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Holocausto

Alemanha

O Muro de Berlim,
ou a história ao vivo

7 de maio de 2015

Por Luciana Carpinelli


A primeira referência a Berlim de que me lembro é do muro, provavelmente em uma aula de História no primário. Nunca tive muita paciência para os feitos da Igreja Católica, para as disputas entre Gregos e Troianos e muito menos para as Grandes Navegações. Então a história da Alemanha e tudo o que a envolvia, com (e apesar de) todas as suas crueldades, me deixavam mais curiosa.

Isso ficou um pouco adormecido em mim desde que o meu grupo na faculdade fez uma pesquisa sobre Joseph Mengele e o Nazismo, mas acabou ressurgindo com a minha temporada em Berlim. E o Muro foi o primeiro “ponto turístico” que resolvi visitar.

O sábado de setembro amanheceu, como de costume, azul e ensolarado, e lá fui eu com meu mapa debaixo do braço. Depois de algumas idas e vindas no metro (óbvio que me perdi), consegui chegar à estação Kochstraße. Logo que saí dela, dei de cara com o museu Haus am Checkpoint Charlie, que guarda a história do famoso Muro de Berlim.

Um dia ensolarado.

Um dia ensolarado.

E na saída da estação Kochstraße...

E na saída da estação Kochstraße…

...o museu Haus am Checkpoint Charlie.

…o museu Haus am Checkpoint Charlie.

A sensação, ao chegar ali, foi um misto de tristeza e alegria. Estava feliz por ter a oportunidade de estar em um lugar tão importante, mas é impossível não sentir o peso do sofrimento que a divisão causou pra tanta gente. Confesso que por alguns momentos fiquei ali observando aquela imagem que tinha visto em tantos livros e chorando quietinha.

Aliás, para mim aquele é um dos lugares mais tristes do mundo. Enquanto estive por lá, lembrei muito da senhorinha que sentou ao meu lado no avião da ida e nas histórias que ela me contou sobre o Holocausto. Vi também algumas frases no muro que me fizeram imaginar quantas vidas foram mudadas pra sempre por ele. Se com isso já fiquei meio pensativa, preferi evitar ver a mostra ao ar livre que eles chamam de “Topografia do Terror” e não consegui sorrir na foto ao lado do que sobrou daquela época.

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Checkpoint Charlie – o ponto da travessia.

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Um dos fragmentos do muro.

Mas de repente eu viro a esquina e encontro uma das coisas mais bizarras que ja vi na vida: uma “praia” onde um dia houve o Muro. Isso mesmo, um monte de areia com algumas barraquinhas e tendas, em que as pessoas ficam refesteladas, tomando uma cerveja e comendo um currywurst. Para mim parece um tanto inadequado, mas esse pedaço de “paraíso” artificial acaba suavizando o clima pesado do lugar.

A “praia”, logo ao lado.

Hesitei em trazer um pedacinho do Muro comigo, mas achei que não seria um souvenir muito positivo a ser guardado. Prefiro ficar com a lembrança de ter visitado um lugar que nunca imaginei conhecer pessoalmente.

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Faniquito

Quando machuca

30 de abril de 2015

O texto de hoje é um pouco diferente.

Ele levanta uma questão que vem tomando minha atenção há algum tempo, mais especificamente, desde que soubemos que nossa viagem a Auschwitz “não foi algo tão bem recebido” por algumas pessoas – umas mais próximas, outras nem tanto. Entenda-se pela expressão entre aspas como uma forma simplista de tentar traduzir por vezes inconformismo, por outras perplexidade o fato de termos visitado um local cuja história é notoriamente triste, e de um contexto cujas explicações são desnecessárias.

“Não dá pra entender… ir pra um lugar desses, nas férias? Uma época pra se divertir, não pra… isso. Quem sai de casa pra ficar deprimido? Ver esses horrores, isso acaba com qualquer clima, não relaxa. Não faz sentido, não é pra mim. Eu nunca iria…”

Antes de qualquer coisa: é uma reflexão válida, e possui algum sentido.

De fato a primeira coisa que a gente imagina quando pensa em férias é “aproveitar o tempo livre“. É a maior das verdades. Pra muitos, significa poder fazer nada, ou usar aquelas poucas semanas disponíveis pra “condensar a felicidade” em passeios, compras, reuniões, almoços e visitas. “Pensar férias” pode significar um “momento margarina“: normalmente é essa a ideia vendida em qualquer material promocional turístico. Não existem pessoas sozinhas, tristes ou introspectivas nos anúncios de viagens. Aparentemente, as férias significam que após um ano de trabalho duro, finalmente chegamos lá – e quando você chega lá, acorda, passa o dia e dorme sorrindo. Pode parecer besteira, mas a gente morde essa isca, mesmo sem querer. É hora de desligar. E quem desliga, não quer pensar muito.

– Tristeza? Longe de mim. Choque? Já não me chega esse cotidiano terrível, essa coisa corrosiva…? Eu não vou usar meu pouco tempo livre tentando entender a dor e o sofrimento alheio. Isso é coisa de masoquista,

Cela do Presídio de Ushuaia (Argentina)

Cela do Presídio de Ushuaia (Argentina)

Pois bem. Entendido o outro lado, vou expor o meu.

Já estivemos em alguns lugares cuja descrição é oposta ao pensamento acima: prisões, campos de concentração, instalações militares, ruínas de guerra, museus de tortura, etc. Antes de qualquer coisa: gostamos do assunto – eu, especialmente, tenho um fascínio inexplicável por esse tipo de coisa, e não é de hoje. Tem gente que enlouquece num free shop, outros que voltam encantados com hotéis e restaurantes espetaculares, tem quem se derreta por museus e pontos turísticos, e mais alguns que capotam com a beleza da natureza (também faço parte desse grupo de uns tempos pra cá). Mas minha principal motivação tem base no ser humano, sua essência e complexidade – eu não posso negar.

Talvez por isso encontrá-lo num contexto limítrofe seja algo tão incrível.

Memorial em homenagem às crianças judias (Eslováquia)

Memorial em homenagem às crianças judias (Eslováquia)

Nossa vida cotidiana é na maioria das vezes estabelecida em uma rotina muito parecida, com mais ou menos poder aquisitivo, regrada por uma política aberta e com liberdade de expressão (esqueçam bandeiras e porta-vozes, mirem somente no contexto). Entrar em contato – mesmo que minimamente e de forma quase superficial – com outro tipo de realidade é uma experiência transformadora, no sentido mais escancarado da expressão. Mesmo com tanta imagem pronta, tanta referência histórica, tanto filme e tanto livro, sequer arranhamos a possibilidade de que certos acontecimentos tenham de fato ocorrido. Que tais coisas tenham existido. Enfim, que aquilo seja de verdade, e não cenário montado. Nada te prepara pra isso, e viajar para esses lugares exige sim estômago, alguma coragem e muito coração.

Somos pessoas que normalmente passam longe desses limites. Saber de histórias in loco, conhecer personagens (heróis, vilões ou simplesmente ilustres desconhecidos), pisar, tocar e ver certas coisas quebra a fantasia e nos transporta pra realidade mais distante e impensável possível. Pra quem imagina que essa jornada seja nociva, eu respondo que essa talvez seja uma das poucas – senão a única maneira de nos colocarmos no lugar de um desses personagens. E a vida nos ensina que essa passagem é a forma mais efetiva de mudarmos nossa maneira de agir e reagir a determinadas situações, coisas ou pessoas. Calçar os sapatos alheios pode nos trazer conforto ou incômodo, mas com certeza não nos deixa indiferente aos passos que se seguem.

Memorial "Sapatos às Margens do Danúbio" (Hungria)

Memorial “Sapatos às Margens do Danúbio” (Hungria)

Mas quem – estando de férias – quer se colocar no lugar de um prisioneiro? De um escravo? De um soldado? Um carrasco? Um nazista?

Pois é. Não é somente entrar em contato: é encarnar o personagem. Entender de dentro, sem intervalos comerciais, palavras cuidadosas ou tempo pra respirar. Sim, é uma experiência fortíssima, mas faz nossa mente abrir e nunca mais voltar ao tamanho de antes. Aquele sentimento distante vira perplexidade. Como era possível fazerem isso? Como esses caras aguentavam? Quem conseguia levar uma vida assim? Você vai embora com quilos e quilos de interrogações incômodas, mas necessárias pra nossa evolução pessoal. Deixamos por lá os preconceitos, o medo e o ranso. Às vezes ganhamos desgosto por aquilo que fomos capazes de fazer um dia, mas ele funciona como uma tatuagem: você leva consigo, e não repassa. Aquilo é seu, e pra sempre será.

Homenagem aos civis mortos durante a Revolução Húngara de 1956

Homenagem aos civis mortos durante a Revolução Húngara de 1956

Enfim… aos que duvidam ou desgostam desse tipo de viagem, ou de sua proposta, eu deixo um pensamento: a vida não é feita somente de felicidade. Às vezes as grandes obras – que tanto admiramos e tomamos de exemplo – são deixadas por pessoas que sofreram com dores, castigos e penas impensáveis pra gente. Mais importante do que valorizar o resultado é entender o processo – e ele nem sempre acontece num caminho de flores. Portanto, entrar em contato com aquilo que fomos capazes de fazer um dia só nos faz crescer, mesmo de uma maneira que não pareça ideal num primeiro momento. Pro bem ou pro mal, o ser humano evolui todos os dias. Não tenha medo de evoluir alguns anos em poucas horas – porque no fim das contas, é isso o que de fato acontece.