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Caru’ cu bere

Gastronomia, Romênia

Caru’ Cu Bere, e o eisbein gigante

19 de janeiro de 2016

Hoje a gente vai falar de gordice. O Caru’ Cu Bere* não é para amadores.

Depois de uma primeira incursão não tão feliz na culinária romena, resolvemos buscar indicações com procedência para nossa segunda refeição. Como chegamos em Bucareste à tarde, havíamos jantado num lugar esquisitinho – uma quase tradição em nossas viagens, nunca acertamos logo de cara um lugar bacana (apesar da cerveja ter funcionado como um belíssimo cartão de visitas). Nossa aposta estava no almoço seguinte, e nossas fichas foram pro Caru’ Cu Bere.

Antes de explicar as razões para essa escolha, um pouquinho de história:

O Caru’ cu bere é um restaurante cuja história começa em 1879, e está localizado no centro histórico de Bucareste. Os tapumes na fachada entregavam um delicado e cuidadoso projeto de restauração. Originariamente da família de Nicolae Mircea, o restaurante passou para o domínio da Companhia Comercial de Bucareste em 1948, durante o período pós-guerra, tendo suas paredes internas e pinturas cobertas por uma inexplicável e bizarra camada de gesso. O processo de restauração de seu interior começou na metade dos anos 80, sendo o prédio retomado definitivamente pelos descendentes de Mircea somente em 1999. Desde então, a restauração de sua arquitetura tem sido executada com os devidos cuidados.

E como é bonito, o danado...

E como é bonito, o danado…

Muito bem. Lá estávamos, e ao nosso lado um enorme grupo de turistas. Considerado o restaurante número um de Bucareste, é de se esperar que sua frequência seja alta. Uma moça nos atende em inglês fluente, e nos leva ao subterrâneo – um dos três pisos, além da área de calçada onde localizam-se trocentas mesas. Mais do que aparentar, o Caru’ Cu Bere dá a impressão de abrigar toda a população da Romênia. Recebemos o cardápio, e a paixão me arrebata logo de cara – definitivamente, nossas fichas estavam mesmo no lugar certo.

Quando você vê uma foto e reconhece o amor.

Quando você vê uma foto e reconhece o amor.

Estreando na Europa, a Dé pede um schnitzel – coisa que eu também estava com vontade de fazer, mas como resistir a um joelho de porco com uma faca enfiada? E não amigos, não estamos falando do Valdívia no Departamento Médico do Palmeiras! Mesmo com o aviso “for two persons” no rodapé da foto, ignorei completamente os bons modos e ativei o ogro que mora no meu coração. Enquanto esperávamos os pratos (e sim, o atendimento é lento – o que prova que paulista é realmente neurótico e mal-acostumado), abracei a cerveja da casa como se fosse uma velha amiga. A pequena fez o mesmo, em uma das poucas vezes em que ela se arriscou na viagem.

Dé, num raro momento "viking meigo com calor"

Dé, num raro momento “viking meigo com calor”

Algum tempo depois, estávamos famintos. Havíamos passeado durante toda a manhã e comecinho da tarde. O salão inferior era bastante barulhento, com os garçons passando a todo momento, pessoas falando alto (e bebendo como se devem afinal aquilo era também uma cervejaria). Quando estávamos quase desfalecendo de fome, abriram-se as portas da esperança.

Derramando lágrimas de saudade.

Derramando lágrimas de saudade.

O desafio estava lançado: o joelho de porco (com uma casquinha possivelmente inspirada nas sacanagens mais sujas dessa vida), pickles, polenta, raiz-forte, repolho e pimentas. Foram poucas vezes na vida em que um sorriso de satisfação foi tão espontâneo e sincero.

Isso, meus amigos, chama-se FELICIDADE.

Isso, meus amigos, chama-se FELICIDADE.

Mesmo mais modesta, a Dé também recebeu amor em forma de comida.

Mesmo mais modesta, a Dé também recebeu amor em forma de comida.

Almoçamos lindamente, e obviamente eu demorei muito mais que a Dé pra terminar o eisbein (contei inclusive com a ajuda dela em alguns momentos, pois dividir comida é amor). Foi a primeira de muitas visitas que fizemos ao restaurante, contrariando nossos hábitos de desbravar a maior quantidade possível de lugares diferentes numa viagem. Mesmo não sendo o lugar mais barato do mundo, cabia no bolso, o cardápio era gigante, e um almoço com tamanha qualidade e gostosura pedia novos desafios. Testamos coisas diferentes, que foram igualmente satisfatórias, mas ficou ali um gostinho de “precisamos fazer isso de novo, a quatro mãos”.

Não deixamos de dar aquele alô pra costelinha...

Não deixamos de dar aquele alô pra costelinha…

...e pra linguicinha...

…e pra linguicinha…

...recheada <3

…recheada <3

Decidimos: seria um outro eisbein nosso prato de despedida da Romênia (e da Europa) ao final da viagem. Quase um mês depois, voltamos. E numa noite chuvosa, após um dia corrido e cansativo, estávamos famintos e exaustos. Parecia o fechamento perfeito.

E foi. COMO FOI, MEUS AMIGOS. E assim que chegou aquele tarugo de porco cheiroso, resolvemos gravar um videozinho em homenagem ao outro viking que conhecemos, e que deveria domar tal iguaria com prática mais que natural: meu sogro 🙂

Se abriu seu apetite, não foi em vão. Amiguinhos: a Romênia é demais, e o Caru’ Cu Bere um dos lugares obrigatórios pra você visitar na vida. Um restaurante aberto há tanto tempo, que serve uma cerveja linda, trocentos pratos gostosos e UM PORCO DESSE TAMANHO está contribuindo para o avanço da humanidade, e precisa ser prestigiado por gerações e gerações. Vá com fome!

Para quem quiser saber mais: www.carucubere.ro


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Gastronomia

Quem tem boca…

20 de outubro de 2015

O princípio fundamental de qualquer viagem é experimentar. É fato: estando fora de casa, queremos fazer, experimentar ou viver algo diferente. Mesmo as viagens mais cômodas e sossegadas pedem por esse ar de “coisa nova”, seja ela uma bebida, um prato, um banheiro, uma cama, ou mesmo um horário diferente do que nos acostumamos a acordar todos os dias. Pra fazer o de sempre, melhor ficar em casa… certo?

Eu e a Dé nunca cozinhamos nos albergues em que nos hospedamos. Nada pessoal, muito menos preconceito, mas das nossas necessidades (de casal, e mesmo pessoais) experimentar a comida local é tão importante quanto conhecer um novo lugar – e disso a gente não abre mão. Respeitamos e admiramos aquela galera que passa toda uma viagem na base do pão Pullmann e miojo, mas nas contas que fazemos antes de viajar, poder comer sem se preocupar é uma de nossas diversões. E pra que possamos fazer isso da forma mais bacana, preferimos experimentar o que estiver na frente. Nem sempre a gente se deu bem fazendo isso, mas temos boas histórias pra contar:

Ovos romenos

Estávamos no Caru’ cu bere – um dos restaurantes mais antigos e tradicionais de Bucareste (e que será tema de texto mais pra frente). Chegamos cedo, querendo tomar um café da manhã antes de sair pra conhecer a cidade. Sendo um verdadeiro ponto turístico, todos os funcionários falam inglês. Pedimos o cardápio, e ele veio – todo bilíngue, exceto nos pratos do café da manhã. Podíamos perguntar para a garçonete, mas preferimos valer o risco e pedir pela beleza estética das palavras em romeno. A Dé ganhou dois ovos. Eu, um omelete com chá. Eu não como ovo, então a Dé acabou comendo omelete com ovos, e eu fiquei só no chá (minha hora do almoço foi, por consequência, selvagem).

Ovolândia, e o melhor chá da vida.

Ovolândia, e o melhor chá da vida.

Poderia ter sido uma baita decepção, mas a pequena gostou do prato duplo dela, e eu tomei o melhor chá da minha vida – sem hipocrisia, tava tão bom que eu tive que procurar sabor semelhante no Brasil (e o que mais se aproximou foi o vermelhinho da Twinings).

Sim: um chá britânico com gostinho de Romênia :)

Sim: um chá britânico com gostinho de Romênia 🙂

Trocando em miúdos

Em nossa primeira viagem à Argentina, abrimos mão de experimentar a parrillada por pura falta de dinheiro/estômago. E se você não sabe o que é parrillada, a gente explica:

“A parrillada permite provar diferentes partes da vaca. Esta refeição geralmente começa com uma salsicha e chouriço, antes da chegada da carne principal. Ela também pode ser acompanhada de rins, pâncreas, fígado e tripas de gado. Frango e porco esporadicamente também estão inclusos.”

Quando voltamos pra lá, virou dívida pessoal. Acabamos nos metendo numa Parrilla (um restaurante especializado em parrillada) na cidade de Ushuaia. Um baita frio, uma baita fome, respiramos fundo e pedimos a criança. O restaurante estava lotado, e havíamos tido uma breve aula sobre o que viria naquele prato com meu sogro.

Nada te prepara pra uma intimidade tão grande com a vaca.

Nada te prepara pra uma intimidade tão grande com a vaca.

Com a parrillada na mesa, o caminho era sem volta: experimentamos um a um aqueles cortes bizarros de carne, com consistências e cores estranhas. Não dá pra dizer que detestamos, muito menos que amamos – apenas riscamos uma pendência da nossa lista pessoal, e sobrevivemos sem grandes dores àquele jantar esquisito.

Aaaaaaah…alpaca!

Havíamos terminado nosso primeiro dia de passeio em Machu Picchu. Descemos até a cidade, e entramos no primeiro restaurante que vimos na frente (e que nos pareceu entrável – não dá pra deixar o estômago falar na frente do cérebro sob hipótese alguma). Das opções do cardápio, nos chamou a atenção a carne de alpaca – e acabamos pedindo os quatro pratos iguais. Um prato que chegou lindo como esse da foto, e gostoso de um jeito muito difícil de se imaginar. Fomos embora de bucho cheio, e morrendo de saudade dessa carninha. Quando eu e a Dé voltamos pro Perú – em Lima – pedimos alpaca novamente, e ficamos sabendo que só servem a coitada em Cusco e arredores. Ou seja, foi realmente um prato típico e muito difícil de se encontrar em outro lugar. Ah… você não sabe o que é alpaca?

Alpaca: sua gostosa.

Alpaca: sua gostosa.

É esse bichinho simpático da foto lá do topo, que abre nosso texto de hoje. Pois é: por mais fofo que seja, na hora da fome a gente quer mesmo é dentar uma coisa suculenta. Dessa coisinha bonitinha comemos esse medalhão, espetinho e até pizza. Alpaca: experimente.

O desafio da arepa

O café da manhã na Venezuela era um verdadeiro desafio: Santa Elena de Uairén sofria com o desabastecimento (assim como ocorre com todo o país), e queríamos porque queríamos experimentar a tal arepa, que é um prato bem comum e típico do país. Fomos a um restaurante chamado La Arepera, crentes que conseguiríamos degustar o tal quitute. Porém, o garçom era mais atrapalhado que qualquer outra coisa, e depois de pedirmos duas arepas e dois sucos de laranja, recebemos dois tostex e duas Coca-Colas. Essa foi a reação da Dé ao ocorrido:

Arepa e suco? Não... tostex e Coca-Cola.

Arepa e suco? Não… tostex e Coca-Cola.

La Embajada: quem vê cara...

La Embajada: quem vê cara…

...não vê coração. Nem arepa :)

…não vê coração. Nem arepa 🙂

Foi num cantinho chamado La Embajada que encontramos nossa arepa… e que troço bom a tal massinha de polenta frita com recheios variados (no caso, nem tão variados, mas muito gostosos). Nossos cafés da manhã na cidade consistiam de arepas e sucos enquanto estivessem disponíveis (e mesmo comendo como se fosse um almoço, o valor nunca ultrapassava dez Reais PARA AMBOS). Ganhou um lugar especial no nosso coração.

Traumas ou delícias: tudo vira história. Então deixe seu medo em casa, e vá experimentar os sabores do mundo sem medo 🙂