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Áustria

Argentina, Áustria, Brasil, Estive lá

A vez das pessoas

27 de agosto de 2015

Experimentamos durante o último final de semana a sensação de, pela (nossa) primeira vez, circular à pé no asfalto da maior avenida da maior cidade da América do Sul. Não é qualquer coisa restringir o acesso da Avenida Paulista a pedestres e ciclistas, e é uma das várias atitudes que nosso atual prefeito vem tomando para humanizar um pouco mais a metrópole virulenta que vivemos. As atitudes de Fernando Haddad têm sido polêmicas, muito mais pela cultura de ódio permeada atualmente na população brasileira, do que pelas ações em si.

A utilização de espaços públicos é coisa a qual não estamos acostumados, ainda mais quando ela acontece de graça e com fácil acesso. O paulista orgulha-se em ter o Ibirapuera como parque, mas sabe o quão difícil é seu acesso, e a quantidade de pessoas que o frequenta (principalmente nos finais de semana) afugenta os que procuram um pouco de paz e tranquilidade, ou mesmo outras alternativas de espaço – com comércio, restaurantes, espetáculos ou qualquer outro tipo de lazer. São Paulo é estigmatizada por carimbar com filas e/ou preços proibitivos suas principais atrações (temos o ótimo Sinta-se Paulistano satirizando essa imagem mais do que merecida que a cidade tem). E isso mina o ânimo de quem busca um pouco de sossego, ou ainda quem não tem dinheiro pra prestigiar tais atrações, afinal de contas, já temos filas, stress e preços altos suficientes durante a semana. Prorrogar essas dores cotidianas para nossos dias de folga é coisa a ser considerada. Sempre.

Longe de São Paulo vivemos dois momentos muito marcantes da chamada “vida ao ar livre” antes de presenciarmos o acontecimento do último domingo, e vamos contá-los rapidamente por aqui:

Começando por nossos vizinhos, e sua notória simpatia por espaços públicos. Tivemos a melhor das impressões em nossa primeira viagem ao notar que não era somente nos grandes parques (como o Rosedal, na foto) que os argentinos se esparramavam, com suas cuias de mate, livros, radinho, bola e toalha. Grandes ou pequenas, em Buenos Aires ou Ushuaia, eles têm por hábito curtir as praças, calçadões e ruas com sua família e amigos. Esses espaços se fundem com a cidade num convívio dos mais harmoniosos possíveis. De fácil acesso e espalhados pela cidade, perto ou longe do metrô, dia ou noite, de bicicleta ou à pé, as praças e parques argentinos estão sempre cheios de gente, todos os dias da semana.

Parques, praças e muita, muita gente.

Parques, praças e muita, muita gente.

Atravessamos o oceano e chegamos até Viena (que foi tema de nosso texto anterior) – uma cidade notoriamente cara, todos sabemos ou fazemos ideia. Mas com algumas características que valem MUITO destaque: a começar pela semelhança com as cidades argentinas no que se diz respeito aos parques e praças. Gente de todas as idades se espalha pelos gramados e alamedas da cidade, dia e noite.

Se espalhar no gramado: aprovamos.

Se espalhar no gramado: aprovamos.

Mas o que mais nos tocou foi um acontecimento em particular: acabamos não assistindo a nenhuma ópera na cidade, e isso poderia ser uma lacuna em nossa viagem. Mas ao passarmos em frente ao Wiener Staatsoper (a Ópera de Viena), um imenso telão na sua lateral transmitia ao vivo e com um som muito bacana o espetáculo que acontecia lá dentro – e cujos preços são condizentes a uma ópera. Em Viena. Na Ópera de Viena. Uma multidão de pessoas assistia ao espetáculo sentada na calçada, no chão ou em cadeirinhas e banquinhos trazidos de casa, comendo uma pizza e tomando um vinho. Diversão, música e cultura –  de graça. Fizemos o mesmo, e ficamos por alguns minutos ali, curtindo não só a ópera, mas as pessoas. Era dia de semana – se não me engano, uma quinta-feira. Um momento que a gente certamente não esquecerá.

Ópera na rua. Quem diria?

Ópera na rua. Quem diria?

Voltemos à Paulista, que experimentamos ao lado de um casal de amigos cariocas no último domingo. Diversos comerciantes sabiamente abriram suas lojas. Outras tantas pessoas levaram seus carrinhos (de comida, de bugigangas, de serviços) pra calçada, e juntaram-se às tradicionais feirinhas do MASP e do Trianon. Vimos grupos de teatro, bandas tocando, gente fotografando, fazendo piquenique, lendo livro na calçada. Pais e filhos à pé ou de bicicleta, num clima tão bom que nos sentimos… turistas. Existe sensação melhor que essa?

Em São Paulo, o Minhocão já tem o trânsito de veículos restrito há tempos durante os finais de semana. Algumas avenidas da cidade (principalmente as atendidas por metrô e trem) como a Paulista, a Faria Lima e a Sumaré são sim ótimas opções para o passeio livre em dias de descanso. Temos as Viradas Culturais, onde a cidade toda vira um imenso palco dia e noite (e cuja qualidade e organização vêm melhorando com o passar do tempo). Com a possibilidade de utilização desses espaços, podemos sair de casa. Conhecer pessoas, reencontrar amigos. Nos divertir sem gastar tubos. Fazer nosso piquenique. Desafogar o Ibirapuera e outros parques. Termos uma vida mais saudável, sem enterrar nossas finanças numa academia. Enfim, aproveitar uma cidade que se orgulha tanto do tamanho que tem, mas que tem se mostrado dia-a-dia uma metrópole de gente egoísta e intolerante.

Talvez nos falte educação, ou estejamos saturados. Mas nenhuma justificativa explica o fato nos afastarmos cada vez mais daquilo que o ser humano tem de mais precioso – a possibilidade de conviver em harmonia com pessoas de diferentes origens, características e gostos. Ninguém que está feliz julga alguém que também está sorrindo – seja pelo motivo que for, é um fato. E nos propiciar alguns momentos de felicidade em lugares que estamos acostumados a correr e xingar é uma iniciativa que nós apoiamos e prestigiamos irrestritamente.

Se pudéssemos resumir esse texto em uma imagem, seria esta.

Se pudéssemos resumir esse texto em uma imagem, seria esta.

Áustria, Gastronomia

Porquinho dourado

25 de agosto de 2015

Gastávamos a sola em Viena. A cidade convida a bons e longos passeios, e o metrô é de uma abrangência absurda. Ainda não havíamos chegado na metade da nossa viagem, e na Áustria experimentávamos várias novidades: o primeiro país que utilizava o Euro até então – havíamos passado por Romênia (Leu), Polônia (Złoty) e República Tcheca (Koruna), nosso primeiro país a não fazer parte do bloco do Leste, e também um de nossos destinos mais aguardados, uma vez que reza a lenda que Viena é uma das cidades mais bonitas do mundo – e do mundo que conhecemos até o momento, essa lenda faz bastante sentido.

Era um dia de sol, com céu aberto e azul na capital austríaca, e havíamos passado toda a manhã e o começo da tarde visitando o Schönbrunn Palace (mais comumente conhecido como o Palácio da Sissi, do qual falaremos futuramente por aqui). Um passeio que, quando feito de forma tranquila e sem correria, leva mais de quatro horas sem o menor exagero: não somente dentro do palácio, mas principalmente por seu jardim, que é gigantesco e repleto de outras atrações. Depois de acumular uma boa quilometragem dentro daquela área enorme, uma coisa ficou muito clara pra gente: estávamos azuis – de fome. Logicamente haviam algumas opções lá dentro, mas tínhamos outros planos para nossos Euros.

Só pra dar uma ideia do quanto andamos pela manhã, e quantificar nossa fome visigoda. Contamos mais sobre esse lugar num futuro próximo, e com o devido carinho!

Só pra dar uma ideia do quanto andamos pela manhã, e quantificar nossa fome visigoda. Contamos mais sobre esse lugar num futuro próximo, e com o devido carinho!

Dos nossos desejos culinários daquele canto do mundo, já havíamos encarado o kebab, o eisbein, a salsicha, o apfelstrudel e trocentas cervejas. Era hora de encarar o wiener schnitzel – a milanesa de porco, bem fininha, e que vem acompanhada de um limãozinho em cima faz parte de 9 de cada 10 cardápios que havíamos pedido até então por aqueles lados (compequenas variações de acompanhamentos). Por ser um prato típico da região, nada mais justo do que caçar uma referência na cidade. E lá fomos nós, gastar mais uma solinha de sapato.

Já de volta à região central da cidade, andamos um pouquinho até encontrar uma viela que passa desapercebida a qualquer pessoa de passo mais apressado. Notamos as paredes verdes, e a plaquinha que estávamos à procura: Figlmüller | Seit 1905. Nossa fome era inversamente proporcional ao tamanho do restaurante – um, de seus dois endereços. Olhando pela janela, diversos velhinhos e pessoas razoavelmente bem vestidas (estávamos em Viena, e se a gente já tem esse jeitinho mulambo de se vestir aqui mesmo no Brasil, o que dizer de nossos modelitos de viagem, ainda mais depois de passar uma manhã inteira caminhando?).

A entrada da vielinha (ao fundo, à direita da foto)...

A entrada da vielinha (ao fundo, à direita da foto)…

...e num ângulo invertido, as mesmas paredes verdes da foto anterior (mas agora, numa foto nossa).

…e num ângulo invertido, as mesmas paredes verdes da foto anterior (mas agora, numa foto nossa).

Com certa reticência – que era menor que nosso desejo de experimentar o schnitzel – nos arriscamos com o garçom, que nos levou a uma das poucas mesas disponíveis no restaurante. O espaço apertado no fundo da casa ao menos era exclusivo – outras mesas, mesmo que de quatro pessoas, eram divididas por pessoas que nem sempre faziam parte do mesmo grupo – e isso aparentemente não incomodava ninguém.

A destreza dos garçons – inclusive anotando os pedidos – passava aquela impressão de se estar num lugar em que todo mundo sabe o que faz – e faz bem. Senhores “com cara de austríaco” passavam de lá pra cá, se desviando nos pequenos espaços para circulação naquela casinha. Quando chamamos, obviamente tanto eu como a Dé pedimos o tão famoso schnitzel. Na hora das bebidas, uma curiosidade: nada de refrigerante no cardápio. Eu me arrisquei com um troço que, se não me engano, era uma tônica/água/coisa com limão – que era horrorosa, enquanto a Dé pediu um suco de uva. Mas danem-se as bebidas.

Quando a propaganda faz jus à experiência, e se basta em uma imagem.

Quando a propaganda faz jus à experiência, e se basta em uma imagem.

O prato é um exagero. Ou melhor, vamos refazer essa frase: o prato é menor que o schnitzel. Você pede um acompanhamento (na foto, temos uma porçãozinha de batata), e traça uma estratégia pra conseguir comer o discão de carne. A milanesa sequinha e o limão entregam toda a expectativa que você tem quando experimenta um prato tradicional de um restaurante tradicional. Não é por falta de méritos que a casa existe há 110 anos, pois a milanesa é realmente uma experiência pra se levar nas melhores lembranças. Olhando em volta, é quase uma unanimidade, sendo poucas as pessoas que se arriscam em outro prato – mais ou menos aquela situação da pessoa que vai numa churrascaria pra comer salada.

Nossa visita ao Figlmüller não rendeu fotos ou vídeos caprichados, infelizmente – estávamos preocupados demais com o sabor do porquinho, e nossos registros foram de fato deficientes. Pra compensar essa falha, resolvi publicar um vídeo que encontrei nesse oásis chamado Youtube, que mostra a cozinha e o preparo do schnitzel no Figlmüller. Pra quem entende alemão, aceito a tradução das informações. Aos leigos (como eu), vale o registro da preparação da milanesa da foto a partir dos 4:30 (o vídeo é bom inteiro, então assistam sem pular). E caso aceitem o desafio, façam isso com fome. É espetacular.

*Nossa publicação de hoje tem motivos culinários por celebrar a marca superior a MIL SEGUIDORES, obtida ontem à noite com um incentivo mais que especial do Receitando Gastronomia, que vem nos dando uma força daquelas há alguns meses. Nossa forma de agradecimento põe na mesa comida e passaporte – essa combinação mais que perfeita, e que de apetite inesgotável 🙂

Áustria

O café de Freud, Hitler e Trotsky

18 de maio de 2015

O Cafe Central* (http://www.palaisevents.at/en/cafecentral.html) é uma casa tradicionalíssima de Viena. Localizada no andar térreo do antigo prédio da Bolsa de Valores austríaca, mistura-se muito bem ao visual tradicional e absolutamente bem preservado da Cidade Antiga (Innere Stadt), localizada na área central da cidade. O Cafe pode passar desapercebido num passeio mais apressado, pois possui um pequeno jardim e alguns guarda-sóis bem em frente a sua fachada, que é tão tradicional quanto os outros prédios vizinhos. Porém, a constante aglomeração de pessoas em sua entrada – por vezes sutil, por vezes desanimadora – deixa clara a necessidade de uma visita.

O visual imponente, a austeridade e a educação de seus funcionários pode afugentar os mais inseguros num primeiro momento. Mesmo de bermuda e camiseta, não há olhar torto nem discriminação no atendimento, portanto entre – mesmo se estiver de mochila nas costas. O responsável pela recepção (esse enorme senhor da foto abaixo) foi descrito pela Dé como “a cara da Áustria”. A legenda explica.

"Esse homem pra mim é a cara da Áustria" - BASSI, Debs.

“Esse homem pra mim é a cara da Áustria” – BASSI, Debs.

Seu interior é absolutamente fantástico. O Cafe Central completa 140 anos de existência em 2016, e está impecavelmente preservado, sendo nome presente em qualquer lista dos dez melhores cafés do mundo. Porque sim, não basta ser bonito – precisa ser gostoso. Suas colunas de mármore e os adornos do teto fazem do salão um lugar deliciosamente aconchegante. As mesas são pequenas, mas numerosas – o que causa uma boa rotatividade de clientes. Portanto, mesmo em caso de espera, não desanime, pois a chance do seu nome ser chamado rapidamente é grande.

Um lugar tão antigo e histórico só podia ser bonito. Pra burro.

Um lugar tão antigo e histórico só podia ser bonito. Pra burro.

Nossa visita aconteceu no meio de uma tarde quente, e acabamos/acabei (a Dé não gosta) não pedindo café. Mas fomos aconselhados a experimentar o apfelstrudel da casa. Tentando aproveitar ao máximo a experiência, eu pedi o dito, enquanto a Dé pediu um petit-gateau (sim, quando você sabe que só vai visitar um lugar uma única vez, tente tirar o máximo dele, mesmo que seu máximo possível seja composto de dois pratos, ao invés de somente um por duas vezes). Antes de falar dos dois, fiquem com as imagens:

Eu daria um abraço apertado nesse strudel.

Eu daria um abraço apertado nesse strudel.

E esfregaria esse petit-gateau na cara.

E esfregaria esse petit-gateau na cara.

Essa jarrinha ao lado do strudel é chocolate branco, meus amigos. O verdadeiro, não a barrinha de banha derretida. E essa folhinha com o nome do Cafe no topo do petit-gateau é uma folha… de chocolate. Sim, come-se isso. O chantilly é sexualmente indecente – sim, dá pra enfiar a cara nele e chamar de “meu amor”. Não por acaso, um dos frequentadores da casa era o safado do Adolf Hitler – e imagino que tenha sido uma clientela suficientemente exigente e satisfeita naqueles tempos. Porcos malditos à parte, a casa recebeu outros nomes que nos são muito mais simpáticos, e que também marcaram a história do mundo – porém, de uma forma muito boa, como Sigmund Freud, Leon Trotsky e Peter Altenberg. Com essa aura histórica permeando o ambiente, foi uma meia hora absolutamente gostosa e memorável essa que tivemos lá.

Nota-se que o pedido do  ainda não chegou.

Nota-se que o pedido do Altenberg ainda não chegou.

Viena é uma cidade propensa a bons momentos como esse, e dela falaremos em outras oportunidades. Mas quando estiver por lá, não esqueça: no meio da tarde, ao passar na esquina da Strauchgasse com a Herrengasse, uma pausa para o café pode ser bem especial.


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.