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Bolívia

A verdadeira Copacabana

3 de novembro de 2015

Durante nossa passagem pela Bolívia, havia um buraco em nosso planejamento, chamado Copacabana. Aos desavidados, não é um lapso geográfico: acreditem – a cidade boliviana de Copacabana deu nome ao bairro carioca mais famoso do mundo. Está na Wikipédia que “no século XIX, uma réplica local da imagem de Nossa Senhora de Copacabana foi levada por comerciantes espanhóis ao Rio de Janeiro, no Brasil, onde foi criada uma pequena igreja para abrigá-la. A igreja cresceu e acabou por nomear o atual bairro de Copacabana.”

Voltando à nossa experiência: não havíamos planejado absolutamente NADA para a cidade. Como chegar, onde ficar e o que fazer seriam decididos no meio do caminho, e assim foi feito. Ao contrário do nosso relato anterior dessa mesma viagem sobre transportes traumáticos, tivemos a mais agradável das experiências com nosso veículo, cujo trajeto consistia na saída de Cusco (talvez a explicação para tamanha diferença seja a origem peruana do ônibus), uma pausa em Puno (onde muita coisa aconteceu – mas o que acontece em Puno fica em Puno, e em nossas memórias), e de lá a travessia do país até a chegada em Copacabana. Viajamos num semi-leito gostosíssimo, carimbamos os passaportes num lugar bem sossegado e pouco depois desembarcamos na cidadezinha. Um táxi nos levaria ao nosso albergue, localizado poucas quadras adiante.

Nada de Rio de Janeiro: estávamos à caminho da Copacabana original.

Nada de Rio de Janeiro: estávamos à caminho da Copacabana original.

Nada de surpresas também: dessa vez dava pra confiar no ônibus...

Nada de surpresas também: dessa vez dava pra confiar no ônibus…

...e ainda contemplar o Lago Titicaca da janela.

…e ainda contemplar o Lago Titicaca da janela.

Uma explicação rápida sobre o que não será explicado:

Nosso principal intuito na chegada a Copacabana era DESCANSAR. Estávamos emocionalmente exaustos com um desgaste totalmente inesperado que tivemos DURANTE a primeira parte de nosso trajeto, e precisávamos de boas horas de paz e tranquilidade – coisas que são essenciais para que uma viagem valha a pena e deixe saudades, e não cicatrizes. Detalhes sobre o que aconteceu, com quem e seus resultados dizem respeito a quem estava lá, e somente a essas pessoas. Por isso mesmo, pedimos desculpas por essa lacuna.

Copacabana é mais conhecida como ponto de partida para a ilha do Sol – um território inca bastante conhecido, e que movimenta a economia local com o turismo pela região. A cidade em si é minúscula, contando com aproximadamente seis mil habitantes. Sua geografia consiste em ladeiras bastante impiedosas, poucas ruas e simpáticas casinhas de cor terrosa.

Uma cidadezinha cheia de ladeiras.

Uma cidadezinha cheia de ladeiras.

E imagino que possamos dizer que essa é "a verdadeira praia de Copacabana", não?

E imagino que possamos dizer que essa é “a verdadeira praia de Copacabana”, não?

Acabamos não visitando a ilha do Sol, por naquele momento priorizarmos outra coisa – ficaríamos pouco mais de um dia na cidade, e tudo o que queríamos era esvaziar a cabeça e aproveitar aquele novo momento de verdadeiro alívio antes da segunda parte de nossa viagem. Por isso mesmo, pouco após nos instalarmos, fomos passear um pouco pela cidade e comer alguma coisa. Acabamos em um dos diversos restaurantes que oferecem o prato típico da cidade – a truta. Com direito a sucos enfeitados com simpáticos guarda-chuvinhas, celebramos o novo momento com o sugerido peixinho.

Se a principal oferta gastronômica é a truta...

Se a principal oferta gastronômica é a truta…

...que venha a truta, oras.

…que venha a truta, oras.

Mais uma breve caminhada pela cidade, e nos separamos: minha mãe resolveu tirar uma soneca da tarde, enquanto eu, a Dé e a Mel encaramos um mini-trekking. A ideia era subir o Cerro Calvario (que nome mais sugestivo, não?), e ver o pôr-do-sol lá de cima. Consiste num caminho de cunho religioso – que justifica o nome da colina, pois existem 14 pontos que remetem à via crucis. Seu início era bem próximo à saída do nosso albergue, e calmamente fomos subindo até a chegada lá no topo.

Paquinha se recolheu aos novos aposentos.

Paquinha se recolheu aos novos aposentos.

Nós resolvemos encarar a subida. E que subida, amigos.

Nós resolvemos encarar a subida. E que subida, amigos.

Logo de cara, a primeira...

Logo de cara, a primeira…

...das várias cruzes que compõem o caminho do Cerro Calvario.

…das várias cruzes que compõem o caminho do Cerro Calvario.

Era uma tarde fria e linda.

Era uma tarde fria e linda.

Pelo caminho, diversos agradecimentos...

Pelo caminho, diversos agradecimentos…

...e demonstrações de devoção à Nossa Senhora de Copacabana.

…e demonstrações de devoção à Nossa Senhora de Copacabana.

Já durante a subida, uma visão espetacular nos aguardava. Fazia frio, mas não a ponto de nos intimidar. Mesmo íngreme em alguns pontos, é um caminho relativamente tranquilo de ser feito. Os poucos obstáculos estão na parte final da subida, com um caminho de pedras que deve ser feito com cuidado. Nada que assuste ou afaste os curiosos – a recompensa na chegada ao topo faz valer o risco.

Uma subida tranquila...

Uma subida tranquila…

...feliz...

…feliz…

...e pacífica. Como nossa viagem - e Copacabana - mereciam.

…e pacífica. Como nossa viagem – e Copacabana – mereciam.

Devagar e com toda essa tranquilidade, chegamos lá em cima.

Devagar e com toda essa tranquilidade, chegamos lá em cima.

A sequência do Calvário era repetida em lá em cima.

A sequência do Calvário era repetida em lá em cima.

Enquanto a visão da baía se misturava às velas dos devotos.

Enquanto a visão da baía se misturava às velas dos devotos.

Lá embaixo, a cidade aos poucos se iluminava. Um belíssimo final de tarde.

Lá embaixo, a cidade aos poucos se iluminava. Um belíssimo final de tarde.

Nossa breve estada na cidade proporcionou o descanso desejado com sobras: no dia seguinte, um café da manhã tão aconchegante quanto as redes no quintal, o dia de sol combinado ao vento gelado que vinha da cordilheira dos Andes, e até mesmo o silêncio de uma cidade pequena como a que estávamos foi a combinação perfeita àquilo que desejávamos em nossa passagem por Copacabana.

Um novo dia.

Um novo dia.

Um merecido descanso...

Um merecido descanso…

...e os Andes logo adiante, nos recebendo, para dias melhores que viriam a seguir.

…e os Andes logo adiante, nos recebendo, para dias melhores que viriam a seguir.

Se vale uma dica: não se prenda às obrigações turísticas que certos locais oferecem (e às vezes, significam – de tal maneira que “estar lá” é sinônimo de fazer A, B ou C). Não termos ido à ilha do Sol não fez diferença em nossa viagem, simplesmente porque queríamos outra coisa naquele momento. Tivemos, e dali em diante cair na estrada ganhou outro significado – muito melhor, mais leve e feliz. Em Copacabana, a paz foi nosso maior presente.

Causos, Faniquito, Fofuras

Apresentando: o mundo

19 de março de 2015

Dia desses a gente programou uma viagem. Que a princípio seria pra dois, mas que no fim das contas dobrou de tamanho. Viagem que seria um mochilão pesado, com mudanças de altitude, longas viagens em ônibus de procedência duvidosa, algumas correrias, e passeios que exigiam certa resistência física (que nem a gente sabia bem se tinha ou não). Na época, eu tinha 31, a Dé 28, e a Mel – nossa amiga e uma das colaboradoras do Faniquito – tinha apenas 20 anos. O papo começou em 2010, a viagem seria em 2011. E durante a comemoração do meu aniversário em janeiro, me chamam à mesa. Minha mãe vira pra mim, e comunica:

– Eu também vou, viu?*

Tomei um susto, óbvio. A começar pela única informação já relatada em nossos perfis: Paquinha** tinha na época seus bem vividos 62 anos, e teria 63 na viagem. Um histórico de dor nas costas, dor nos pés, dor nisso e dor naquilo. Estatura não muito avantajada, e assim como eu, boa de garfo. Mas todas essas informações perdiam importância perto de algumas outras: minha mãe nunca havia saído do país (ok, eu só havia saído uma, a Dé duas), voado de avião, ou mesmo passado tanto tempo longe de casa. Meu pai havia falecido há seis meses, e achei aquele ímpeto sensacional. Dois segundos depois do susto, topei – e não mais repensei, pois sabia que aquilo seria incrível.

Perder alguém (e nesse caso, alguém tão próximo como meu pai) instantaneamente mudou meu modo de lidar com as pessoas. Imagino que cada pessoa lide com uma situação traumática à sua maneira. A minha foi aproveitar ao máximo dali em diante a tudo e a todos: pelo menos uma vez ao ano tentar rever o máximo de pessoas possíveis (e uso descaradamente meu aniversário pra isso), nunca perder a oportunidade de agradecer, criticar, elogiar ou dividir as coisas importantes da vida, e por aí vai. É coisa minha, e é minha forma de eternizar tudo que meu pai fez por mim também. E durante os meses que se seguiram, eu pensava: “O velho teria orgulho de ver o que a gente vai fazer pela Paquinha“.

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A primeira reunião de turma, no Mercadão.

E o Faniquito surgia mais ou menos nessa época :)

O Faniquito surgia mais ou menos nessa época 🙂

E chegou setembro.

Mochilamos. Primeiro, o vôo de São Paulo – com escala em Santa Cruz de la Sierra, e a primeira correria para pegar a conexão – até La Paz. Chegamos à noite, pegamos um táxi capenguíssima e pouco depois estávamos no albergue. Sim, o primeiro albergue da vida da Paquinha. Encomendamos uma pizza e tomamos uma cerveja no meio do bar. E dali seguiram-se várias experiências, que pipocarão aos poucos por aqui: as ladeiras de La Paz, as folhas de coca, o Paro Cívico, as festividades em Cusco, Machu Picchu, Salar do Uyuni, o ônibus quebrado, o amigo americano, as comidas e bebidas inéditas, o primeiro barco (da vida dela, cruzando o Lago Titicaca), passear no deserto, dormir sem energia e acordar em temperatura negativa…

O primeiro dia de fato fora do Brasil - nesse caso, em La Paz.

O primeiro dia de fato fora do Brasil – nesse caso, em La Paz.

E o primeiro baque de emoção, com um evento local em Cusco.

E o primeiro baque de emoção, com um evento local em Cusco.

O ritmo durante a viagem, obviamente, não era o mesmo que o nosso, mas não estávamos com pressa. Dividimos a bagagem dela, e todo mundo se ajudou – ela também ajudou muito a gente: sim, mãe é mãe em qualquer lugar do mundo (e ela no caso estava provida de um filho original, e duas filhas adquiridas). Várias foram as vezes ela se emocionou (como na foto logo acima). As imagens que a gente se acostuma em casa tomam outras cores nesse novo contexto, e redescobrimos as pessoas. A cada novo lugar, uma informação diferente – e essas novidades desnorteavam a Paquinha: as tecelãs peruanas, as montanhas de Machu Picchu, aquela imensidão do deserto de sal boliviano, as lhamas e alpacas. De repente, outra cidade. Vinte e um dias, que permanecem mais que vivos na memória da gente.

Em Pisac, da mesma sequência da foto que abre esse texto...

Em Pisac, da mesma sequência da foto que abre esse texto…

...e um pouco mais tarde, em Ollantaytambo, dando as favas pra chuva que caía.

…e um pouco mais tarde, em Ollantaytambo, dando as favas pra chuva que caía.

Até hoje a gente fala sobre essa viagem, óbvio. Pelos lugares, paisagens e tudo aquilo que a gente tá acostumado a dividir sempre que se afasta de casa, claro, mas o mais legal é notar a cara de novidade que minha mãe faz toda vez que relembra da aventura. É um prazer absurdo pra gente ter “apresentado o mundo” à Paquinha. Notar que toda aquela lista de coisas apontadas lá em cima desapareceram durante a viagem é um prazer, pois a empolgação a cada novo dia era muito maior que qualquer preocupação – aparentemente ela deixou todos os problemas no Brasil sem avisar a gente, mas como confiamos na véia desde o início, não ficamos surpresos.

Não teve obstáculo pra Paquinha...

Não teve obstáculo pra Paquinha…

...e também não foi só perrengue: por diversas vezes nos demos muito bem.

…e também não foi só perrengue: por diversas vezes nos demos muito bem.

O primeiro barco da vida, após 63 anos. Medo?

O primeiro barco da vida, após 63 anos. Medo?

Eis a resposta.

Eis a resposta.

Portanto, ao final desse texto – e dessas fotos – a gente deixa um conselho pra você, amiguinho ou amiguinha viajante: além da bagagem, leve pra estrada quem você ama: seus pais, filhos, irmãos, primos, amigos (com procedência), a vovó, o vovô e até o cachorrinho. Pense em combinações improváveis – sim, às vezes quem menos se imagina quer fazer algo que a gente num primeiro momento pode achar totalmente descabido, mas pense: uma realização de vida dessas tem preço? Mais que um presente, dividir uma experiência de vida tão marcante como uma viagem, ou um trecho dela?

Não tenha frescuras quando for viajar.

Não tenha frescuras quando for viajar.

Procure sempre as melhores companhias.

Procure sempre as melhores companhias.

Leve sempre um agasalho.

Leve sempre um agasalho.

E não tenha medo do desconhecido. Nem de ser feliz.

E não tenha medo do desconhecido. Nem de ser feliz.

Pois você será.

Pois você será.

Não espere que alguém te faça um pedido desses. Tome a iniciativa, como minha mãe tomou. A experiência de viajar já é suficiente marcante, mas se torna inesquecível quando ela deixa de ser só sua, pra ser também de quem você ama.


* Faniquito não tem idade, galera. Está cientificamente comprovado.

** Paquinha (ou Marilene, pros desconhecidos) é minha mãe, e ela faz aniversário daqui a 3 dias. Uma mãe como poucas, e que eu espero, sirva de espelho pra outras mamães por aí. Achei justo homenageá-la numa data próxima, com um apanhado geral de uma viagem que vai aparecer aqui no Faniquito por diversas vezes. Feliz aniversário adiantado, véia. Que o mundo te abrace (assim como eu pretendo fazê-lo, o mais breve possível). Amo muito você.