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América do Sul

Brasil, Em duas rodas

Uma chácara (do jockey) no meio do caminho

11 de maio de 2016

Faz uns dez dias que inauguraram um parque aqui do lado de casa. O Parque da Chácara do Jockey é um espaço mais do que necessário na região, por uma série de fatores óbvios: um espaço de lazer público e gratuito, um ambiente natural, uma área para desenvolvimento esportivo e cultural (existem instalações temporárias para esse fim), enfim… tudo aquilo que um parque precisa ter. A gente ficou mais do que feliz, afinal de contas além de ter tudo isso por perto, ganhamos em segurança ao cortar caminho por dentro do parque até a ciclovia mais próxima.

Parece besteira, mas faz toda a diferença. Encarar um segmento do trajeto em que é necessário dividir espaço com ônibus e carros numa área não delimitada dá um tremendo cagaço, além de ser naturalmente perigoso. Some-se a isso pessoas com pouca ou nenhuma experiência em trânsito, bicicleta ou ambos e um possível novo hábito acaba indo pro espaço pelo contexto ambiental nada favorável.

Um dos belos prédios do parque...

Um dos belos prédios do parque…

...e uma lagoa que sequer sabíamos que existia.

…e uma lagoa que sequer sabíamos que existia.

E reafirmamos: a estrutura de hoje é amplamente favorável. Nas andanças que fizemos por outros pedacinhos de mundo, vimos todo tipo de situação e estrutura (ou falta dela). Porém, o hábito do ciclismo é algo consolidado em outras cidades que não São Paulo, que ainda está engatinhando nesse processo. Ainda nos falta o hábito de entender o espaço do ciclista, de vê-lo como participante no trânsito e respeitá-lo como ser humano – sim, porque “a fragilidade do transporte” não significa que seja dele a responsabilidade de se adaptar às barbaridades que a gente vê por aí. Com a estrutura que hoje existe em várias partes da cidade – e nesse caso, da Avenida Eliseu de Almeida -, transformar vontade em ação quanto à prática de exercícios é algo muito possível. Com um parque do lado, a coisa toda fica ainda mais robusta.

Olhando pro gramado do vizinho, vimos ciclovias bacaníssimas e super bem estruturadas, localizadas entre a rua e as casas e protegidas por canteiros e jardins; também encontramos estruturas bastante semelhantes à encontrada hoje em São Paulo, que são um mix de novas instalações com estruturas adaptadas, com ciclofaixas pintadas na rua ou em calçadas; e vimos também algumas situações bastante inusitadas, onde o espaço da bicicleta ladeava ou dividia terreno com ônibus, bondes e carros. Algo passível de xingamento aos mais exaltados, mas que se a gente pára pra pensar e imagina aquela situação sem vícios de momento, enxerga que sim: o espaço é o mesmo para todos porque… tem que ser assim. O que muda é o casco: são pessoas em movimento, e respeito é essencial em qualquer circunstância.

Uma ciclovia ideal em Bucareste.

Uma ciclovia ideal em Bucareste.

Uma ciclofaixa temerosa na Bratislava.

Uma ciclofaixa temerosa na Bratislava.

Por isso mesmo, estamos comemorando esse novo espaço – que sim, é uma dica turística em São Paulo, por que não? Uma área gigante (e ainda na laje, é bom que se diga que possivelmente haverá um maior paisagismo com o tempo – porém o nome “chácara” faz todo o sentido nesse momento), com amplo espaço verde, uma lagoa que nem sabíamos que existia, as cocheiras que estão se transformando em salas administrativas, e sim: uma ligação verde entre duas enormes avenidas. Recomendamos, adoramos e frequentamos.

Quer conhecer o casal Faniquito? Aos finais de semana de tempo limpo, aqui pertinho de casa :)

Quer conhecer o casal Faniquito? Aos finais de semana de tempo limpo, aqui pertinho de casa 🙂

Perú

Até os ossos

19 de abril de 2016

Nosso vôo saiu do Brasil ainda de madrugada, e chegamos logo cedo a Lima. Os guias responsáveis por nossa recepção avisaram que nosso primeiro passeio na capital peruana seria uma visita à Iglesia de San Francisco. Estávamos MORRENDO DE SONO e nossos ossos ainda doíam quando a van chegou até o hotel, e o trânsito caótico em direção ao centro histórico da cidade deixava nossa missão ainda mais difícil.

Começando pelo fato de que não somos lá muito religiosos, nenhum dos dois, e portanto visitar igrejas, capelas e catedrais nem sempre faz parte dos nossos planos. Mas essa viagem era diferente, e o planejamento não era nosso, portanto seguiríamos aquilo que nos havia sido planejado (de graça, sempre é bom reforçar isso numa viagem que você ganha num concurso cultural). Além disso, havia a figura do guia – algo até então novo pra nós. Muito simpático e tagarela, o rapaz não calava a boca. Entrar no ritmo dele depois de uma noite de sono tão curta não estava sendo fácil. Eis que enfim o motorista parou o carro, e poucos metros depois estávamos em frente à catedral.

Não é todo dia que tem alguém pra tirar foto da gente viajando :)

Não é todo dia que tem alguém pra tirar foto da gente viajando 🙂

Obviamente o guia nos explicou cada detalhe, tanto do exterior como do interior. E lógico que a gente se lembra de muito pouco ou quase nada. Porém, nos impressionou o trabalho em madeira do coro da igreja, e a área que funcionava como prisão, além da beleza interna da catedral como um todo.

O tagarela e uma explicação da qual não lembro de absolutamente nada...

O tagarela e uma explicação da qual não lembro de absolutamente nada…

...e o trabalho em madeira do coro - esse sim eu lembro bem, porque é bonito pra burro.

…e o trabalho em madeira do coro – esse sim eu lembro bem, porque é bonito pra burro.

Com a Dé de dentro da prisão, uma foto bem legal!

Com a Dé de dentro da prisão, uma foto bem legal!

É de fato um prédio muito bonito. Até aquele momento o passeio era ok – nada de muito novo ou muito impressionante. Mas eis que fomos surpreendidos novamente:

– Agora vamos conhecer o ossário?

Ora, um ossário é sempre um negócio bacana…! Afinal de contas, quem não curte uma caveirinha original? Pois muito bem… descemos até uma área subterrânea da igreja. Soubemos ali que a catedral possuía diversas catacumbas e passagens secretas, e a cada informação nova dessa natureza a curiosidade só aumentava. Quando preparávamos nossas câmeras, o aviso chegou: não eram permitidas fotos nas catacumbas.

Cacete. Mas pra isso existe a internet 🙂

Afinal, naqueles corredores jazem os restos mortais de aproximadamente 25 MIL PESSOAS. Em caixotes ou agrupados em arranjos geométricos, os crânios, fêmures, tíbias e outros ossinhos estéticos adornam as galerias da igreja. É uma das maiores coleções dessa natureza em todo o mundo, e o resultado estético é, no mínimo, impressionante.

Um dos vários corredores que ligam as galerias (e ainda não se sabe se existem outros, e a quais prédios ligam).

Um dos vários corredores que ligam as galerias (e ainda não se sabe se existem outros, e a quais prédios ligam).

Uma das "exposições" de ossos. Na foto anterior, eles estão em caixas e valas pelo caminho.

Uma das “exposições” de ossos. Na foto anterior, eles estão em caixas e valas pelo caminho.

Desde o começo do século XIX, o local servia de cemitério para moradores da região, uma vez que ainda não havia um cemitério “oficial” pelas redondezas. Mesmo após sua inauguração em 1808, a igreja continuou recebendo cadáveres até 1821, quando sua utilização foi definitivamente proibida por Don José de San Martín, com o intuito de evitar a proliferação de doenças e epidemias. Obviamente todos os ossos estão fossilizados, e não há nenhum tipo de odor desagradável no local.

Passear em meio a tantas testemunhas é daquelas experiências que você não esquece nunca mais. E nos serviu como cartão de visitas da capital peruana. Um cartão pouco ortodoxo, é verdade… mas suficientemente marcante para, por breves instantes, mandar nosso sono pro espaço, e trocar o bocejo pela alegria que só uma viagem é capaz de trazer.

Venezuela

Uma saga chamada Roraima (6/6)

12 de abril de 2016

Com muita tranquilidade, acordamos para nosso último dia no Monte Roraima. Voltar a dormir na primeira base foi um misto de alívio e realização, uma vez que havíamos sim vencido o gigante, e toda dor dali em diante faria parte do preço pela aventura. Podíamos lidar com isso. Além do mais, havíamos tomado banho após longos dois dias e meio, e a sensação de ares renovados ultrapassava qualquer explicação que eu seja capaz de dar.

Pro meu azar, o café da manhã era omelete (eu não como ovo). Não lembro qual a opção que havia naquele momento, mas sei que havia uma, e tomamos nosso café da manhã sem pressa. Arrumamos nossas coisas, e a última coisa a ser feita foi calçar as botas pela última vez. Os pés estavam machucados demais, e seriam mais 13 quilômetros naquela condição. Mas botamos a mochilinha nas costas e seguimos.

Sem a pressão da descida, fizemos o caminho de volta sem atropelos. Com o corpo já aquecido, as dores aumentaram e o cansaço não tardou a aparecer. Mantivemos nosso ritmo (que era lento, mas constante) e seguimos adiante, com rápidas pausas pra água e algum descanso. O visual da manhã era lindo, e o tempo ainda ameno nos ajudava.

Não é todo dia que essa é sua paisagem matinal.

Não é todo dia que essa é sua paisagem matinal.

Com o calor aumentando, o restante do grupo se distanciou e novamente restamos apenas nós dois. Caminhávamos lentamente no trecho final, e já nos últimos metros, quando existiam subidas e descidas, tomamos todo o cuidado do mundo para não aumentarmos ainda mais os problemas físicos que vínhamos acumulando pelo caminho: as articulações estavam doídas, as costas pesavam e a respiração não era fácil – mas tudo isso devido à nossa total falta de preparo para a aventura. Quando avistamos a entrada do parque, fomos tomados de uma alegria tão grande que a única coisa que pensávamos naquele momento era “vamos chegar”. E chegamos.

Assim como ocorreu durante nossa chegada ao Roraima, o grupo todo nos aguardava e comemorou nossa vitória. Eu segui direto pro banheiro, onde tomei um banho na pia e fiz aquele xixi na alvenaria que há quase uma semana não fazia. Quando voltei, a Dé estava encostada, com a pressão caindo. Corri em direção ao Ricky, e ele ainda mais rapidamente foi socorrê-la. Puxou do bolso um vidrinho com extrato de cânfora e fez a pequena ressurgir numa fungada só que ela deu. Os jipes chegaram na sequência, e ele ordenou que ela fosse a primeira a entrar, e ficasse próxima dele durante nossa volta. O mesmo guia que havia me recomendado não subir, que tirou um sarro com a nossa cara na noite anterior e que salvou a pele da Dé em nossos últimos momentos por lá. Um cara legal, o Ricky.

Crentes que seríamos levados direto pro hotel em nossa volta, qual não foi nossa surpresa quando o jipe tomou o sentido contrário na rodovia principal e seguiu adiante. Pouco depois, o dito parou num restaurante de beira de estrada. Nosso fechamento seria UM ALMOÇO. COM CERVEJA GELADA. E COCA-COLA GELADA.

Sério povo, vocês não imaginam o que é aproveitar um momento.

Apesar de ter mais gente na foto do que no nosso grupo, é essa nossa segunda e última foto conjunta na até o momento maior aventura das nossas vidas.

Apesar de ter mais gente na foto do que no nosso grupo, é essa nossa segunda e última foto conjunta na até o momento maior aventura das nossas vidas.

Enfim, relaxamos. Devidamente comidos, agora sim seríamos deixados no albergue do Backpackers (que era vizinho ao nosso, ou seja, fomos deixados na porta do nosso destino). Mochilinhas e mochilões desembarcados, a primeira providência foi um banho de chuveiro. E que coisa linda é essa coisa de chuveiro, não? Ventilador no teto. Uma cama macia. Um teto sobre a cabeça. A gente valoriza tudo depois de não ter nada, e que diferença é nossa cabeça apenas uma semana depois. Do grupo, alguns amigos permanecem em contato com a gente até hoje, e de tanta dificuldade carregamos as melhores lembranças – principalmente, porque as dores passam. No corpo, na vida… só fica o que é bom.

E é por isso que a gente viaja.

Venezuela

Uma saga chamada Roraima (5/6)

22 de março de 2016

Acordamos cedo, de verdade. Não sei que horas eram, mas ao abrir a barraca não existia Monte Roraima. Tudo era névoa, e a sensação é que estávamos (e devíamos estar mesmo) no meio de uma nuvem espessa. Não era um bom sinal, pois a descida era perigosa mesmo em condições climáticas ideais. Aquele clima multiplicava o perigo. Fechamos a tela e começamos a nos trocar. Dez minutos depois, abrimos novamente e… nem sinal de névoa. Mesmo escuro, o céu estava aberto. Não há meteorologista que consiga decifrar o que acontece lá em cima…

O café da manhã consistia num mingau HOR-RO-RO-SO, e uma maçã. Nosso guia disse que era o desjejum ideal, e por isso encaramos até onde nosso estômago aguentou. Passamos para a maçã em seguida (pra tirar aquele gosto de papa da boca), e de barriga cheia arrumamos nossas coisas. Antes da descida, o Ricky reúne o grupo e pede para que todos oremos por um retorno em segurança. Definitivamente o papo sobre os perigos daquela manhã era bem sério. Seguimos.

O caminho era exatamente o mesmo de dois dias antes, no sentido inverso, com o agravante de somar a quilometragem do segundo dia, para que chegássemos à primeira base – aquele em que dormimos no primeiro dia. No total, eram 17 quilômetros pelo caminho, sendo 4 pra baixo e 13 pra frente. Pra animar, um visual inspirador antes da descida.

Era só descer. Simples, não?

Era só descer. Simples, não?

O primeiro trecho era justamente o Paso De Las Lágrimas, agora pra baixo. Pedras molhadas, um cuidado desgraçado, por muitas vezes encaixamos o corpo e fomos descendo quase de bunda. O grupo vinha unido, e com ordens expressas de não parar para fotografias naquele local sob hipótese alguma (o que explica um pouco a falta de imagens desse texto). No meio da descida, o celular da Dé dispara um alarme que ela esqueceu de desligar. Sem poder parar, seguimos com o alarme tocando por uns 20 minutos até a primeira parada. Uma cena que de tão ridícula foi engraçada demais.

Vencida essa etapa, agora “era só descer”. Parece fácil falando assim, mas não demorou para entendermos o porquê daquele dia ser justamente o mais difícil. Os obstáculos não eram tão grandes logo de cara, mas eram constantes. Já era nosso quinto dia, e não tardou para os músculos das pernas começarem a cansar. Descíamos lentamente (o grupo novamente desgarrou), e aos poucos os joelhos foram ficando bambos. Um pouco depois e já tínhamos que usar os braços para apoiar o corpo. A descida ficava mais íngreme, pois havíamos ultrapassado o paredão e entrávamos no trecho que levava até o segundo acampamento, e a trilha ficava definitivamente vertical. Os braços cansaram, e passamos a descer de bunda, literalmente. Nosso ritmo era cada vez mais lento, e a manhã ganhava ares dramáticos, quando finalmente chegamos.

A primeira parte tinha ficado pra trás. Ou pra cima.

A primeira parte tinha ficado pra trás. Ou pra cima.

Ao lado, a cachoeira do Kukenán lá longe.

Ao lado, a cachoeira do Kukenán lá longe.

Nisso todo o grupo já estava descansando e pronto para almoçar. Não tínhamos ideia de que horas eram. Ainda estávamos sem banho (naquele momento já eram dois dias desse martírio). Jogamos as mochilas no chão, pegamos um prato e comemos o que conseguimos, pouco antes de desabar no chão. Não se passaram dez minutos até ouvirmos o chamado do guia: “Vamos embora?”

Pegamos as mochilas e saímos antes de todo mundo, já sabendo que seríamos ultrapassados nos minutos seguintes – o que obviamente aconteceu. Com o passar do tempo, nos vimos (quase) isolados novamente (pois tínhamos a companhia do Christoph, um dos dois alemães do grupo, e que estava tão cansado quanto a gente), seguindo uma trilha que parecia ser a correta. Esse “parecer” começou a nos preocupar quando passamos a ter uma visão mais ampla do horizonte, confirmando que de fato não havia ninguém por perto. Acho que estávamos cansados demais para entrar em pânico, e seguimos adiante, confiando que chegaríamos ao nosso destino. O tempo se arrastava, e a impressão era de estarmos caminhando há horas. Meu maior medo era que chegássemos sem luz natural ao primeiro acampamento, e não pudéssemos tomar banho por mais um dia – coisa que já não dava mais pra tolerar.

Treze quilômetros de uma trilha não tão confiável (mais pra frente).

Treze quilômetros de uma trilha não tão confiável (mais pra frente).

Quando tudo parecia desgraçado, vimos alguém mais à frente. O coração acelerou. Era um dos guias, nos esperando para atravessar o primeiro dos dois rios que precisávamos cruzar. Não estávamos longe! Mas as pernas estavam esgotadas, e nosso medo de cair era gigante. Com todo o cuidado do mundo e com muta ajuda dele, atravessamos um a um até a outra margem. O Christoph resolveu ficar por ali mais um pouco para descansar, enquanto eu e a Dé seguimos desesperadamente para o primeiro rio. Queríamos chegar. Queríamos tomar banho. O ânimo ganhou sobrevida, e mesmo em frangalhos nos apressamos. O Ricky nos esperava no primeiro rio, e da boca dele veio nosso maior presente:

– Ricky! Que horas são?!?!?
– São 13h40.

SIM, ERA COMEÇO DA TARDE – AINDA!

A impressão era de fim de tarde, tal o nosso cansaço. Com a ajuda dele, atravessamos trôpegos e seguimos de meias encharcadas até o acampamento, que ficava pouco acima. Com exceção do Christoph e do canadense – que faziam parte do grupo, éramos novamente os últimos. Porém dessa vez, nada de mau humor. O grupo nos recebeu com uma alegria absurda, e a tarde era ensolarada e linda! Foi emocionante demais chegar ali, seguir até nossa barraca, arrancar a roupa e correr em direção ao rio!

Tomamos um banho que levou umas duas ou três horas, eu não sei precisar. Foi sem a menor sombra de dúvida – e debaixo de um sol delicioso – o melhor banho das nossas vidas.

Cheirosos, dignos e LIMPOS, voltamos ao acampamento. A Dé foi tirar um cochilo, eu fiquei com o grupo. Passamos a tarde conversando, ganhamos um queijinho (!) dos guias enquanto eles preparavam o jantar. O clima era leve, e não havia ser humano triste naquele lugar. Outros grupos estavam por ali – todos em seu primeiro dia de expedição. Alguns viajantes vieram pedir dicas e impressões da gente. A Dé apareceu, e agora estávamos todos do nosso grupo numa única mesa. Veio a comida (que era novamente macarrão – a gente não aguentava mais macarrão!), e pela última vez jantamos todos juntos. Assim que terminamos, o Ricky tomou a frente e preparou um agradecimento coletivo. Ressaltou o esforço de cada um, e novamente fomos… os últimos:

“Vocês dois… eu confesso que me enganei a respeito de vocês. Achei que os gordinhos (!) não iam conseguir, mas vocês estão aqui, e merecem os parabéns de todos nós!”

Meio fiodaputa, mas a gente aceitou o elogio.

Ainda mais porque em seguida os caras trouxeram duas garrafas de vinho (! de novo) pra todo mundo brindar o final daquele dia glorioso. O vinho era tão bom quanto o macarrão, mas e daí? Urubu na guerra é frango, meus amigos, e não ficou gota na garrafa. A ordem pro dia seguinte era que acordássemos mais ou menos cedo, tomássemos o café da manhã sem pressa e de lá seguíssemos calmamente até a base. Estava quase acabando, e fomos dormir com sentimento de missão cumprida…

…mas duvidando que nossos corpos (e pés) funcionariam na manhã seguinte.

Argentina

Martillo: a ilha dos pinguins

17 de março de 2016

Uma das atrações mais populares do “fim do mundo” é sem dúvida a ilha dos pinguins. Fim do mundo, afinal Ushuaia é a cidade mais austral do planeta, e se o mundo está acabando, nada melhor do que estar em companhia de um dos bichinhos mais simpáticos dessa vida.

Compramos nosso passeio no quiosque da Piratour logo pela manhã. Estimado em aproximadamente seis horas, o passeio inclui o traslado do centro de Ushuaia até a Estância Harberton (que fica a aproximadamente 80 km de distância), e o deslocamento de barco da Estância até a Isla Martillo (ou ilha dos pinguins), num trajeto de mais ou menos 15 minutos. Já com um pequeno grupo reunido, recebemos o voucher mais estranho e precário de nossas vidas, e alguns minutos depois nosso guia chegou. O tour estava começando.

Se por algum momento você achou precário o ingresso do barquinho no post anterior...

Se por algum momento você achou precário o ingresso do barquinho no post anterior…

Com instruções em inglês e espanhol, o rapaz se desdobrava. Longe de parecer um esforço, as informações gerais foram passadas tanto na van como no barco: a chegada à ilha seria feita de forma tranquila e ordenada; o grupo deveria seguir a trilha delimitada no chão, caminhando de forma tranquila, lenta e compacta; os pinguins se aproximariam, e toda e qualquer iniciativa de contato deveria ser deles, e nunca nossa; em hipótese alguma tentar acariciar os bichinhos, que naturalmente revidariam, e não havia nenhum hospital ou posto médico próximos à ilha; nada de alimentar os pinguins, entre outros procedimentos que todos sabemos existir quando do contato com a vida selvagem do planeta.

Durante o trajeto de van, uma rápida parada na estrada para fotografar as árvores que crescem sob o vento mais que forte da Terra do Fogo. Um lugar belíssimo, que merecia de fato uns minutinhos de registro.

Pense num lugar bonito...

Pense num lugar bonito…

...e gelado!

…e gelado!

O vale é essa coisa linda e verde.

O vale é essa coisa linda e verde.

Mas as árvores que nascem "de cara pro vento" crescem desse jeito. Não é exagero dizer que o vento patagônico é capaz de derrubar (ou nesse caso, entortar).

Mas as árvores que nascem “de cara pro vento” crescem desse jeito. Não é exagero dizer que o vento patagônico é capaz de derrubar (ou nesse caso, entortar).

Assim que chegamos à Estância Harberton, o barco já estava atracado. Uma parada rápida praquele xixi amigo (sim, outra instrução: a ilha não tem banheiro, então trate de se aliviar ou antes ou depois) e embarcamos.

Tudo bonito demais a caminho da ilha dos pinguins.

Tudo bonito demais a caminho da ilha dos pinguins.

Alguns minutos de passeio, e pouco depois chegávamos à Isla Martillo. Desembarcando um a um, o cenário que surgia era coisa inexplicável de tão… fofinha.

Sabemos que uma imagem vale mais do que mil palavras, e as nossas são deliciosas. Deixaremos a descrição do passeio a cargo delas, e vamos enumerar algumas coisas que possivelmente vocês não vão encontrar em outro texto sobre a ilha:

  • Primeira coisa: o cheiro de peixe. Se você é daquelas pessoas que passa mal com a barraca de peixe da feira, o passeio pode não funcionar pra você. A gente tem aquela imagem idealizada de fofura dos pinguins e esquece que os bichinhos são selvagens e fedidinhos;
  • Se você assistiu “Os Pássaros“, pode rolar um certo pânico também;
  • O terreno é bastante lamacento – o que é ótimo pra eles. Por isso mesmo, a escolha de roupas mais acertada consiste em uma bota confortável e bacana, calças jeans (ou de qualquer tecido grosso, veja o vídeo mais abaixo pra entender o porquê) e um casaco corta-vento. Além do cuidado com os pinguins, vale um cuidado com a própria ilha – que escorrega bastante. Cair nunca é legal. Cair em cima de um pinguim, menos ainda;
  • Apesar da quantidade abissal de pinguins, eles não se aproximam tão descaradamente como pode parecer (a lente da Dé era maior do que o normal). Então, muita calma e paciência pra fotografar e filmar os danados.  Mesmo assim, dá pra ver de perto e a experiência continua sensacional;
  • Leve bateria e cartão de memória sobressalentes. É tanto pinguim que você vai querer fotografar um por um;
  • As diferentes espécies de pinguins convivem numa boa;
  • Os pinguins peludinhos são os filhotes. Com o tempo, essa pelugem marrom vai caindo, e eles vão ficando com aquela cara que a gente conhece.
Quando chegamos, fomos recebidos...

Quando chegamos, fomos recebidos…

...de braços abertos.

…de braços abertos.

Que praia sensacional e lotada, essa.

Que praia sensacional e lotada, essa.

Uma daquelas fotos com sorriso mais que sincero, que você vai guardar pro resto da vida.

Uma daquelas fotos com sorriso mais que sincero, que você vai guardar pro resto da vida.

"E aí pinguim, rola uma selfie?"

“E aí pinguim, rola uma selfie?”

O passeio é sossegadíssimo. Pessoas de todas as idades podem fazê-lo tranquilamente, e a diversão é mais que garantida. É impossível não se encantar com a doçura dos bichinhos, e passar a identificar um ou outro (o mais saidinho, o cantor, a mãezona, o sem-vergonha, o tímido, as crianças, etc.). O mais legal: não tem nada de artificial na ilha. É habitat deles, e a gente que está no papel de visita. Nada de cercas, divisórias ou adestramentos, e é maravilhoso.

No meio do caminho, um casal de pinguins imperadores, que estava de passagem pela ilha.

No meio do caminho, um casal de pinguins imperadores, que estava de passagem pela ilha.

Claro que nem tudo é pinguim...

Claro que nem tudo é pinguim…

...mas a maioria é.

…mas a maioria é.

Um deles resolveu se amigar com esse cara.

Um deles resolveu se amigar com esse cara.

E até posou pra foto, enquanto a gente filmava.

E até posou pra foto, enquanto a gente filmava.

Pinguins enquanto crianças, e seus casaquinhos...

Pinguins enquanto crianças, e seus casaquinhos…

...que, com o tempo, vão dando lugar ao "pinguim com cara de pinguim".

…que, com o tempo, vão dando lugar ao “pinguim com cara de pinguim”.

E antes de ir embora, que tal uma cantoria?

E antes de ir embora, que tal uma cantoria?

Que passeio di-ver-ti-do!

Que passeio di-ver-ti-do!

Pouco antes de ir embora, uma última visita. O Museu Acatushún pertence à Estância Harberton, e nele temos mais uma aula rápida sobre a vida marinha da região.

Afinal de contas, um pouquinho a mais de conhecimento não faz mal a ninguém.

Afinal de contas, um pouquinho a mais de conhecimento não faz mal a ninguém.

Serve como fechamento perfeito pra uma manhã tão diferente, e a gente sai de lá se sentindo mais rico, feliz e de coração quente – apesar do vento patagônico, que é sempre gelado. Mais do que recomendado, é um passeio obrigatório pra quem chega ao fim do mundo 🙂

Bolívia

O azul mais azul do Titicaca

15 de março de 2016

O ônibus ia de Copacabana a La Paz, por um caminho que mal conhecíamos (mas que de tão bonito, será abordado num texto só pra ele). Num determinado momento, ele parou. Tínhamos que descer, e já esperávamos por algum problema mecânico ou coisa do tipo – apesar do aparente bom estado do veículo, não seria nenhuma surpresa. Não era um problema, e sim um obstáculo. Surpresa sim, mas a melhor possível: atravessaríamos o Lago Titicaca de barquinho.

Não lembro se era manhã ou tarde. Estava um belo de um sol, mas o vento que bate naquela região é gelado de verdade. Enquanto aguardávamos o barquinho chegar, um esclarecimento necessário: minha mãe nunca tinha andado de barco, e além disso não sabe nadar. Havia uma expectativa quanto à reação dela, que seria confirmada ou desmentida na sequência. Compramos os bilhetes (sim, porque a surpresa ia além, e o tal barquinho não fazia parte do custo total do passeio – só pra reafirmar a importância de, durante uma viagem, ter sempre um dinheirinho no bolso pra possíveis ocorrências). O barquinho chegou.

Se você pensa que tudo hoje em dia é digital...

Se você pensa que tudo hoje em dia é digital…

Um pequeno atracadouro, onde esperamos nosos barquinho.

Um pequeno atracadouro, onde esperamos nosos barquinho.

Pra que possamos entender o azul que dá título ao texto, essa é apenas uma ideia. Bovamente, as fotos não fazem jus.

Pra que possamos entender o azul que dá título ao texto, essa é apenas uma ideia. Bovamente, as fotos não fazem jus.

Entramos um a um, e antes de sair colocamos os coletes salva-vidas. Minha mãe ficou razoavelmente aliviada com o acessório. Puxamos as máquinas fotográficas, enquanto mais algumas pessoas entravam. Os locais aparentemente não precisavam ou não queriam os coletes, e se posicionaram de pé mesmo. Não sabíamos o quão certo aquilo tudo estava, mas sem saída, confiamos no que estava por vir. O velhinho ligou o motor e partimos para a travessia.

Todos à bordo, com ou sem colete...

Todos à bordo, com ou sem colete…

...era hora de preparar a máquina fotográfica e mandar aquele hang loose pra Jesus.

…era hora de preparar a máquina fotográfica e mandar aquele hang loose pra Jesus.

Um barquinho pequeno, mas honesto, e a velha mãe se deixou levar pelo momento. Era muito difícil se deixar amedrontar por tanta beleza. Com a cordilheira mais adiante, a travessia entre os dois vales servia de moldura pra um azul profundo daquele mundo de água gelada. O Titicaca é um dos pedaços mais bonitos da Bolívia, numa paisagem com gosto de América do Sul. Foram apenas alguns minutos, mas cuja memória ainda é cristalina.

Nosso comandante...

Nosso comandante…

...naquele tapete azul.

…naquele tapete azul.

Seguiram-se alguns minutos de total tranquilidade e beleza.

Seguiram-se alguns minutos de total tranquilidade e beleza.

Pra dentro das cores da água do Titicaca :)

Pra dentro das cores da água do Titicaca 🙂

Na chegada, fomos recebidos por uma alpaca muito da simpática. O susto passou, dando lugar à celebração de mais um momento bacana.

Um sorriso na chegada...

Um sorriso na chegada…

E três (ou quatro) sorrisos como resultado de um passeio tão bacana.

E três (ou quatro) sorrisos como resultado de um passeio tão bacana.

É assim mesmo: a gente planeja saída e destino, e fica sujeito a tudo o que acontece pelo caminho. Pode dar numa baita de uma dor de cabeça, pode dar num dia como esse, onde o azul deu o tom.