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Causos

Causos, Romênia

Um sonho por 50 Bani

29 de outubro de 2015

Ontem fez exatamente um ano que a Dé levou uma TREMENDA rasteira profissional. Não foi uma surpresa, mas ainda assim não foi um momento lá muito fácil. Antes que vocês fujam daqui, vou explicar o contexto desse momento – de mochila nas costas.

Sabe aquela hora em que você PRECISA viajar, pois o trabalho te consumiu de tal forma que uma pausa é tão necessária quanto respirar? Essa era ela, antes das nossas férias: clima ruim em casa, cansaço mental, emputecimento agudo… toda aquela coisa que todos nós sabemos muito bem como funciona. Preparamos as mochilas e fomos descansar (bem) longe daqui.

Os dias se passaram, e quando os trinta dias estavam terminando o pensamento de voltar a viver naquele inferno começou a tomar conta da cabeça da pequena. Em nosso penúltimo dia de Romênia estávamos visitando o Castelo de Peleș (que foi motivo do nosso segundo texto no Faniquito), quando pouco antes da saída passamos por uma daquelas fontes repletas de moedas, que a gente vive encontrando em diversos cantos do mundo. Um lugar lindo daqueles, seria possivelmente “nossa última fonte em muito tempo”… oras, por que não fazer uma fezinha? Chamei a Dé:

– Vem cá.
– O que foi.
– Pega a moedinha, e faz um pedido.
– Qual pedido?
– Aquele.

Era igualzinha :)

Era igualzinha 🙂

Era óbvio qual seria o pedido.

Viramos as costas, ela jogou a moedinha. Eram só 50 bani (coisa de 50 centavos de Real), mas acho que a vontade era tamanha de se livrar daquele encosto de emprego que o pedido foi feito recheado de esperança. “Vai dar certo, vai por mim“, eu lembro de dizer antes de dar um abraço nela. Passamos bem o resto do dia, e voltamos pro Brasil com aquele sentimento de missão cumprida depois de uma viagem gostosa como a que havíamos feito.

Obviamente o humor dela foi pro espaço já na primeira semana de volta ao emprego. Coisa de pouco menos de um mês, nessa mesma data, a Dé rodou. Dia seguinte ela já estava tocando a vida novamente, e três dias depois arranjou um novo lugar pra trabalhar: mais distante de casa, mas com gente interessada, profissional e sem fulando puxando tapete de geral. É lá que ela está até hoje, feliz da vida e levinha da Silva.

Faz um ano que aquela fonte nos fez o favor de levar a sério nosso pedido. Toda viagem tem por função natural trazer pras nossas vidas dias melhores. Essa em especial trouxe mais que isso, e um ano depois a gente continua muito grato por, em algum momento, termos apostado numa grande virada em nossas vidas em uma moedinha dourada que valia quase nada.

Valeu, e muito.

Bolívia, Causos

F****.

8 de outubro de 2015

Estávamos viajando pela Bolívia, e nosso próximo deslocamento seria de La Paz para Tupiza. Obviamente comprar uma passagem de ônibus em La Paz é uma experiência bem diferente do que fazê-lo no Terminal Tietê, por exemplo: não espere guichês organizados e garantias de que aquilo que você vê na foto é o que de fato você recebe. Mas é claro que não sabíamos de nada disso.

Esqueça credibilidade. Você está em La Paz.

Esqueça credibilidade. Você está em La Paz.

Então fomos até a rodoviária, comprar as tais passagens. Chegando ao guichê, um homem todo prestativo nos ofereceu um ônibus bacana, com ar condicionado e conforto. Tem banheiro? Não, mas o ônibus fará três ou quatro paradas em alguns hotéis pelo caminho. Nos parecia uma boa, e compramos nossos quatro bilhetes por preços bem cabíveis, felizes da vida.

Uma das nossas melhores fotos de viagem. Sequer imaginávamos a tragédia que estava para acontecer.

Uma das nossas melhores fotos de viagem. Sequer imaginávamos a tragédia que estava para acontecer.

Tudo pronto para a viagem – seriam aproximadamente 10 horas de ônibus, e sairíamos no meio da noite. Assim, com bancos reclinados, dormiríamos até a manhã seguinte, quando chegaríamos a Tupiza. Colocamos as malas no bagageiro do ônibus, e ao subir a escada percebemos o tamanho do buraco em que havíamos nos metido: os ônibus bolivianos que havíamos pegado até então já não eram lá essas coisas, e esse parecia “especialmente pior”, a começar pela pintura bizarra de uma espécie de Professor Girafales Seresteiro que embelezava seu exterior. Lá dentro, apenas bolivianos, que em nada lembravam turistas – pareciam locais indo para o interior, mais ou menos como se fosse uma viagem de São Paulo a Vitória feita no ônibus mais barato – e boliviano. As pessoas não queriam pagar para despachar suas bagagens, e em pouco tempo o interior do veículo virou uma zona: mantas, malas enormes, e em alguns quilômetros, uma parada providencial para que a maioria dos passageiros comprasse cada um seu frango, feito na rua e bastante cheiroso – é bom dizer – mas imaginem um ônibus cheio de gente comendo frango.

As poltronas eram esquisitas, as janelas não fechavam direito, e obviamente não existia nenhum ar condicionado naquele pardieiro. A noite avançava, e a vontade de ir ao banheiro surgiu na minha mãe. Esperávamos a chegada ao primeiro hotel, quando o ônibus pára no meio da estrada. Um breu. Ela, apertada, desce pra ver onde rolaria o tal xixi. A Dé acompanhou a sogra, num gesto de grandeza e inconsequência. Me contou depois que os “banheiros” eram num descampado, cujos azulejos possuíam cor e tons extremamente suspeitos. As cholas que desceram do ônibus para o mesmo fim simplesmente se agachavam e levantavam um pouco as saias. Ao término, ajeitavam a roupa e voltavam pro ônibus. Não vi nada disso. Não temos fotos. Sou extremamente grato por isso, pois imagino que a experiência tenha sido algo desse tipo:

Veio a madrugada. Eu estava numa janela, minha mãe na janela oposta. Nas poltronas do corredor, a Dé e a Mel. Entrava um vento gelado pelas frestas das janelas, que não nos deixava dormir de jeito nenhum. Disseram-me que havia gente deitada no corredor, dormindo ali mesmo, e eu não duvido nem um pouco. A noite foi longa e terrível, mas assim que amanhecesse chegaríamos ao nosso destino e todo esse pesadelo acabaria. O sol surgiu, e entramos numa área de deserto. Sentia que estava acabando.

Sentia, quando o ônibus quebrou.

Como um ônibus com uma pintura dessas poderia dar certo?

Como um ônibus com uma pintura dessas poderia dar certo?

E não quebrou pouco. Um problema no eixo, que nos estacionou no meio do nada. Esperamos do lado de fora, enquanto o motorista tentava consertar aquela desgraça. Nosso tour para Uyuni sairia de Tupiza às 14h, e os nervos estavam mais quentes que aquela areia toda. Algum/muito tempo depois, pediram para que subíssemos. O ônibus partiu, com barulho de coisa quebrando, e numa velocidade inferior a qualquer bicicleta que por um acaso se perdesse por lá.

Assim seguimos por algum tempo, até chegarmos num vilarejo completamente inexplicável: Santiago de Cotagaita. Consistia numa rua de terra, com duas ou três esquinas, uma agência da Western Union e alguns “restaurantes”, com aspas mesmo. Descemos, e o motorista levou o ônibus mais à frente para o conserto. Aparentemente um acaso comum, pois todos os outros passageiros pareciam perfeitamente conformados com a situação, e de lá resolveram almoçar naquele fim de mundo. Eu queria explodir. Não lembro quem pediu comida – se as três ou não. Sei que não comi nada, e estava espumando de raiva daquilo tudo: da promessa do cara que me vendeu, e do quanto eu havia sido otário em acreditar. Nada do ônibus ficar pronto. Era notório que havíamos perdido a saída do nosso tour, e isso só aumentava nossa dor.

Procurem Santiago de Cotagaita no Google, e coloquem em mapa/geográfico. Divirtam-se com a nossa desgraça. Se quiserem rir mais, procurem na Wikipedia: a descrição da cidade tem UMA LINHA.

Procurem Santiago de Cotagaita no Google, e coloquem em mapa/geográfico. Divirtam-se com a nossa desgraça. Se quiserem rir mais, procurem na Wikipedia: a descrição da cidade tem UMA LINHA.

Cotagaita à esquerda.

Cotagaita à esquerda.

Cotagaita à direita.

Cotagaita à direita.

Um molequinho brincava feliz no meio daquela poeira toda. A sensação era de estarmos esquecidos no meio do nada. Não tínhamos dinheiro em espécie, e não tínhamos como conseguir uma grana naquele cafundó. Era desesperador. As horas passavam, olhávamos pro fim da rua, e nada do ônibus aparecer. Estávamos pagando nossos pecados, com juros e suor. Meu humor já tinha acabado há tempos, e eu estava absolutamente intratável.

Eu, procurando meu humor.

Eu, procurando meu humor.

Alguém feliz.

Alguém feliz.

Não sei quanto tempo levou, mas ver o ônibus voltando foi um alento.

Entramos, e ele seguiu entre primeira e segunda marchas. Uma nova quebra era iminente, mas tentávamos acreditar que apesar de tudo aquilo, conseguiríamos chegar. Na única TV ali dentro passava um VHS, com uma festa local tocando cumbia. Tentávamos descontrair, mas era difícil. Devagar e sempre, o ônibus seguiu adiante, e chegamos a Tupiza por volta das 16h (sendo que saímos de La Paz às 20h do dia anterior… sim: VINTE HORAS DE VIAGEM PELO INFERNO). Dali em diante as coisas dariam certo – mesmo dando errado, como deram.

A paisagem pela janela do ônibus: desolação e aridez.

A paisagem pela janela do ônibus: desolação e aridez.

Já se vão 4 anos dessa via crucis, e hoje a gente lembra dessa história e dá risada. Portanto, valorize seu ar condicionado, seu banheiro limpinho, sua janela vedada, seu carro motor mil e seu sofá da sala: nunca se sabe quando seu trajeto pode te jogar em Santiago de Cotagaita.

Causos, Comunicação, Fofuras

Três dicas bacanas, e duas pitadas de coisas boas

27 de julho de 2015

Estávamos planejando nossa viagem dentro da própria viagem – sempre com uma cidade/país de antecedência pelo menos, já com as informações básicas na mão. É um hábito que temos (e um dos pilares desse site, que se diga, pois prezamos pela aventura – desde que ela tenha pelo menos um dedinho de controle e perspectiva). E em nosso mochilão pelo Leste Europeu, após uma semana e 4 países visitados (Romênia, Polônia, República Tcheca e Eslováquia), tínhamos até então uma viagem relativamente tranquila. Nossa quinta parada era a Hungria, e por lá estávamos enquanto este causo se desenrolava.

Causo sim, porque não sabíamos ainda de que maneira chegaríamos ao nosso próximo destino: Zagreb. Estávamos em Budapeste, e em nossas pesquisas (mais) um ônibus parecia ser a forma de locomoção mais adequada até a próxima cidade. Assim que chegamos à capital húngara – mais especificamente no dia seguinte, uma vez que chegamos debaixo de chuva, e com chuva passamos nosso primeiro dia por lá – começamos a pesquisar de que maneira faríamos tal trajeto. Existiam algumas possibilidades, mas como tudo o que pesquisávamos, eram informações novas e de caráter absolutamente desconhecido. E chegamos aqui ao nosso primeiro ponto:

1) Tenha (e não tenha) medo de pessoas

A gente e o Anton - nosso amigo e protagonista das próximas linhas desse texto.

A gente e o Anton – nosso amigo e protagonista das próximas linhas desse texto.

Aprendemos muito cedo (e em outra viagem) que nem todo demônio é vermelho, nem todo anjo tem asas. “É viajando que a gente conhece as pessoas“, profetizou uma pessoa certa vez, e essa é uma verdade irrefutável. Tem gente que se descontrola durante esse período, e exagera – pro bem ou pro mal – em determinadas situações. Portanto, não confie cegamente nos relatos alheios: suas impressões, seu conforto e suas expectativas têm relação direta com a sua personalidade e sua proposta de viagem.

Sendo assim, sempre que pesquisamos “coisas que dependeriam de gente”, procuramos nos informar se aquela REALMENTE era uma boa ideia com os locais. E no caso dessa viagem Budapeste/Zagreb, não foi diferente. Porém, a forma como isso ocorreu que foi engraçada, e nos dá margem à segunda dica:

2) Preste atenção aos sinais

Oras, estávamos num albergue localizado a algumas quadras do centro de Budapeste – mas o casarão, por alum motivo bizarro, era quase que completamente “decorado” com pôsteres, lembranças e coisinhas croatas. “Esse tiozinho não promove a própria cidade? Mas que cacete…” foi meu primeiro pensamento. E resolvemos matar a curiosidade sobre aquele fato perguntando ao gordinho bigodudo de voz fina.

– Eu nasci em Zagreb, mas vim morar em Budapeste.

Decoração náutica, pôsteres de Split, Dubrovnik e Plitvice. Nada de Budapeste... por que?

Decoração náutica, pôsteres de Split, Dubrovnik e Plitvice. Nada de Budapeste… por que?

Explicado, meus amigos. E instantaneamente o senhorzinho (chamado Anton) se tornou nossa fonte mais confiável de informações sobre nossos próximos destinos. Com isso, deixamos o protocolar bom dia/boa noite de lado, e passamos a puxar assunto com o sujeito. O que leva à terceira e última dica desse texto:

3) Amizades acontecem

Assim que chegamos, caía um mundo de chuva. Ficamos ilhados no albergue. Era começo de noite, nossos estômagos estavam nas costas. Resolvemos perguntar ao Anton se seria possível nos emprestar um guarda-chuva para irmos até algum restaurante próximo. Ele nos emprestou duas capas. E capas BACANAS, não aqueles sacos plásticos com capuz. “Pra gente ir tranquilo e voltar quando quiser”, sorrindo. Ganhou de cara nossa simpatia – e alguns bons votos de confiança.

Se não fossem as capas do Anton, não teríamos tido nossa primeira (e acachapante) impressão do prédio mais bonito que já vimos na vida: o Parlamento de Budapeste.

Se não fossem as capas do Anton, não teríamos tido nossa primeira (e acachapante) impressão do prédio mais bonito que já vimos na vida: o Parlamento de Budapeste.

Porém, a maior surpresa aconteceu alguns dias depois, num papo sobre como chegar à Croácia de ônibus. Fomos perguntar ao Anton quais as linhas mais confiáveis, quanto custava, e antes mesmo de engatarmos a segunda pergunta ele nos veio com essa:

– Se vocês esperarem mais dois dias, eu vou pra lá de carro. Vocês podem vir comigo de carona, se quiserem.
– Uou! E quanto sai, Anton?
– Não sai nada, é carona. Vocês vão comigo e eu deixo vocês na rodoviária.
– <3

Dé, esperando a carona pra Croácia, com aquela cara de "a gente se deu bem nessa" - e se deu bem mesmo, meus amigos :)

Dé, esperando a carona pra Croácia, com aquela cara de “a gente se deu bem nessa” – e se deu bem mesmo, meus amigos 🙂

E numa viagem em que toda grana poupada é uma bênção, a economia pode estar num papo bacana com alguém ainda mais bacana. Antes que perguntem: claro que não dá pra confiar em todo mundo, muito menos tomar isso tudo como regra. Mas são possibilidades, que existem pra valer. No mundo existem dois tipos de pessoas: as boas e as ruins. E elas estão por aí, espalhadas pelo mundo. Se a gente tiver um mínimo de inteligência e sagacidade (sempre quis usar essa palavra num texto) e ficar atento aos lugares e pessoas que passam pela gente, a chance de termos boas surpresas é enorme.

Vale pra viagem, mas vale pra vida também 🙂

Causos

O poder da porra da viagem

16 de julho de 2015

Por Flavio Pucci


Ele não era um super-herói, mas tinha um superpoder: o de conseguir viajar por pelo menos 5 minutos por dia. Tinha dia que era um pouco mais.

Conseguia desligar tudo e embarcar numa viagem quando menos se esperava. Reuniões de alinhamento, reuniões de metas, reuniões de fluxo ou reuniões de qualquer coisa. Esses eram as principais plataformas de embarque. Ele aproveitava aquele início de reunião onde todo mundo contava uma piada enquanto a pauta não vinha e ia, ia simbora.

O único (d)efeito colateral desse superpoder era que ele não escolhia o lugar pronde ía. Ou seja, ele tinha o poder de sair dali mas não sabia onde podia cair.

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Da última vez saiu de uma reunião em que tinha que ouvir o novo posicionamento de uma marca e caiu na bolsa de valores de Nova York. Um caos total: telefone tocando, gente gritando e o pior, ele sentia todo aquele stress como se fosse um local, e não um passageiro. Não viu valor nenhum naquilo, até voltar para sua reuniãozinha de posicionamento em São Paulo. Perto da Bolsa, a reunião de posicionamento era picas. Mais fácil que tabuada do zero: zero vezes um?

Num outro dia em Lassa, no Tibet, trocando ideia com um povo num bar, descobriu que não podia realmente escolher seu destino, mas podia ditar seu ritmo, seu tom.  Exemplo: podia facilmente cair num lugar como a bolsa de valores, só que ouvindo um Bach. Melhorava muito o cenário. Era quase como estar no Salar do Uyuini numa tarde cheia de nuvens. Era quase como escolher seu destino sem escolher seu destino.

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Quando estava no Alaska, ouviu um barulho estranho. Era sua secretária, que entrou na sala e disse: Senhor, sua reunião na Patagônia foi cancelada, em contrapartida, agendei o alinhamento em Dudinka. Às 14h30.

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Causos

A vida de um Suíço

11 de junho de 2015

Por Flavio Pucci


Desde que o conheci, carregava consigo um canivete. Um desses suíços que se compra em lojinhas de chineses aqui em São Paulo. Desde essa época até hoje, ele nunca tinha encontrado um bom uso para seu aparato. Já rasgara engradado de cerveja, já abrira diversas garrafas, já rasgou caixas de papelão. Teve uma vez que comprou um que até escrevia, então escreveu algumas linhas.

Na maior parte do tempo, inventava perrengue para usar o maldito. Se ninguém conseguia abrir uma garrafa de cerveja por falta de abridor ou por falta de força, lá vinha ele com um sorriso de canto e um bom motivo para sacá-lo. Quando o fazia, não economizava em tecer predicados ao Suíço.

Muitas vezes o canivete era motivo de chacota. Como um cara, em pleno século XXI, morando na maior cidade da América Latina, precisa de um canivete? “Volta pro mato, seu puto

Nesse vai e vem, se passaram diversos suíços pela sua vida. O com canetinha, o para acampar, para escalar, o de turista. Cada canivete encontrava a sua própria disfunção na cidade grande.

Percebeu então que não adiantava muito comprar canivetes atrás de canivetes. O problema estava na cidade grande. Que vida fútil essa de um Suíço numa metrópole.

A primeira ideia que veio em sua mente era a mais clichê de todas: largar São Paulo, seguir o conselho dos amigos corneteiros e ir para o mato. Escolheu então um pedaço da Bahia, mais especificamente a Chapada Diamantina e passou 40 dias por lá. Até rolou uma empatia, mas não era amor. O Suíço cortou galhos, ajudou em fogueiras, mas ainda se sentia um peixe fora d´água naquelas terras.

Até que, numa tarde de domingo, dessas que nada se espera, a não ser o medo de uma segunda feira cheia de futilidades, ele desceu para Paraty e se deparou, pela primeira vez, com um veleiro. Descobriu que ter um veleiro dava trabalho pra caramba. Que era como ter uma casa cheia problemas clamando por um eterno consertar. Só que, detalhe, consertaria tudo com vistas paradisíacas.

Não teve dúvidas, fechou o negócio na hora. Depois disso se mudou para o veleiro e começou a fazer planos de dar a volta ao mundo. E a vida do Suíço nunca mais foi a mesma. Simplesmente passou a fazer sentido.

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Causos, Fofuras

As coisas simples da vida, e das viagens

21 de maio de 2015

Por Daniela Beneti


Oi gente! Já tô de volta pra mais uma participação especial no Faniquito, tipo convidado em seriado americano. Espero que vocês gostem de me ver/ ler por aqui.

Bem, ao vasculhar minhas fotos para o post anterior (não viu? É esse aqui ó), eu achei algumas que são legais por um motivo especial: não tem nenhum ponto turístico.

Claro que ver os grandes marcos, tipo Torre Eiffel, Coliseu, etc, é maravilhoso. Mas se tem uma coisa nesse tipo de viagem que eu realmente adoro é experimentar o dia a dia de lá.

Tá servida, Mademoseille? Ostras fresquinhas!

Tá servida, Mademoseille? Ostras fresquinhas!

Algumas das lembranças e histórias mais legais que eu tenho das viagens envolvem fazer coisas banais, tipo ir à feira livre. É, feira. Na França é muito comum e bem parecido com as que temos no Brasil. É até maior – fui parar em uma pra comprar uma mala nova, pois a minha tinha arrebentado o zíper ainda na ida.

Como raios fui parar na feira pra isso? Ora pois, mas foi Maria, nossa simpática copeira/ cozinheira portuguesa do hotel de Paris. Fui perguntar para o recepcionista onde poderia comprar malas, qual o shopping (ê paulista) mais próximo, ela ouviu e lascou logo o português: “Mais vais a pagar caro!  Deixa-te disso, vais a Duplex!

Aí você, como eu, pergunta o que é Duplex. Ela não me respondeu, só fez um “Duplex, sabes?” (não, eu não sabia) “Segues aqui ó, veja bem. E vais a achar equipagem baratinha” . Desenhou um mapinha no guardanapo e nos despachou porta a fora.

Ora pois, essa é Maria, uma figura portuguesa com certeza.

Ora pois, essa é Maria, uma figura portuguesa com certeza.

Fomos pra Duplex pensando que era uma loja especializada. Só que Duplex é uma das trocentas estações de metrô de Paris, sendo essa suspensa. Embaixo dela tem uma feira de rua, igualzinha as daqui – gente falando alto, comendo guloseimas, comprando frutas e legumes. E sim, malas. Roupas. Sapatos. A feira lá é bem abrangente. Claro que tem produtos locais, tipo ostras enormes, muito queijo. Foi muito legal.

Mas eu mentiria se dissesse que era a primeira vez que via uma feira de rua na Europa. Quando fiz mochilão, em 2008 com minha amiga Camila Dean, nosso hotel no subúrbio de Paris tinha uma feirona logo em frente. Quando chegamos em Nice, no sul da França, descobrimos que a feira de lá é famosa e vimos pela primeira vez frutas como groselha e framboesa, frescas. À noite, as barraquinhas são recolhidas e tudo vira restaurante. Conhecemos dois sul-coreanos no trem e fomos lá, beber.

Claro que nada supera descobrir como são feitas aquelas balinhas coloridas com desenho no meio. Eu e meu pai passeávamos em Praga quando vimos uma vitrine estranha, onde o vendedor juntava grandes blocos coloridos e brilhantes em um bloco. E esticava. Azul, marrom, creme. Esticou até aquilo ficar fininho – e não era trabalho fácil, pois os tubos originais eram enormes. No final, ele picotou aquele tubinho e nos deu: eram balas, e ele havia desenhado uma árvore dentro. Não acredita? Olha aí embaixo.

Nunca na vida eu ia acreditar se não tivesse visto.

Nunca na vida eu ia acreditar se não tivesse visto.

Outra coisa que gosto de fazer em viagens é ir ao mercado para comprar pão, frios, água, suco. Isso ajuda muito a diminuir seus gastos com alimentação durante o trajeto e te coloca em contato com os hábitos locais.

Em Portugal, descobri que tangerina é clementina. Em Santiago do Chile, descobri que todos os produtos de higiene vem em embalagens enormes, tamanho família, e fiquei amiga do pessoal do caixa. Em Paris, conversei com uma velhinha na fila que adorou saber que eu era brasileira, me deu balinhas e, quando eu disse que gostava muito de Paris, me respondeu “Bien sure, tout le monde aime Paris, c’est fantastique”.

Passei vergonha no mercado em Roma, perto da estação Termini, ao erguer um cacho de uva e o maldito se desfazer, com todas aquelas bolinhas rolando, alegremente, enquanto todo mundo olhava o desastre.

Não foi nenhum chef famoso, foi perto da Termini. Mas olha, não trocaria meu simpático tiramissu por sobremesa gourmet nenhuma.

Não foi nenhum chef famoso, foi perto da Termini. Mas olha, não trocaria meu simpático tiramissu por sobremesa gourmet nenhuma.

Outra coisa que adoro são os restaurantes pequenos e escondidos. Nunca fico caçando restaurantes que guias e reportagens recomendam. Não dá tempo. Mas entrar em restaurantezinhos locais sempre rende boas surpresas e histórias hilárias.

Como em Salamanca, quando duas meninas famintas (eu e Camila) entraram em uma lanchonete e viram que tinha tortilha – um tipo de omelete espanhol com batata. Pedimos e veio um lanche RECHEADO com uma tortilha enorme. Comendo assim, claro que tem que fazer siesta, vocês tão malucos.

Ou quando, novamente famintas (eu andei muito no mochilão, tenham compaixão), e sem nenhum restaurante por perto no subúrbio de Florença, eu e Camila entramos em uma cantininha a noite.

Ok, lanche de tortilha. Pela minha cara de felicidade, dá pra ver que é bom.

Ok, lanche de tortilha. Pela minha cara de felicidade, dá pra ver que é bom.

O lugar inteiro parou e olhou para nós – só famílias do bairro. Sentamos, veio a garçonete com o cardápio. Queríamos algo que não fosse macarrão ou lasagna daquela vez e minha amiga viu “Petto de taquino à caprese”. Sabendo que caprese era uma salada, perguntou “Petto de taquino?” e encolheu os ombros. A garçonete saiu correndo. “Caramba o que foi que você disse, Camila?!”

Quando a garçonete voltou, olhou pra nós, concentrada. Todas as mesas nos observavam em expectativa. Ela então bateu os braços, imitando um pássaro e disse “turkey”. É, esse suspense todo pra dizer que era peito de peru. Sensacional.

Teve o restaurantezinho na Normandia, em uma das cidadezinhas beirando a costa. Eu e meu pai, estávamos em uma viagem temática de Segunda Guerra e ele quis visitar as praias do Desembarque. Na volta, Seu Ricardo queria porque queria jantar em um restaurante típico, mas não havia nada no caminho.

Depois de rodar por vilas que pareciam abandonadas, vimos um restaurantezinho pequeno e simpático. Donos também muito simpáticos nos receberam, mas só falavam francês e eu falava muito pouco da língua na época. A dona tentou me oferecer pratos típicos , mas quando foi me explicar o que era “tête de boeuf” e quis me mostrar, o cozinheiro interviu: “melhor não”. Era miolo de boi, pessoal. O cozinheiro salvador sugeriu uma pizza, que de estranho tinha só um ovo frito no centro. E bebemos a verdadeira Cidra – nada dessa coisa que te dão no Natal, não. A Cidra é o orgulho da Normandia, é uma delícia e sobe que nem rojão.

Na Normandia, a pizza tem um ovo frito malandro no meio. Mas ainda é melhor que “Tête de boeuf”.

Na Normandia, a pizza tem um ovo frito malandro no meio. Mas ainda é melhor que “Tête de boeuf”.

Essas são só algumas das histórias de cotidiano em viagem. Porque pra mim isso é ser viajante e não turista: experimentar a vida local, falar com as pessoas, andar de metrô, trem, ônibus. E perceber como temos coisas em comum com outros povos, coisas que nem percebemos, que nos aproximam do outro e nos tornam mais tolerantes quando voltamos.

Esse simpático casal viu eu e minha mãe passeando em Mendoza e resolveu conversar com a gente, tirar nossa foto e quiseram ser fotografados, mostrando como os Mendocinos são hospitaleiros.

Esse simpático casal viu eu e minha mãe passeando em Mendoza e resolveu conversar com a gente, tirar nossa foto e quiseram ser fotografados, mostrando como os Mendocinos são hospitaleiros.


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