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Brasil, Dinheiro, Venezuela

Monte Roraima: como faz?

9 de fevereiro de 2015

Agora que já contei sobre minha relação de amor e ódio com o Monte Roraima, porque não dar os detalhes de como fazer a viagem? Afinal, quem nunca imaginou chegar lá em cima?

O planejamento da viagem é relativamente simples, e assim como qualquer outra viagem, existem agências que fecham pacotes pra fazer o tour. O problema é que se você comparar os preços desses pacotes com os de se fazer uma viagem por conta, é desanimador. Uma viagem barata acaba saindo pelo dobro – ou até o triplo – do valor. Então resolvemos fazer tudo na cara e na coragem…

Fomos para Boa Vista (RR) de avião. A cidade é relativamente pequena, e até tem alguns tours pra se fazer por lá, mas resolvemos não explorar muito e ir direto pra a Venezuela. Saímos de Boa Vista rumo a Pacaraima na parte da manhã. A fronteira entre Brasil e Venezuela tem fama de não ser muito “confiável” em relação a horários (li relatos de que às vezes fecham pro almoço, e só voltam no dia seguinte), portanto a ideia era chegar por lá ainda pela manhã. Fizemos esse trajeto entre as duas cidades de táxi coletivo. Essa viagenzinha, que leva de duas a três horas, custa uns R$ 35,00 por pessoa (consideravelmente mais barato que a viagem de táxi normal, que sai por volta de R$ 150,00). Uma coisa interessante nesse trajeto é que alguns dos táxis coletivos – especificamente os da Companhia Pacaraima – fazem uma parada estratégica pra banheiro e um lanchinho num restaurante chamado Rosa de Saron, onde é servida a paçoca – coisa linda de Deus…

Tá lá escrito: TEMOS PAÇOCA. E se você pensa que estamos falando de amendoim...

Tá lá escrito: TEMOS PAÇOCA. E se você pensa que estamos falando de amendoim…

...errou feio. Carne, farofa, cebola e água gelada: quem precisa de mais?

…errou feio. Carne, farofa, cebola e água gelada: quem precisa de mais?

Pacaraima é a ultima cidade brasileira, bem na fronteira com a Venezuela. É uma cidadezinha tão pequena que o “caixa eletrônico” do Bradesco é uma mulher atendendo dentro de um mercadinho. As dezenas de táxis que te levam a Santa Elena de Uairén estão concentrados bem do lado da fronteira, só esperando encher o carro pra te levar à cidade. Esse é um trajeto bem mais rápido, de uns 20 minutos, que custa de 2 a 3 Reais.

Bradesco: humanizando o atendimento.

Bradesco: humanizando o atendimento eletrônico.

Já em Santa Elena, nos hospedamos no Hotel Michelle. Ele é bem localizado, perto do centro da cidade, com vários lugares pra comer por perto. Os albergues e pousadas da cidade são basicamente a mesma coisa: meio precários, com um wi-fi bem lento, ventiladores barulhentos e os preços são bem parecidos. Santa Elena de Uairén não é uma cidade turística: não tem muita coisa pra se fazer, nem lugares bonitos para ver, mas serve de base pra praticamente todos os tours do Roraima. De todos esses, a grande maioria sai da frente da Posada Backpackers.

Santa Elena de Uairén é basicamente isso aí durante o dia.

Santa Elena de Uairén é basicamente isso aí durante o dia.

Se você andar um pouquinho pela cidade, vai encontrar várias pessoas oferecendo o tour pro Roraima e/ou pro Salto Ángel. Também existem outras tantas opções e guias independentes, com os quais você pode entrar em contato pelo Facebook ou mesmo por telefone, negociar e fechar o passeio. Resolvemos fazer o nosso com o pessoal do Backpacker Tours, pela estrutura que eles ofereceram. Em outros casos, teríamos que carregar, armar e desarmar a barraca, carregar comida, o preço do carregador seria mais caro, ou ainda teríamos que esperar alguns dias a mais pra fechar um grupo e sair. Enfim… as opções são inúmeras. Mais uma vantagem de fechar com eles foi o Ricky – nosso guia – do qual já tinha ouvido falar muito bem.

Os preços dos tours são bem parecidos em todos os lugares que você pesquisar, assim como a forma que todos eles trabalham. Então, basta achar um lugar que te inspire confiança.

A imagem da confiança.

A imagem da confiança.

Ricky: de amado a odiado, e depois amado de novo. Histórias em breve.

Ricky: de amado a odiado, e depois amado de novo. Histórias em breve.

Um ponto muito importante é o dinheiro. O câmbio oficial atual diz que um Real equivale a mais ou menos 2,27 bolívares venezuelanos. Na época (setembro de 2013) a média era de 1 pra 2,70 ou 2,80. Acontece que o câmbio oficial por lá não quer dizer quase nada. A coisa mais normal do mundo é trocar dinheiro na fronteira, onde o câmbio “paralelo” é o mais favorável. No dia em que chegamos na Venezuela, esse tipo de câmbio era de 1 pra 18. Já no último dia, tinha subido para 1 pra 23. Em uma das pesquisas de preço que fizemos, a mulher responsável pelo tour chegou a ligar para um conhecido na fronteira, e perguntar como estava o câmbio antes de nos passar o valor. Então é bom ficar atento a essas variações.

Pega essa, Eike Batista.

Pega essa, Eike Batista.

Outra coisa importante: a nota mais alta de bolívares é de Bs.F. 100,00. Isso pode ser um problema na hora de trocar o dinheiro, pois você pode ter que contar centenas de notas ali, na fronteira, dentro de um táxi coletivo, e voltar com elas escondidas na cueca, no sutiã ou sabe-se lá onde. A parte boa é que dá um up na sua moral… afinal, quando no Brasil você se sentiria tão rico assim?

Brasil, Perrengues, Venezuela

Eu e o Roraima, o Roraima e eu

2 de fevereiro de 2015

A viagem que fizemos para o Monte Roraima não foi a melhor, nem a mais divertida, mas com certeza foi a mais marcante.

Durante as minhas pesquisas, acho milhares de lugares que vão entrando na lista de lugares que quero conhecer. A chance de conhecer alguns desses lugares, mesmo estando lá, é mínima. Talvez pela distância, por serem de difícil acesso, ou então por ser um lugar mais caro… mas nada disso diminui minha vontade de realmente conhecê-los.

O Monte Roraima era uma dessas viagens. Da primeira vez que li a respeito já pensei em fazer essa loucura, mas depois acabei deixando a ideia um pouco de lado: é uma viagem difícil, requer um preparo físico que nós definitivamente não temos e (convenhamos, gordinhos que somos) não teríamos num futuro muito próximo.

Você não é nada perto do Roraima.

Você não é nada perto do Roraima.

Aí lançaram UP… e eu, sendo essa pessoa completamente influenciável, me pus a pensar no Roraima de novo. O filme é maravilhoso, mas o que realmente me impressionou foi a parte do DVD que mostra a viagem que os desenhistas fizeram pra lá, pra conhecer e criar o universo do filme com mais propriedade.

Sempre vemos fotos do Roraima e principalmente do topo. Claro, as fotos são incríveis… mas fotos são fotos, e aquele documentário mostrou um mundo simplesmente diferente de qualquer outro lugar que eu já tenha visto.

Bom, desconsiderei o fato de que os desenhistas foram até uma parte do caminho de helicóptero, resolvi não esquentar a cabeça com detalhes bobos como “preparo físico”. Usei todo meu poder de persuasão para convencer o Masili, e decidi que sim: subiríamos o Roraima. Vale dizer que nossas duas únicas experiências anteriores com trekking haviam sido: uma mini-trilha, e outra mais longa e relativamente fácil – ambas na Patagônia. Mas isso foi só mais um detalhe que eu resolvi ignorar. Então lá fomos nós, ingenuamente ansiosos.

Essa parrede é 3 vezes maior do que parece na foto.

Essa parede é 3 vezes maior do que parece na foto.

Fechamos a nossa ida ao Roraima com a Backpacker-Tours, e no dia anterior à subida tivemos uma reunião com o guia, que serviu basicamente para nos dar alguns avisos importantes, como “quanto custa um resgate de helicóptero”, ou ainda um breve relato do trecho mais difícil e perigoso da descida, o funcionamento geral da viagem, logística, etc. Saímos de lá com um “medo saudável”, aquele medinho controlável que te impulsiona rumo a uma nova aventura, ao desconhecido, mas que deixa sempre uma pulguinha atrás da orelha…

Os próximos 6 dias foram extremos em relação ao esforço físico. Senti músculos da cintura pra baixo que eu nunca imaginei ter. Andei mais durante aqueles dias do que ando normalmente durante um ou dois meses. Durante a noite, dormíamos em uma barraca – uma mesma barraca por 5 noites, diária e estrategicamente montada em cima de pedrinhas (que durante a noite pareciam verdadeiros pedregulhos). A descida da volta me proporcionou bolhas no pé que eu nunca desejarei ao meu pior inimigo. A experiência toda deveria ter sido detestável, mas não foi. Muito pelo contrário, foi emocionante. O Masili demorou alguns meses para começar a ter carinho pela viagem, mas mesmo com dores e pensando que eu realmente havia dado um passo maior que a perna, achei aquilo tudo maravilhoso.

O único lugar onde você é recebido por uma tartaruga de pedra...

O único lugar onde você é recebido por uma tartaruga de pedra…

...por um sapinho minúsculo que não pula...

…por um sapinho minúsculo que não pula…

...e é cercado por pedras que não fazem o menor sentido.

…e é cercado por pedras que não fazem o menor sentido.

Confesso que passar por essa provação toda fez com que eu me sentisse muito bem comigo mesma – quase uma vencedora, mesmo sendo sempre a última a chegar no nosso grupo, a mais devagar, e a que notoriamente estava mais cansada. Mas diferente da maioria das pessoas que nos acompanhou, eu não fui por causa do trekking: meu objetivo lá era muito claro. Eu queria chegar no topo, queria estar dentro daquele mundo tão diferente e tão bonito que eu tinha visto por fotos e pelo documentário, queria ver de perto aquelas rochas em formatos bizarros, encontrar algumas plantas que só crescem ali, conhecer o sapinho minúsculo preto que não pula, presenciar o clima instável, ficar no meio das nuvenzinhas passando frio pra logo depois sentir calor, ver o mundo de cima daquele monte sem cume.

Cheguei lá. Sem casa, cachorro, nem amiguinho escoteiro.

Cheguei lá. Sem casa, cachorro, balão colorido ou amiguinho escoteiro.

Apesar do sofrimento, de todas as dores, e até um mergulho acidental em uma piscina de lodo, eu consegui exatamente o que queria ao subir o Roraima: me senti em outro planeta andando pelo topo, numa paisagem inigualável. Aliás, meu sucesso foi tão grande que estou pensando seriamente em desconsiderar detalhes bobos como todos os perrengues que passamos e começar a sonhar com, talvez… o Kilimanjaro!