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Banheiro

Bolívia, Causos

F****.

8 de outubro de 2015

Estávamos viajando pela Bolívia, e nosso próximo deslocamento seria de La Paz para Tupiza. Obviamente comprar uma passagem de ônibus em La Paz é uma experiência bem diferente do que fazê-lo no Terminal Tietê, por exemplo: não espere guichês organizados e garantias de que aquilo que você vê na foto é o que de fato você recebe. Mas é claro que não sabíamos de nada disso.

Esqueça credibilidade. Você está em La Paz.

Esqueça credibilidade. Você está em La Paz.

Então fomos até a rodoviária, comprar as tais passagens. Chegando ao guichê, um homem todo prestativo nos ofereceu um ônibus bacana, com ar condicionado e conforto. Tem banheiro? Não, mas o ônibus fará três ou quatro paradas em alguns hotéis pelo caminho. Nos parecia uma boa, e compramos nossos quatro bilhetes por preços bem cabíveis, felizes da vida.

Uma das nossas melhores fotos de viagem. Sequer imaginávamos a tragédia que estava para acontecer.

Uma das nossas melhores fotos de viagem. Sequer imaginávamos a tragédia que estava para acontecer.

Tudo pronto para a viagem – seriam aproximadamente 10 horas de ônibus, e sairíamos no meio da noite. Assim, com bancos reclinados, dormiríamos até a manhã seguinte, quando chegaríamos a Tupiza. Colocamos as malas no bagageiro do ônibus, e ao subir a escada percebemos o tamanho do buraco em que havíamos nos metido: os ônibus bolivianos que havíamos pegado até então já não eram lá essas coisas, e esse parecia “especialmente pior”, a começar pela pintura bizarra de uma espécie de Professor Girafales Seresteiro que embelezava seu exterior. Lá dentro, apenas bolivianos, que em nada lembravam turistas – pareciam locais indo para o interior, mais ou menos como se fosse uma viagem de São Paulo a Vitória feita no ônibus mais barato – e boliviano. As pessoas não queriam pagar para despachar suas bagagens, e em pouco tempo o interior do veículo virou uma zona: mantas, malas enormes, e em alguns quilômetros, uma parada providencial para que a maioria dos passageiros comprasse cada um seu frango, feito na rua e bastante cheiroso – é bom dizer – mas imaginem um ônibus cheio de gente comendo frango.

As poltronas eram esquisitas, as janelas não fechavam direito, e obviamente não existia nenhum ar condicionado naquele pardieiro. A noite avançava, e a vontade de ir ao banheiro surgiu na minha mãe. Esperávamos a chegada ao primeiro hotel, quando o ônibus pára no meio da estrada. Um breu. Ela, apertada, desce pra ver onde rolaria o tal xixi. A Dé acompanhou a sogra, num gesto de grandeza e inconsequência. Me contou depois que os “banheiros” eram num descampado, cujos azulejos possuíam cor e tons extremamente suspeitos. As cholas que desceram do ônibus para o mesmo fim simplesmente se agachavam e levantavam um pouco as saias. Ao término, ajeitavam a roupa e voltavam pro ônibus. Não vi nada disso. Não temos fotos. Sou extremamente grato por isso, pois imagino que a experiência tenha sido algo desse tipo:

Veio a madrugada. Eu estava numa janela, minha mãe na janela oposta. Nas poltronas do corredor, a Dé e a Mel. Entrava um vento gelado pelas frestas das janelas, que não nos deixava dormir de jeito nenhum. Disseram-me que havia gente deitada no corredor, dormindo ali mesmo, e eu não duvido nem um pouco. A noite foi longa e terrível, mas assim que amanhecesse chegaríamos ao nosso destino e todo esse pesadelo acabaria. O sol surgiu, e entramos numa área de deserto. Sentia que estava acabando.

Sentia, quando o ônibus quebrou.

Como um ônibus com uma pintura dessas poderia dar certo?

Como um ônibus com uma pintura dessas poderia dar certo?

E não quebrou pouco. Um problema no eixo, que nos estacionou no meio do nada. Esperamos do lado de fora, enquanto o motorista tentava consertar aquela desgraça. Nosso tour para Uyuni sairia de Tupiza às 14h, e os nervos estavam mais quentes que aquela areia toda. Algum/muito tempo depois, pediram para que subíssemos. O ônibus partiu, com barulho de coisa quebrando, e numa velocidade inferior a qualquer bicicleta que por um acaso se perdesse por lá.

Assim seguimos por algum tempo, até chegarmos num vilarejo completamente inexplicável: Santiago de Cotagaita. Consistia numa rua de terra, com duas ou três esquinas, uma agência da Western Union e alguns “restaurantes”, com aspas mesmo. Descemos, e o motorista levou o ônibus mais à frente para o conserto. Aparentemente um acaso comum, pois todos os outros passageiros pareciam perfeitamente conformados com a situação, e de lá resolveram almoçar naquele fim de mundo. Eu queria explodir. Não lembro quem pediu comida – se as três ou não. Sei que não comi nada, e estava espumando de raiva daquilo tudo: da promessa do cara que me vendeu, e do quanto eu havia sido otário em acreditar. Nada do ônibus ficar pronto. Era notório que havíamos perdido a saída do nosso tour, e isso só aumentava nossa dor.

Procurem Santiago de Cotagaita no Google, e coloquem em mapa/geográfico. Divirtam-se com a nossa desgraça. Se quiserem rir mais, procurem na Wikipedia: a descrição da cidade tem UMA LINHA.

Procurem Santiago de Cotagaita no Google, e coloquem em mapa/geográfico. Divirtam-se com a nossa desgraça. Se quiserem rir mais, procurem na Wikipedia: a descrição da cidade tem UMA LINHA.

Cotagaita à esquerda.

Cotagaita à esquerda.

Cotagaita à direita.

Cotagaita à direita.

Um molequinho brincava feliz no meio daquela poeira toda. A sensação era de estarmos esquecidos no meio do nada. Não tínhamos dinheiro em espécie, e não tínhamos como conseguir uma grana naquele cafundó. Era desesperador. As horas passavam, olhávamos pro fim da rua, e nada do ônibus aparecer. Estávamos pagando nossos pecados, com juros e suor. Meu humor já tinha acabado há tempos, e eu estava absolutamente intratável.

Eu, procurando meu humor.

Eu, procurando meu humor.

Alguém feliz.

Alguém feliz.

Não sei quanto tempo levou, mas ver o ônibus voltando foi um alento.

Entramos, e ele seguiu entre primeira e segunda marchas. Uma nova quebra era iminente, mas tentávamos acreditar que apesar de tudo aquilo, conseguiríamos chegar. Na única TV ali dentro passava um VHS, com uma festa local tocando cumbia. Tentávamos descontrair, mas era difícil. Devagar e sempre, o ônibus seguiu adiante, e chegamos a Tupiza por volta das 16h (sendo que saímos de La Paz às 20h do dia anterior… sim: VINTE HORAS DE VIAGEM PELO INFERNO). Dali em diante as coisas dariam certo – mesmo dando errado, como deram.

A paisagem pela janela do ônibus: desolação e aridez.

A paisagem pela janela do ônibus: desolação e aridez.

Já se vão 4 anos dessa via crucis, e hoje a gente lembra dessa história e dá risada. Portanto, valorize seu ar condicionado, seu banheiro limpinho, sua janela vedada, seu carro motor mil e seu sofá da sala: nunca se sabe quando seu trajeto pode te jogar em Santiago de Cotagaita.

Croácia

Zagreb? Pra quê?

6 de julho de 2015

Quando fomos embora de Zagreb, rumo à Turquia, o taxista que nos levou ao aeroporto resolveu puxar assunto num inglês simpaticíssimo. Naqueles minutos que se seguiram, soubemos que a capital croata tinha fama de cidade-dormitório para os turistas que visitam o país  – e éramos prova viva disso, já que usamos Zagreb como “parada” para nossa viagem pela Croácia, e não como destino.

Chegamos ao país por lá, e não passamos sequer um dia na cidade. Almoçamos no meio da tarde, demos uma volta, descansamos e seguimos viagem – por Zadar, Dubrovnik, Split, voltando para Zagreb dez dias depois, quando pudemos de fato explorar um pouco das redondezas. A capital croata é uma cidade bonita, com uma praça central bastante movimentada, de onde partem ruas que se ramificam num centro gastronômico logo acima, numa área comercial bastante desenvolvida à direita, em sua principal catedral seguindo adiante ainda pela direita, e numa outra área visivelmente mais turística à esquerda, com mesas espalhadas e televisores nas alamedas. E além desses lugares, existe também uma área mais alta da cidade, acessível por uma longa escada logo no início do tal centro gastronômico. Essa escada fica à esquerda, e os mais desavisados podem passar por ela sem notar. Este texto vai tratar de todas as outras áreas, fora essa da escada – que será nosso tema ainda essa semana, num segundo texto 🙂

Um dia pra descobrir Zagreb. Simbora pra praça central!

Um dia pra descobrir Zagreb. Simbora pra praça central!

Demos sorte de encontrar a tal praça central num dia de evento – uma espécie de quermesse, patrocinada pela Câmara de Economia Croata (só descobrimos isso depois, graças ao Google Tradutor). Várias barraquinhas com artesanato, souvernires e muita comida local – tudo a um preço muito acessível, que se diga. Mas estava implícito o desafio de descobrir o que era cada coisa e quanto custava, pois quase todos os comerciantes não falavam inglês – e quando falavam, somente arranhavam. Mas mesmo assim experimentamos alguns queijos, docinhos e chocolates croatas numa boa.

Um pouco de inglês, um pouco de mímica, e a gente se entende.

Um pouco de inglês, um pouco de mímica, e a gente se entende.

Num toldo que servia de palco, alguns artistas se apresentavam: um grupo de cantoras de música típica, uma bandinha de churrascaria, e um grupo de cheerleaders (?) que dançava e jogava bastão ao som de uma adaptação bizarra do Rap das Armas (sim, aquele do Tropa de Elite). Foram momentos, pra dizer de uma forma singela, edificantes.

Parapapapapapa papapapá... Parapapapapapa papapapá!

Parapapapapapa papapapá… Parapapapapapa papapapá!

Vale ainda a história da pipoca, que a Dé pediu no carrinho de uma tia perto dali.

– How much for the popcorn?
– Sôri noenglish.
– How much?
– Tentém.
– What…?
– Tentém (com as duas mãos, abrindo e fechando duas vezes).

Sim, tentém. Ten-ten. Vintão.

O tal centro gastronômico é composto de trocentos restaurantes, bares e afins, e é bastante frequentado em todos os períodos do dia. Por lá comemos num restaurante italiano (que fica superlotado à noite, e é gigante), bebemos num trailer de sucos naturais, almoçamos num lugar chamado Pivnica Mali Medo (http://tinyurl.com/og3etwb – cuja tradução é “Pub Ursinho”) por duas vezes, e jantamos numa hamburgueria excelente chamada Rocket Burger (http://tinyurl.com/p6kpbbv). Existem lugares mais chiques, outros que possivelmente reúnem a máfia (quando no trailer de sucos, pedi pra usar o banheiro de um bar, e era um daqueles que a gente detesta encontrar pelo caminho – numa casa escura, com um cara mal-encarado esparramado numa cadeira, assistindo TV ao lado de um caça-níqueis). Mas dá pra se divertir numa boa alameda adentro.

Um feijão (sim, feijão), linguiças e cogumelos, e uma caneca de cerveja pra energizar o almoço...

Um feijão (sim, feijão), linguiças e cogumelos, e uma caneca de cerveja pra energizar o almoço…

...um hamburgão e uma cerveja artesanal pra darem um calor à noite.

…um hamburgão e uma cerveja artesanal pra darem um calor à noite.

Caso precise ir ao banheiro, pergunte pras pessoas certas :)

Caso precise ir ao banheiro, pergunte pras pessoas certas 🙂

A área comercial, seguindo à direita da praça principal, possui alguns fast-foods, bancos e aquelas lojas de sempre, que existem em qualquer centro de qualquer cidade. A primeira impressão é de um passeio desinteressante, caso você não chegue ao final dele. Porém, alguns passos adiante está o prêmio a quem apostar em Zagreb: a catedral da cidade (Zagrebačka katedrala). É um troço absurdo de gigante, e um dos pontos mais visitados da cidade. Uma das suas torres ainda está em processo de reconstrução/restauração, e tanto esse processo como seu relógio original têm suas histórias explicadas num painel do lado esquerdo da entrada principal.

Uma catedral linda e gigante. Fotos internas são proibidas (soubemos disso da pior forma)...

Uma catedral linda e gigante. Fotos internas são proibidas (soubemos disso da pior forma)…

…e logo ao lado, um pouco de antes/depois.

Todo esse passeio, bem como a área turística, de bares e shoppings do lado oposto pode ser feita à pé numa boa, e em um único dia. Algumas quadras abaixo estão a estação de trem e a rodoviária da cidade, e entre essas quadras alguns parques bem bonitos deixam o passeio ainda mais agradável.

Zagreb pode não ser de fato um lugar que as pessoas sonhem conhecer, por esta ou aquela determinada atração. Mas menosprezá-la é um passo pra trás… afinal de contas, nem toda cidade precisa ser diferenciada. Algumas, que parecem bem comuns, podem ganhar um espaço tão ou mais importante em nossas memórias por nos proporcionarem apenas e somente dias bacanas.