Com muita tranquilidade, acordamos para nosso último dia no Monte Roraima. Voltar a dormir na primeira base foi um misto de alívio e realização, uma vez que havíamos sim vencido o gigante, e toda dor dali em diante faria parte do preço pela aventura. Podíamos lidar com isso. Além do mais, havíamos tomado banho após longos dois dias e meio, e a sensação de ares renovados ultrapassava qualquer explicação que eu seja capaz de dar.
Pro meu azar, o café da manhã era omelete (eu não como ovo). Não lembro qual a opção que havia naquele momento, mas sei que havia uma, e tomamos nosso café da manhã sem pressa. Arrumamos nossas coisas, e a última coisa a ser feita foi calçar as botas pela última vez. Os pés estavam machucados demais, e seriam mais 13 quilômetros naquela condição. Mas botamos a mochilinha nas costas e seguimos.
Sem a pressão da descida, fizemos o caminho de volta sem atropelos. Com o corpo já aquecido, as dores aumentaram e o cansaço não tardou a aparecer. Mantivemos nosso ritmo (que era lento, mas constante) e seguimos adiante, com rápidas pausas pra água e algum descanso. O visual da manhã era lindo, e o tempo ainda ameno nos ajudava.
Com o calor aumentando, o restante do grupo se distanciou e novamente restamos apenas nós dois. Caminhávamos lentamente no trecho final, e já nos últimos metros, quando existiam subidas e descidas, tomamos todo o cuidado do mundo para não aumentarmos ainda mais os problemas físicos que vínhamos acumulando pelo caminho: as articulações estavam doídas, as costas pesavam e a respiração não era fácil – mas tudo isso devido à nossa total falta de preparo para a aventura. Quando avistamos a entrada do parque, fomos tomados de uma alegria tão grande que a única coisa que pensávamos naquele momento era “vamos chegar”. E chegamos.
Assim como ocorreu durante nossa chegada ao Roraima, o grupo todo nos aguardava e comemorou nossa vitória. Eu segui direto pro banheiro, onde tomei um banho na pia e fiz aquele xixi na alvenaria que há quase uma semana não fazia. Quando voltei, a Dé estava encostada, com a pressão caindo. Corri em direção ao Ricky, e ele ainda mais rapidamente foi socorrê-la. Puxou do bolso um vidrinho com extrato de cânfora e fez a pequena ressurgir numa fungada só que ela deu. Os jipes chegaram na sequência, e ele ordenou que ela fosse a primeira a entrar, e ficasse próxima dele durante nossa volta. O mesmo guia que havia me recomendado não subir, que tirou um sarro com a nossa cara na noite anterior e que salvou a pele da Dé em nossos últimos momentos por lá. Um cara legal, o Ricky.
Crentes que seríamos levados direto pro hotel em nossa volta, qual não foi nossa surpresa quando o jipe tomou o sentido contrário na rodovia principal e seguiu adiante. Pouco depois, o dito parou num restaurante de beira de estrada. Nosso fechamento seria UM ALMOÇO. COM CERVEJA GELADA. E COCA-COLA GELADA.
Sério povo, vocês não imaginam o que é aproveitar um momento.
Enfim, relaxamos. Devidamente comidos, agora sim seríamos deixados no albergue do Backpackers (que era vizinho ao nosso, ou seja, fomos deixados na porta do nosso destino). Mochilinhas e mochilões desembarcados, a primeira providência foi um banho de chuveiro. E que coisa linda é essa coisa de chuveiro, não? Ventilador no teto. Uma cama macia. Um teto sobre a cabeça. A gente valoriza tudo depois de não ter nada, e que diferença é nossa cabeça apenas uma semana depois. Do grupo, alguns amigos permanecem em contato com a gente até hoje, e de tanta dificuldade carregamos as melhores lembranças – principalmente, porque as dores passam. No corpo, na vida… só fica o que é bom.
E é por isso que a gente viaja.