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Fofuras

Causos, Faniquito, Fofuras

Apresentando: o mundo

19 de março de 2015

Dia desses a gente programou uma viagem. Que a princípio seria pra dois, mas que no fim das contas dobrou de tamanho. Viagem que seria um mochilão pesado, com mudanças de altitude, longas viagens em ônibus de procedência duvidosa, algumas correrias, e passeios que exigiam certa resistência física (que nem a gente sabia bem se tinha ou não). Na época, eu tinha 31, a Dé 28, e a Mel – nossa amiga e uma das colaboradoras do Faniquito – tinha apenas 20 anos. O papo começou em 2010, a viagem seria em 2011. E durante a comemoração do meu aniversário em janeiro, me chamam à mesa. Minha mãe vira pra mim, e comunica:

– Eu também vou, viu?*

Tomei um susto, óbvio. A começar pela única informação já relatada em nossos perfis: Paquinha** tinha na época seus bem vividos 62 anos, e teria 63 na viagem. Um histórico de dor nas costas, dor nos pés, dor nisso e dor naquilo. Estatura não muito avantajada, e assim como eu, boa de garfo. Mas todas essas informações perdiam importância perto de algumas outras: minha mãe nunca havia saído do país (ok, eu só havia saído uma, a Dé duas), voado de avião, ou mesmo passado tanto tempo longe de casa. Meu pai havia falecido há seis meses, e achei aquele ímpeto sensacional. Dois segundos depois do susto, topei – e não mais repensei, pois sabia que aquilo seria incrível.

Perder alguém (e nesse caso, alguém tão próximo como meu pai) instantaneamente mudou meu modo de lidar com as pessoas. Imagino que cada pessoa lide com uma situação traumática à sua maneira. A minha foi aproveitar ao máximo dali em diante a tudo e a todos: pelo menos uma vez ao ano tentar rever o máximo de pessoas possíveis (e uso descaradamente meu aniversário pra isso), nunca perder a oportunidade de agradecer, criticar, elogiar ou dividir as coisas importantes da vida, e por aí vai. É coisa minha, e é minha forma de eternizar tudo que meu pai fez por mim também. E durante os meses que se seguiram, eu pensava: “O velho teria orgulho de ver o que a gente vai fazer pela Paquinha“.

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A primeira reunião de turma, no Mercadão.

E o Faniquito surgia mais ou menos nessa época :)

O Faniquito surgia mais ou menos nessa época 🙂

E chegou setembro.

Mochilamos. Primeiro, o vôo de São Paulo – com escala em Santa Cruz de la Sierra, e a primeira correria para pegar a conexão – até La Paz. Chegamos à noite, pegamos um táxi capenguíssima e pouco depois estávamos no albergue. Sim, o primeiro albergue da vida da Paquinha. Encomendamos uma pizza e tomamos uma cerveja no meio do bar. E dali seguiram-se várias experiências, que pipocarão aos poucos por aqui: as ladeiras de La Paz, as folhas de coca, o Paro Cívico, as festividades em Cusco, Machu Picchu, Salar do Uyuni, o ônibus quebrado, o amigo americano, as comidas e bebidas inéditas, o primeiro barco (da vida dela, cruzando o Lago Titicaca), passear no deserto, dormir sem energia e acordar em temperatura negativa…

O primeiro dia de fato fora do Brasil - nesse caso, em La Paz.

O primeiro dia de fato fora do Brasil – nesse caso, em La Paz.

E o primeiro baque de emoção, com um evento local em Cusco.

E o primeiro baque de emoção, com um evento local em Cusco.

O ritmo durante a viagem, obviamente, não era o mesmo que o nosso, mas não estávamos com pressa. Dividimos a bagagem dela, e todo mundo se ajudou – ela também ajudou muito a gente: sim, mãe é mãe em qualquer lugar do mundo (e ela no caso estava provida de um filho original, e duas filhas adquiridas). Várias foram as vezes ela se emocionou (como na foto logo acima). As imagens que a gente se acostuma em casa tomam outras cores nesse novo contexto, e redescobrimos as pessoas. A cada novo lugar, uma informação diferente – e essas novidades desnorteavam a Paquinha: as tecelãs peruanas, as montanhas de Machu Picchu, aquela imensidão do deserto de sal boliviano, as lhamas e alpacas. De repente, outra cidade. Vinte e um dias, que permanecem mais que vivos na memória da gente.

Em Pisac, da mesma sequência da foto que abre esse texto...

Em Pisac, da mesma sequência da foto que abre esse texto…

...e um pouco mais tarde, em Ollantaytambo, dando as favas pra chuva que caía.

…e um pouco mais tarde, em Ollantaytambo, dando as favas pra chuva que caía.

Até hoje a gente fala sobre essa viagem, óbvio. Pelos lugares, paisagens e tudo aquilo que a gente tá acostumado a dividir sempre que se afasta de casa, claro, mas o mais legal é notar a cara de novidade que minha mãe faz toda vez que relembra da aventura. É um prazer absurdo pra gente ter “apresentado o mundo” à Paquinha. Notar que toda aquela lista de coisas apontadas lá em cima desapareceram durante a viagem é um prazer, pois a empolgação a cada novo dia era muito maior que qualquer preocupação – aparentemente ela deixou todos os problemas no Brasil sem avisar a gente, mas como confiamos na véia desde o início, não ficamos surpresos.

Não teve obstáculo pra Paquinha...

Não teve obstáculo pra Paquinha…

...e também não foi só perrengue: por diversas vezes nos demos muito bem.

…e também não foi só perrengue: por diversas vezes nos demos muito bem.

O primeiro barco da vida, após 63 anos. Medo?

O primeiro barco da vida, após 63 anos. Medo?

Eis a resposta.

Eis a resposta.

Portanto, ao final desse texto – e dessas fotos – a gente deixa um conselho pra você, amiguinho ou amiguinha viajante: além da bagagem, leve pra estrada quem você ama: seus pais, filhos, irmãos, primos, amigos (com procedência), a vovó, o vovô e até o cachorrinho. Pense em combinações improváveis – sim, às vezes quem menos se imagina quer fazer algo que a gente num primeiro momento pode achar totalmente descabido, mas pense: uma realização de vida dessas tem preço? Mais que um presente, dividir uma experiência de vida tão marcante como uma viagem, ou um trecho dela?

Não tenha frescuras quando for viajar.

Não tenha frescuras quando for viajar.

Procure sempre as melhores companhias.

Procure sempre as melhores companhias.

Leve sempre um agasalho.

Leve sempre um agasalho.

E não tenha medo do desconhecido. Nem de ser feliz.

E não tenha medo do desconhecido. Nem de ser feliz.

Pois você será.

Pois você será.

Não espere que alguém te faça um pedido desses. Tome a iniciativa, como minha mãe tomou. A experiência de viajar já é suficiente marcante, mas se torna inesquecível quando ela deixa de ser só sua, pra ser também de quem você ama.


* Faniquito não tem idade, galera. Está cientificamente comprovado.

** Paquinha (ou Marilene, pros desconhecidos) é minha mãe, e ela faz aniversário daqui a 3 dias. Uma mãe como poucas, e que eu espero, sirva de espelho pra outras mamães por aí. Achei justo homenageá-la numa data próxima, com um apanhado geral de uma viagem que vai aparecer aqui no Faniquito por diversas vezes. Feliz aniversário adiantado, véia. Que o mundo te abrace (assim como eu pretendo fazê-lo, o mais breve possível). Amo muito você.

Fofuras, Perrengues

Perrengue não significa Fim

19 de fevereiro de 2015

Por Fernanda Seiffert


Enquanto viajante mais ou menos rodada (ui!), posso afirmar categoricamente que existem duas coisas que ficam pra sempre na lembrança de qualquer um: o perrengue e a fofura sem precedentes.

Graças a todas as forças boas do universo, tenho orgulho de dizer que já encarei os dois, sendo que, pra cada perrengue, encontrei uma fofura de intensidade, no mínimo, igual. Posso garantir, também, que ambos podem acontecer em qualquer parte do mundo, com qualquer viajante e qualquer povo do planeta.

É chegada a hora dos temidos perrengues, moçadinha!


1) Desci na parada errada do ônibus

Estava eu sozinha, com bagagem suficiente para passar um mês na Europa e era, apenas, minha terceira parada: Varsóvia. Ao contrário de Cracóvia, muito preparada para receber o turista de braços abertos, os poloneses da capital também se mostraram simpáticos e solícitos, mas não conheciam muitos idiomas além do polaco de raiz. Situação de muitos anos atrás, rezo para que seja situação mudada.

Em mal traçadas linhas, eu sabia que tinha de descer do ônibus que peguei no aeroporto em uma avenida cujo nome era muito semelhante ao meu esquisito sobrenome. Dei o sinal e desci. Claro, era a avenida errada. Não haveria problemas se estivesse com uma boa grana na carteira e fosse fluente em polonês. Certeza de que eu teria conseguido pegar um táxi e seguir, fina, até o hostel. No entanto, minha realidade era completamente oposta e o pobre conhecimento em inglês que eu carregava na mala parecia fluência absoluta perto do conhecimento dos meus primos. Sim, eles só falavam polonês. Não entendiam uma palavra em inglês. Embora a vontade fosse de sentar e chorar ao me ver perdida na capital do país dos meus bisavós, ergui meu mapa em punho e comecei a comparar as letrinhas de placas indecifráveis. Depois de caminhar duas horas, consegui chegar ao hostel.

Ali eu aprendia uma lição importante: não se deixe enganar pelos nomes parecidos. Quanto se está na Europa Oriental, a enormidade de nomes com CZK é absurda!

2) Reservei um hostel fantasma

Do alto de minha inocência em turismo, entrei num link que nem lembro qual era. Reservei um hostel que parecia bacana e… lá estava eu de malas em punho e em frente a uma enorme construção. Desci do táxi meio assustada e abordei uma mocinha simpaticíssima que passeava com seu poodle. Perguntei sobre o tal albergue que eu havia reservado e a resposta “nossa… nunca ouvi falar! E olha que moro ali naquele prédio há anos!”. O prédio dela era vizinho à obra onde eu deveria pernoitar. O táxi já tinha ido embora, era início de madrugada e eu estava perdida. Novamente, a vontade de chorar. Avistei um letreiro em neon e pensei “Obrigada, Senhor, aquilo é um hotel”. Não, não era. Deus estava rindo da minha cara ao mostrar o neon de uma funerária. Por um instante, o cansaço já era tão grande que eu cogitei, de verdade, a possibilidade de dormir em um caixão. Ou na escadaria da funerária. Onde fosse mais confortável e seguro.

Continuei a caminhar. Entrei em diversas lojinhas 24 horas que estavam a cada esquina e saía com a mesma resposta: não há hotéis. Até que veio a lojinha menorzinha, mais feia e mais suja em que um paquistanês apontou umas três ruelas à esquerda e disse que ali havia um bom hotel. Eu só enxergava escuridão. Ainda assim, confiei e fui. Achei uma portinha mequetrefe e nela entrei. Sim, era um hotel de verdade e aquela era a entrada de serviço. Era um hotel 4 estrelas, bem mais caro do que eu tinha planejado pagar, mas era o que tinha no momento. Quando entrei no quarto, uma cama king size que eu não alcançava pra sentar, de tão alta que era. Aproveitei, tomei distância, corri e saltei sobre a cama. Do jeito que caí, fiquei. Eu merecia aquela noite de sono.

Lição aprendida: desconfiar de preço muito baixo.

3) Chegar a uma micro-cidade sem reservar hotel

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Sempre invejei quem conseguia curtir uma viagem sem programar 100% o que faria, onde ficaria, etc. Apostei na vida loka e decidi que viajaria de uma micro-cidade a outra de trem e pegaria o primeiro hotel que aparecesse. Parece razoável quando se está nos Estados Unidos, no Brasil ou na Alemanha. Mas na Grécia… Não é. Joguei as minhas fichas na ideia básica de que sempre haverá hotéis no entorno de estações de trem, rodoviárias e aeroportos. Apostei e perdi. Peguei um ônibus na cidade de Delfos para depois pegar um trem por algumas horas para finalmente chegar em Kalambaka, cidade que dá acesso aos monastérios de Meteora. O ônibus que eu peguei teve problemas na estrada, o que atrasou a chegada à linha de trem. Ao chegar ao trem, uma manutenção na linha fez com que o trem não chegasse até Kalambaka. E todas informações soavam grego aos meus ouvidos (não só literalmente). Uma lotação levou todos nós, passageiros derrotados, ao destino final, fazendo com que uma viagem curta durasse mais de 9 horas de solavancos e remelexos. Olhei ao redor da estação de trem e… NADA. Não parecia nem haver vida. A regra dos hotéis no entorno falhou. Mais uma vez eu quis sentar e chorar. Depois de rodar a cidade inteira, encontrar um cassino clandestino, uns 14 bêbados, um Hotel 200 estrelas que eu não tinha dinheiro pra pagar, um ou outro transeunte, cheguei a um hotel acessível. Desta vez, eu não passei vontade. Eu chorei. Muito. De cansaço, de alívio por ter encontrado algo. E este é o link para a primeira fofura sem precedentes…

Lição aprendida: nem todas as regras se aplicam a todos os lugares do mundo.

E agora elas, as fofuras…

1) Reação inesperada

Ao me ver chorar sem parar enquanto tentava apenas dizer I’m so tired para a recepcionista, ela saiu no balcão e me abraçou pra dizer que estava tudo bem. Ela me disse que ali eu estava segura, que havia pessoas que me amavam e que um banho curaria minha dor. Surgiu um outro rapaz que carregou minha mochila e os dois me conduziram até o meu quarto. Tomei aquele banho maravilhoso e dormi o sono dos justos. No dia seguinte, de alma lavada, passei pela recepção e me deu um estalo. Eu não lembrava de ter feito check in. Fui conversar com a mesma moça que ainda estava lá. Ela confirmou que eu não havia feito mesmo o check in e explicou “você parecia tão cansada que o check in podia esperar”.

2) Ajuda do além

Estávamos viajando eu, minha mãe e duas malas grandes. Fomos do aeroporto ao hotel usando trem e metrô… no horário de rush. Ao chegarmos na estação em que deveríamos descer, desembarcamos com o mesmo fluxo de pessoas que faz a baldeação na Sé aqui em São Paulo. Eu tinha de carregar as duas malas e cuidar pra não perder minha mãe. Foi quando demos de cara com a escada… que não era rolante. Deixamos todo o povo passar, peguei uma mala, subi as escadas e, antes que pudesse voltar pra buscar a outra, passou um rapaz correndo, provavelmente atrasado, e pegou a mala da minha mãe. Ela quase gritou que estava sendo roubada! No entanto, ele pegou a mala, subiu as escadas correndo, deixou a mala perto de mim e balbuciou um discreto au revoir, sem que eu conseguisse enxergar seu rosto. Sim, ele percebeu a nossa dificuldade e ajudou apenas porque sim. Porque pareceu certo a ele. Num mundo em que estamos acostumados às pessoas pegarem nossas coisas para subtraí-las de nós, encontrar alguém que fez isso para nos ajudar chegou a assustar. Mas foi uma fofura e tanto.

3) Ensinando a rezar

Sempre passamos por situações que chegam a nos emocionar pela fofura, ainda mais quando se apresenta numa cultura tão diferente da nossa. Lá estavam eu olhando o grande templo e sem saber o que fazer direito. Tinha uma corda com um sino, um negócio que parecia um rolo e outro negócio que parecia uma grelha de churrasco. A única coisa que eu consegui entender que precisava fazer era tirar os sapatos. Fora isso… Nada. Eis que surgiu uma velhinha, muito velhinha mesmo, toda arcadinha que me puxou pela mão.

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A ordem das coisas, infelizmente, eu já não me lembro mais. Mas lembro daquela mãozinha enrugada me segurando e tentando explicar, sem usar palavras, já que uma não falava o idioma da outra, que eu deveria fazer um pedido, jogar uma moeda naquela pseudo-grelha, tocar o sino, girar o rolo e agradecer. Fiz o ritual junto com ela e com toda a paciência que ela demonstrava. Quando eu consegui fazer todo o ritual e repetir algumas palavras que ela pediu que eu dissesse, ela sorriu com muito orgulho, com aqueles olhinhos brilhantes. Muito discreta, me disse um arigatô e foi embora, provavelmente fazer o restante de suas tarefas diárias.

E são as fofuras que me fazem acreditar que a humanidade é, sim, boa e que podemos, sim, ser felizes. Seja aqui, seja ali, seja acolá. Então eu recomendo a qualquer pessoa que tenha tudo preparado, sempre, para qualquer viagem que possa surgir. Para gostar, basta começar.


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*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.