollantaytambo, dando as favas pra chuva que caía.

…e um pouco mais tarde, em Ollantaytambo, dando as favas pra chuva que caía.

Até hoje a gente fala sobre essa viagem, óbvio. Pelos lugares, paisagens e tudo aquilo que a gente tá acostumado a dividir sempre que se afasta de casa, claro, mas o mais legal é notar a cara de novidade que minha mãe faz toda vez que relembra da aventura. É um prazer absurdo pra gente ter “apresentado o mundo” à Paquinha. Notar que toda aquela lista de coisas apontadas lá em cima desapareceram durante a viagem é um prazer, pois a empolgação a cada novo dia era muito maior que qualquer preocupação – aparentemente ela deixou todos os problemas no Brasil sem avisar a gente, mas como confiamos na véia desde o início, não ficamos surpresos.

Não teve obstáculo pra Paquinha...

Não teve obstáculo pra Paquinha…

...e também não foi só perrengue: por diversas vezes nos demos muito bem.

…e também não foi só perrengue: por diversas vezes nos demos muito bem.

O primeiro barco da vida, após 63 anos. Medo?

O primeiro barco da vida, após 63 anos. Medo?

Eis a resposta.

Eis a resposta.

Portanto, ao final desse texto – e dessas fotos – a gente deixa um conselho pra você, amiguinho ou amiguinha viajante: além da bagagem, leve pra estrada quem você ama: seus pais, filhos, irmãos, primos, amigos (com procedência), a vovó, o vovô e até o cachorrinho. Pense em combinações improváveis – sim, às vezes quem menos se imagina quer fazer algo que a gente num primeiro momento pode achar totalmente descabido, mas pense: uma realização de vida dessas tem preço? Mais que um presente, dividir uma experiência de vida tão marcante como uma viagem, ou um trecho dela?

Não tenha frescuras quando for viajar.

Não tenha frescuras quando for viajar.

Procure sempre as melhores companhias.

Procure sempre as melhores companhias.

Leve sempre um agasalho.

Leve sempre um agasalho.

E não tenha medo do desconhecido. Nem de ser feliz.

E não tenha medo do desconhecido. Nem de ser feliz.

Pois você será.

Pois você será.

Não espere que alguém te faça um pedido desses. Tome a iniciativa, como minha mãe tomou. A experiência de viajar já é suficiente marcante, mas se torna inesquecível quando ela deixa de ser só sua, pra ser também de quem você ama.


* Faniquito não tem idade, galera. Está cientificamente comprovado.

** Paquinha (ou Marilene, pros desconhecidos) é minha mãe, e ela faz aniversário daqui a 3 dias. Uma mãe como poucas, e que eu espero, sirva de espelho pra outras mamães por aí. Achei justo homenageá-la numa data próxima, com um apanhado geral de uma viagem que vai aparecer aqui no Faniquito por diversas vezes. Feliz aniversário adiantado, véia. Que o mundo te abrace (assim como eu pretendo fazê-lo, o mais breve possível). Amo muito você.