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Ir e vir

Não sei se vou ou se fico

26 de novembro de 2015

Uma leitora do Faniquito entrou em contato comigo duas semanas atrás, perguntando se era tranquilo fazer uma viagem pra Turquia, mesmo com tudo que estava acontecendo por lá. Fiz uma pesquisa rápida e não vi nada preocupante – muito pelo contrário: com a situação dos refugiados, as pessoas estavam se mostrando muito prestativas, ainda mais na área do turismo, e os viajantes que voltavam de lá só tinham elogios. E então no dia 13 de novembro eu respondi exatamente isso. No mesmo dia 13, aconteceram os ataques em Paris… E foi só no dia seguinte que percebi que a minha resposta tinha sido bem incompleta.

Nesta segunda-feira o Departamento de Estado dos EUA emitiu um alerta de viagens para o mundo inteiro. O Departamento de Estado é responsável pelas relações internacionais do país, e o conteúdo do alerta é basicamente este:

“Existe um risco em viajar para qualquer parte do mundo por causa do aumento da ameaça terrorista. Deverão ser evitadas multidões ou lugares muito cheios de gente, assim como se deve tomar cuidado em espaços e transportes públicos.”

Não vou entrar na questão da política do medo que foi colocada desde os ataques na França, nem vou me fazer de inocente, dizendo que o mundo está um mar de rosas. O Departamento de Estado dos EUA está fazendo a sua parte. É preciso sim alertar as pessoas de que a situação atual é perigosa, mas a ideia de que qualquer viagem deve ser evitada me parece irreal. Ainda mais às vésperas das férias escolares, Natal e Reveillon.

Viajar é parte da nossa cultura. Ajuda a expandir a cabeça e seus conceitos, faz com que você participe (mesmo que superficialmente) de outra realidade, e consequentemente se coloque no lugar de outras pessoas. Faz com que você se conecte não só com quem conheceu, mas com todo um povo e uma cultura (vale dizer, todas essas vantagens em viajar vão contra a tal política do medo), e acima de tudo, faz com que você saia da sua zona de conforto. Sob essa ótica do medo, sair dessa zona de conforto pode ser confundido com entrar numa zona de risco.

Assim como o conforto, o risco é um conceito muito pessoal. Cada um decide onde termina seu (des)conforto e começa a sua insegurança.

Estar confortável em um país desconhecido com tudo o que vem acontecendo é algo que varia de pessoa para pessoa. Cada um deve decidir por si só se aceita ou não o risco de viajar e, caso aceite, precisa assimilar a situação por completo: possíveis atrações turísticas fechadas para o público, segurança reforçada e nem sempre tão receptiva nos aeroportos, etc.

Se esse tipo de cenário te preocupa, cancele sua viagem. Não há dinheiro no mundo que seja capaz de te deixar tranquilo, ainda mais num lugar onde sua própria sensação de segurança não é total. Mas se com tudo isso, viajar ainda te pareça mais importante do que qualquer outro acontecimento externo, vá – sem medo de ser feliz. O mais importante: confie na sua decisão e no seu instinto.

Riscos sempre existiram, e sempre existirão – seja o terrorismo, o acidente de avião, um tsunami, ou mesmo tropeçar na calçada e quebrar o pé. Fica a pergunta: o que é maior? Seu medo, ou sua vontade de conhecer o mundo?

Faniquito, Fazendo as malas

Fazendo a mala

4 de maio de 2015

Nossa primeira grande viagem foi para Bolivia e Perú. Como marinheira de primeira viagem, pesquisei tudo o que podia e não podia. Li trezentos mil relatos sobre cada lugar que iríamos visitar. Teríamos que viajar várias vezes dentro desses dois países e, como vocês podem imaginar, os ônibus e trens disponíveis por lá não eram da melhor qualidade. Isso sem contar os relatos de sofrimento das pessoas que resolveram fazer o tour para o Salar de Uyuni (o deserto de sal da Bolívia). Com isso em mente, me preparei para todos os cenários de desgraça possíveis e imagináveis.

Ainda lembro muito bem de arrumar a mala pensando em tudo que eu poderia precisar, seguindo uma planilha toda elaborada com tudo que uma pessoa preparada deveria ter. Assim como lembro claramente de chegar nos últimos dias da viagem com metade da mochila praticamente intacta.

Pensando nesse exato momento, eu te conto o que eu aprendi sobre como fazer a mala:

1. você não pode levar todas as possibilidades dentro da sua mala

A gente precisa de pouco, acredite.

A gente precisa de pouco, acredite.

Vamos encarar os fatos: existem literalmente milhares de coisas que podem acontecer durante uma viagem. Coisas que podem dar certo, que podem dar errado, que não saem conforme planejado. O albergue que te parecia tão ajeitadinho na internet pode ser um pulgueiro, então você leva o seu saco de dormir pra colocar na cama; chover numa época que normalmente não chove – você quer mesmo andar com um guarda chuva durante o período inteiro da sua viagem?; fazer um frio ou calor maior do que você estava esperando; você pode torcer o pé, ter dor, ter um piriri, ou então seu vôo ter overbooking e você passar uma noite a mais numa cidade sem reserva de hospedagem, ou então numa rodoviária xexelenta… É impossível você estar preparado para cada uma dessas possibilidades. Viajar é improvisar, e é difícil começar a imaginar o improviso arrumando a mala, no conforto do seu lar, onde você tem tudo à mão. O melhor é escolher o meio termo, ou se preparar para o cenário mais provável. Para o que foge disso, você pode se planejar financeira e espiritualmente para algumas surpresas: para comprar uma blusa mais quentinha, alugar um cobertor, ou até mesmo pegar um guarda chuva emprestado do albergue ou hotel.

2. diminua a quantidade de roupas

Mala mais vazia = menos peso nas costas = mais lugar pra trazer lembranças

Mala mais vazia = menos peso nas costas = mais lugar pra trazer lembranças

Na hora de arrumar a mala, pegue tudo que planeja levar e coloque na cama. Assim você tem uma visão geral de tudo que precisa caber na sua mala ou mochila. Tente reduzir ao mínimo possível. Lembre-se que você não precisa de uma roupa pra cada dia: você pode lavar roupa a cada três ou quatro dias, sempre que você chega em uma cidade nova, a cada duas cidades, enfim… você tem que pensar no planejamento da sua viagem e ver de quanto em quanto tempo pode usar aquela mesma roupa. Pra quem usa mochila, também pensar que esse é o peso que suas costas vão ter que aguentar durante todo o período da viagem.

3. mochila do dia

Minha mochilinha: meu xodó.

Minha mochilinha/minha companheirinha

É uma mochilinha que você leva nas costas o dia inteiro, todos os dias, com sua câmera, seu passaporte, carteira, celular e afins. Eu gosto de sair de casa com ela já pronta – é ali que eu levo tudo que tenho de valor, além de todo o planejamento da viagem, passagens, reservas etc. É minha fiel escudeira: durante o dia ela vai até virando cabide… amarro blusas e o que mais for possível nela, assim minhas mãos ficam livres, e não largo dela nem em avião e ônibus (ela viaja no meu pé).

4. alguns itens básicos

Isso é muito pessoal, mas sempre tem algumas coisas que não dá pra deixar de levar. O Masili, por exemplo, não fica sem fone de ouvido (pra ouvir música durante as viagens) e tampão de ouvido (pra quando a gente divide quarto em albergue). Eu, por exemplo, já fui salva por um pacote de lencinhos umedecidos numa rodoviária perdida entre o Perú e a Bolívia – além dos mesmos lencinhos terem sido essenciais para a manutenção do nosso casamento no Monte Roraima, onde passamos praticamente 3 dias sem conseguir tomar banho. Eu levo uma canga na minha mochila do dia, porque protege a câmera, e ainda posso usar pra outras milhares de coisas. Agora também tenho um tênis próprio para caminhada – depois de me arrastar durante quase 10 dias pela Europa por causa de dor no pé, resolvi que esse tênis, ao lado de um chinelo, são necessários e mais do que suficientes pra qualquer viagem.

Esse é só o básico do básico. Aos poucos a gente vai compilando mais dicas sobre essa arte e deixando por aqui.

Croácia

Winter is coming – parte 2

16 de abril de 2015

Dubrovnik: a King’s Landing de Game Of Thrones.

À medida que você vai conhecendo uma região, você começa a notar semelhanças entre as cidades. No Perú por exemplo, todas as cidades que visitamos têm a Plaza de Armas, que é a praça principal da cidade (herança da colonização espanhola). No Leste Europeu, a semelhança acontecia com as Old Towns, que nada mais são do que centros históricos. Guardadas as devidas proporções, elas são bem parecidas entre si, com ruas de pedra ou paralelepípedo, estreitas e com circulação proibida (ou bem reduzida) de carros; prédios históricos, bonitos, coloridos, cheios de enfeites, esculturas, estátuas, gárgulas e santos; pelo menos uma igreja com arquitetura monstruosa e linda… uma coisa meio gótica; e uma grande concentração de bares, restaurantes, cafés e afins. É basicamente o coração da cidade.

A Croácia foi o último país que visitamos durante nossa viagem. A primeira cidade croata visitada foi Zadar*, que logo de cara tinha um centro histórico bem diferente do que tínhamos visto até então. Vários prédios de pedra com uma arquitetura mais simples (mas nem por isso menos impressionante) e um ar “um pouco mais grego”. De Zadar, seguimos viagem até Dubrovnik.

Chegamos na rodoviária e de lá fizemos um trajeto à pé para o centro velho. O caminho é longo – são quase 3Km (que parecem 12), bonito, cheio de plaquinhas indicando a direção e a distância que você ainda vai percorrer, passando inclusive por “ruas de escada” (como foi dito no post anterior, a cidade é cheia de subidas e descidas pesadas), já pra sentir o clima do Old Town. A chegada ao centro propriamente dito é inexplicável: antes mesmo de virar a esquina, já é possível ver uma parte da muralha e a famosa Minceta Tower.

Minceta Tower - a primeira pancada na chegada às muralhas de Dubrovnik.

Minceta Tower – a primeira pancada na chegada às muralhas de Dubrovnik.

Uma visão geral da entrada do Old Town.

Uma visão geral da entrada do Old Town.

Logo na entrada da cidade, a fonte onde você pode abastecer sua garrafinha d'água de graça.

Logo na entrada da cidade, a fonte onde você pode abastecer sua garrafinha d’água de graça.

Nas vielas, os diversos restaurantes.

Nas vielas, os diversos restaurantes.

Tendo visitado outras cidades, todas com seu centro histórico tão característico, já me considerava uma expert (aham!) no conceito “Old Town“. Mas chegar à cidade velha de Dubrovnik é jogar todo o seu repertório no lixo, e se sentir em meio a um filme medieval, pronto para ouvir barulhos de canhões e esperando arqueiros uniformizados dominarem a muralha da cidade, todos prontos para a batalha. Uma coisa meio Senhor dos Anéis mesmo…

Um cenário de filme - e de série :)

Um cenário de filme – e de série 🙂

Dubrovnik parece um forte, um cenário pronto para a guerra. A cidade nasceu para abrigar os que fugiam dos bárbaros – ou seja, já nasceu da necessidade de proteção. Devido à sua localização estratégica, a cidade sempre foi um alvo muito desejado, e assim como o resto da Europa, passou por uma dança das cadeiras, sendo dominada por vários países e impérios diferentes durante décadas.

A marina. De frente pro mar, uma das faces das muralhas.

A marina. De frente pro mar, uma das faces das muralhas.

Uma torre, com um dos sinos de Dubrovnik.

Uma torre, com um dos sinos de Dubrovnik.

A altura dos muros abraça as residências em alguns pontos da cidade.

A altura dos muros abraça as residências em alguns pontos da cidade.

A visão do Adriático e da Marina, de cima de um dos pontos da muralha.

A visão do Adriático e da Marina, de cima de um dos pontos da muralha.

Mesmo com essa confusão toda, Dubrovnik conseguiu manter-se próspera, e à medida que crescia, o fortalecimento de sua defesa crescia junto. Mas nem tudo são rosas, e a junção de um terremoto gigante com a separação da Iugoslávia fizeram um estrago considerável na cidade, tanto na área histórica como nos prédios residenciais e comerciais. O centro histórico é patrimônio da UNESCO, e até hoje ela e o governo investem em restaurações estruturais. Essas restaurações incluem detalhes como a remontagem dos telhados tradicionais, e o cuidado com alguns buracos, ainda visíveis nas paredes dos prédios.

Os acessos ao centro histórico, vistos de dentro da cidade.

Os acessos ao centro histórico, vistos de dentro da cidade.

As estreitas vielas, que levam dos muros à alameda principal.

As estreitas vielas, que levam dos muros à alameda principal.

O principal passeio pra se fazer em Dubrovnik consiste em explorar os 1.940 metros de muralhas que envolvem o centro velho. As muralhas formam um quadrilátero, sendo que cada ponta tem um forte. A parede que está de frente para o mar é a mais fina – tem de 1,5 a 3 metros de espessura, e a que está de frente para o continente é mais reforçada, com até 6 metros de espessura. Sua altura, dependendo do local, chega a 25 metros. O passeio é bem tranquilo, e o mais legal é que, como ela dá a volta em todo o centro, você consegue ter uma visão privilegiada da cidade e dos arredores.

O ingresso para o passeio pelas muralhas. Os números em destaque são os locais do passeio onde os fiscais verificam se sua entrada foi paga/está válida.

O ingresso para o passeio pelas muralhas. Os números em destaque são os locais do passeio onde os fiscais verificam se sua entrada foi paga/está válida.

Os muros são bem altos em alguns pontos, e bem baixinhos em outros.

Os muros são bem altos em alguns pontos, e bem baixinhos em outros.

Os telhados estão sendo restaurados, com sua coloração original...

Os telhados estão sendo restaurados, com sua coloração original…

...mas não é um trabalho rápido nem fácil - pois telhado é o que não falta.

…mas não é um trabalho rápido nem fácil – pois telhado é o que não falta.

A visão de um trecho da muralha e o Mar Adriático, de um dos pontos mais altos da cidade.

A visão de um trecho da muralha e o Mar Adriático, de um dos pontos mais altos da cidade.

Um pouco mais abaixo, a paisagem completa.

Um pouco mais abaixo, a paisagem completa.

A entrada principal da cidade velha é pela Pile Gate, e nessa mesma rua ficam vários guias, prontos para te abordar e oferecer quinhentos passeios dos mais variados tipos, inclusive um específico do Game of Thrones, que te leva aos lugares onde foram filmados os episódios, conta curiosidades sobre o show, os personagens, a história, etc. Não fizemos esse tour porque ainda não vimos a série, mas um fato interessante é que a cidade literalmente pára em função das filmagens. Existem cláusulas de confidencialidade entre os cidadãos, os quais não saem de casa durante esse período. Mas o que a série traz de retorno no turismo justifica a paralisação de todo o comércio no Old Town.

A loja mais lotada do centro histórico. Compramos nossa lembrancinha também, pra quando a gente (enfim) assistir a série.

A loja mais lotada do centro histórico. Compramos nossa lembrancinha também, pra quando a gente (enfim) assistir a série.

O tour que nós fizemos e recomendamos (além de um passeio de caiaque pelo Mar Adriático <3) foi um walking tour, desses que um guia local te leva pela cidade, contando a história e curiosidades que só alguém que vive lá pode saber. É relativamente baratinho, e vale a pena pra você ir embora sentindo que realmente conheceu um pouco do lugar.

Os ingressos do walking tour são um pouco mais baratos que os do passeio pela muralha.

Os ingressos do walking tour são um pouco mais baratos que os do passeio pela muralha.

A gente acabou optando por fazer o walking tour...

A gente acabou optando por fazer o walking tour…

...que começava justamente no fim da tarde.

…que começava justamente no fim da tarde.

O que foi muito bom, pois pudemos conhecer a noite de Dubrovnik.

O que foi muito bom, pois pudemos conhecer a noite de Dubrovnik.

Uma noite pintada de luzes amarelas...

Uma noite pintada de luzes amarelas…

...que deixavam as texturas das muralhas e do piso ainda mais evidentes.

…que deixavam as texturas das muralhas e do piso ainda mais evidentes.

Luzes de outras cores fazem a paisagem ficar ainda mais bonita.

Luzes de outras cores fazem a paisagem ficar ainda mais bonita.

E assim a gente se despediu de lá :)

E assim a gente se despediu de lá 🙂


* Na verdade a primeira cidade croata foi Zagreb, mas como a Croácia dos meus sonhos sempre teve o Mar Adriático, Zagreb pra mim entra numa categoria à parte.

Brasil, Dinheiro, Venezuela

Monte Roraima: como faz?

9 de fevereiro de 2015

Agora que já contei sobre minha relação de amor e ódio com o Monte Roraima, porque não dar os detalhes de como fazer a viagem? Afinal, quem nunca imaginou chegar lá em cima?

O planejamento da viagem é relativamente simples, e assim como qualquer outra viagem, existem agências que fecham pacotes pra fazer o tour. O problema é que se você comparar os preços desses pacotes com os de se fazer uma viagem por conta, é desanimador. Uma viagem barata acaba saindo pelo dobro – ou até o triplo – do valor. Então resolvemos fazer tudo na cara e na coragem…

Fomos para Boa Vista (RR) de avião. A cidade é relativamente pequena, e até tem alguns tours pra se fazer por lá, mas resolvemos não explorar muito e ir direto pra a Venezuela. Saímos de Boa Vista rumo a Pacaraima na parte da manhã. A fronteira entre Brasil e Venezuela tem fama de não ser muito “confiável” em relação a horários (li relatos de que às vezes fecham pro almoço, e só voltam no dia seguinte), portanto a ideia era chegar por lá ainda pela manhã. Fizemos esse trajeto entre as duas cidades de táxi coletivo. Essa viagenzinha, que leva de duas a três horas, custa uns R$ 35,00 por pessoa (consideravelmente mais barato que a viagem de táxi normal, que sai por volta de R$ 150,00). Uma coisa interessante nesse trajeto é que alguns dos táxis coletivos – especificamente os da Companhia Pacaraima – fazem uma parada estratégica pra banheiro e um lanchinho num restaurante chamado Rosa de Saron, onde é servida a paçoca – coisa linda de Deus…

Tá lá escrito: TEMOS PAÇOCA. E se você pensa que estamos falando de amendoim...

Tá lá escrito: TEMOS PAÇOCA. E se você pensa que estamos falando de amendoim…

...errou feio. Carne, farofa, cebola e água gelada: quem precisa de mais?

…errou feio. Carne, farofa, cebola e água gelada: quem precisa de mais?

Pacaraima é a ultima cidade brasileira, bem na fronteira com a Venezuela. É uma cidadezinha tão pequena que o “caixa eletrônico” do Bradesco é uma mulher atendendo dentro de um mercadinho. As dezenas de táxis que te levam a Santa Elena de Uairén estão concentrados bem do lado da fronteira, só esperando encher o carro pra te levar à cidade. Esse é um trajeto bem mais rápido, de uns 20 minutos, que custa de 2 a 3 Reais.

Bradesco: humanizando o atendimento.

Bradesco: humanizando o atendimento eletrônico.

Já em Santa Elena, nos hospedamos no Hotel Michelle. Ele é bem localizado, perto do centro da cidade, com vários lugares pra comer por perto. Os albergues e pousadas da cidade são basicamente a mesma coisa: meio precários, com um wi-fi bem lento, ventiladores barulhentos e os preços são bem parecidos. Santa Elena de Uairén não é uma cidade turística: não tem muita coisa pra se fazer, nem lugares bonitos para ver, mas serve de base pra praticamente todos os tours do Roraima. De todos esses, a grande maioria sai da frente da Posada Backpackers.

Santa Elena de Uairén é basicamente isso aí durante o dia.

Santa Elena de Uairén é basicamente isso aí durante o dia.

Se você andar um pouquinho pela cidade, vai encontrar várias pessoas oferecendo o tour pro Roraima e/ou pro Salto Ángel. Também existem outras tantas opções e guias independentes, com os quais você pode entrar em contato pelo Facebook ou mesmo por telefone, negociar e fechar o passeio. Resolvemos fazer o nosso com o pessoal do Backpacker Tours, pela estrutura que eles ofereceram. Em outros casos, teríamos que carregar, armar e desarmar a barraca, carregar comida, o preço do carregador seria mais caro, ou ainda teríamos que esperar alguns dias a mais pra fechar um grupo e sair. Enfim… as opções são inúmeras. Mais uma vantagem de fechar com eles foi o Ricky – nosso guia – do qual já tinha ouvido falar muito bem.

Os preços dos tours são bem parecidos em todos os lugares que você pesquisar, assim como a forma que todos eles trabalham. Então, basta achar um lugar que te inspire confiança.

A imagem da confiança.

A imagem da confiança.

Ricky: de amado a odiado, e depois amado de novo. Histórias em breve.

Ricky: de amado a odiado, e depois amado de novo. Histórias em breve.

Um ponto muito importante é o dinheiro. O câmbio oficial atual diz que um Real equivale a mais ou menos 2,27 bolívares venezuelanos. Na época (setembro de 2013) a média era de 1 pra 2,70 ou 2,80. Acontece que o câmbio oficial por lá não quer dizer quase nada. A coisa mais normal do mundo é trocar dinheiro na fronteira, onde o câmbio “paralelo” é o mais favorável. No dia em que chegamos na Venezuela, esse tipo de câmbio era de 1 pra 18. Já no último dia, tinha subido para 1 pra 23. Em uma das pesquisas de preço que fizemos, a mulher responsável pelo tour chegou a ligar para um conhecido na fronteira, e perguntar como estava o câmbio antes de nos passar o valor. Então é bom ficar atento a essas variações.

Pega essa, Eike Batista.

Pega essa, Eike Batista.

Outra coisa importante: a nota mais alta de bolívares é de Bs.F. 100,00. Isso pode ser um problema na hora de trocar o dinheiro, pois você pode ter que contar centenas de notas ali, na fronteira, dentro de um táxi coletivo, e voltar com elas escondidas na cueca, no sutiã ou sabe-se lá onde. A parte boa é que dá um up na sua moral… afinal, quando no Brasil você se sentiria tão rico assim?

Brasil, Perrengues, Venezuela

Eu e o Roraima, o Roraima e eu

2 de fevereiro de 2015

A viagem que fizemos para o Monte Roraima não foi a melhor, nem a mais divertida, mas com certeza foi a mais marcante.

Durante as minhas pesquisas, acho milhares de lugares que vão entrando na lista de lugares que quero conhecer. A chance de conhecer alguns desses lugares, mesmo estando lá, é mínima. Talvez pela distância, por serem de difícil acesso, ou então por ser um lugar mais caro… mas nada disso diminui minha vontade de realmente conhecê-los.

O Monte Roraima era uma dessas viagens. Da primeira vez que li a respeito já pensei em fazer essa loucura, mas depois acabei deixando a ideia um pouco de lado: é uma viagem difícil, requer um preparo físico que nós definitivamente não temos e (convenhamos, gordinhos que somos) não teríamos num futuro muito próximo.

Você não é nada perto do Roraima.

Você não é nada perto do Roraima.

Aí lançaram UP… e eu, sendo essa pessoa completamente influenciável, me pus a pensar no Roraima de novo. O filme é maravilhoso, mas o que realmente me impressionou foi a parte do DVD que mostra a viagem que os desenhistas fizeram pra lá, pra conhecer e criar o universo do filme com mais propriedade.

Sempre vemos fotos do Roraima e principalmente do topo. Claro, as fotos são incríveis… mas fotos são fotos, e aquele documentário mostrou um mundo simplesmente diferente de qualquer outro lugar que eu já tenha visto.

Bom, desconsiderei o fato de que os desenhistas foram até uma parte do caminho de helicóptero, resolvi não esquentar a cabeça com detalhes bobos como “preparo físico”. Usei todo meu poder de persuasão para convencer o Masili, e decidi que sim: subiríamos o Roraima. Vale dizer que nossas duas únicas experiências anteriores com trekking haviam sido: uma mini-trilha, e outra mais longa e relativamente fácil – ambas na Patagônia. Mas isso foi só mais um detalhe que eu resolvi ignorar. Então lá fomos nós, ingenuamente ansiosos.

Essa parrede é 3 vezes maior do que parece na foto.

Essa parede é 3 vezes maior do que parece na foto.

Fechamos a nossa ida ao Roraima com a Backpacker-Tours, e no dia anterior à subida tivemos uma reunião com o guia, que serviu basicamente para nos dar alguns avisos importantes, como “quanto custa um resgate de helicóptero”, ou ainda um breve relato do trecho mais difícil e perigoso da descida, o funcionamento geral da viagem, logística, etc. Saímos de lá com um “medo saudável”, aquele medinho controlável que te impulsiona rumo a uma nova aventura, ao desconhecido, mas que deixa sempre uma pulguinha atrás da orelha…

Os próximos 6 dias foram extremos em relação ao esforço físico. Senti músculos da cintura pra baixo que eu nunca imaginei ter. Andei mais durante aqueles dias do que ando normalmente durante um ou dois meses. Durante a noite, dormíamos em uma barraca – uma mesma barraca por 5 noites, diária e estrategicamente montada em cima de pedrinhas (que durante a noite pareciam verdadeiros pedregulhos). A descida da volta me proporcionou bolhas no pé que eu nunca desejarei ao meu pior inimigo. A experiência toda deveria ter sido detestável, mas não foi. Muito pelo contrário, foi emocionante. O Masili demorou alguns meses para começar a ter carinho pela viagem, mas mesmo com dores e pensando que eu realmente havia dado um passo maior que a perna, achei aquilo tudo maravilhoso.

O único lugar onde você é recebido por uma tartaruga de pedra...

O único lugar onde você é recebido por uma tartaruga de pedra…

...por um sapinho minúsculo que não pula...

…por um sapinho minúsculo que não pula…

...e é cercado por pedras que não fazem o menor sentido.

…e é cercado por pedras que não fazem o menor sentido.

Confesso que passar por essa provação toda fez com que eu me sentisse muito bem comigo mesma – quase uma vencedora, mesmo sendo sempre a última a chegar no nosso grupo, a mais devagar, e a que notoriamente estava mais cansada. Mas diferente da maioria das pessoas que nos acompanhou, eu não fui por causa do trekking: meu objetivo lá era muito claro. Eu queria chegar no topo, queria estar dentro daquele mundo tão diferente e tão bonito que eu tinha visto por fotos e pelo documentário, queria ver de perto aquelas rochas em formatos bizarros, encontrar algumas plantas que só crescem ali, conhecer o sapinho minúsculo preto que não pula, presenciar o clima instável, ficar no meio das nuvenzinhas passando frio pra logo depois sentir calor, ver o mundo de cima daquele monte sem cume.

Cheguei lá. Sem casa, cachorro, nem amiguinho escoteiro.

Cheguei lá. Sem casa, cachorro, balão colorido ou amiguinho escoteiro.

Apesar do sofrimento, de todas as dores, e até um mergulho acidental em uma piscina de lodo, eu consegui exatamente o que queria ao subir o Roraima: me senti em outro planeta andando pelo topo, numa paisagem inigualável. Aliás, meu sucesso foi tão grande que estou pensando seriamente em desconsiderar detalhes bobos como todos os perrengues que passamos e começar a sonhar com, talvez… o Kilimanjaro!

Brasil

A grama do vizinho

12 de janeiro de 2015

Budapeste é uma das cidades mais impressionantes que já visitei. Durante todo o tempo que estive lá fiquei perplexa com as paisagens que a cidade oferece.

De um lado o Castelo de Buda, de outro a Chain Bridge e mais pra frente o Parlamento. Por um tempo considerei a ideia de morar ali, ter a oportunidade de ver essa cidade linda todos os dias, me sentir minúscula perto de tantos prédios gigantescos e cheios de história, de ficar embasbacada todos os dias ao passar por uma mesma rua.

Ah... o Parlamento <3

Ah… o Parlamento <3

Mas será que isso é possível?

Quando digo “Budapeste”, sinta-se à vontade para trocar o nome da cidade por qualquer outra: Praga ou Viena, que têm tantos prédios históricos quanto Budapeste; Dubrovnik com suas muralhas gigantescas e suas ruazinhas estreitas e lotadas; El Chaltén, que tem no seu quintal o Fitz Roy, absurdamente lindo e imponente; Rio de Janeiro com o Pão de Açúcar e a sua vista maravilhosa; São Paulo com suas… ahm… seu… hmmm… seus prédios intermináveis? Seu bolsão de poluição no céu?

Que céu poluído mais bonito!

Que céu poluído mais bonito!

Essa história de morar em Budapeste e ver tanta beleza todos os dias me fez pensar: morando em uma cidade qualquer, fazendo parte do seu cotidiano, mergulhada na sua rotina, é possível prestar atenção no que a sua cidade realmente te oferece? Não estou falando de coisas pra fazer, de lugares para comer, isso todos nós sabemos e estamos procurando conhecer cada vez mais. É possível olhar a sua cidade com os olhos de alguém que vê uma cidade pela primeira vez, por exemplo? É possível andar pela mesma rua todos os dias e não deixar que a paisagem vire somente um cenário, daqueles que você sabe que está lá simplesmente porque sempre esteve ali, e sempre vai estar?

Nasci em São Paulo, mas me mudei para o interior e por lá fiquei durante alguns anos. Nós morávamos relativamente perto da capital, então vínhamos pra cá várias vezes. Lembro de chegar em São Paulo uma vez, e em pleno dia útil pela manhã a Avenida Professor Francisco Morato estava toda livre (coisa que não se vê mais hoje em dia). Andar por aquela avenida gigantesca vendo uma cidade completamente diferente da minha me fez achar tudo aquilo muito novo e divertido. Voltamos a morar em São Paulo e depois de algum tempo (não muito) me acostumei de novo com a cidade. Acostumei tanto com a cidade a ponto de voltar da nossa última viagem achando que São Paulo não é uma cidade turística, e que não oferece paisagens impressionantes pra quem chega aqui. Que o caos do cotidiano é tão intenso que, como pode alguém querer conhecer essa cidade quando se tem o Rio de Janeiro, cheio de praias e belezas naturais, um pouquinho mais pra cima?

Foi nesse contexto que me propus a prestar atenção no que está ao meu redor. Cheguei em São Paulo decidida a dar uma chance pra esse lugar tão cinza e hostil. Confesso que é uma tarefa difícil quando se está parada no trânsito em um carro sem ar condicionado, ou então de pé num ônibus lotado, mas a experiência tem sido gratificante.

É olhar com carinho que a cidade retribui.

É olhar com carinho que a cidade retribui.

Por exemplo, existe um prédio na Marginal Pinheiros que integra de uma forma espetacular a tal “parede viva” com uma fachada espelhada e imponente – coisa que nunca vi em nenhum outro lugar. Sempre achei que as praças de São Paulo não eram usadas, mas duas ruas atrás de onde trabalho tem uma pracinha cheia de sombras, muito gostosa pra sentar, descansar e tomar coragem antes de voltar pra labuta. Me descobri uma fã dos prédios espelhados e acho que um bom paisagismo faz desses prédios um multiplicador de paisagens bonitas e céus azuis cheios de nuvens. As belezas estão aí pra quem quiser vê-las, não são tão óbvias quanto as de Budapeste, e às vezes não têm tantas histórias quanto as de lá, mas achar beleza no meio do caos está me parecendo recompensador.

Umas das grandes vantagens de viajar é que chegar num lugar novo te faz enxergar com outros olhos, te faz aceitar coisas novas, experiências diferentes. E conseguir trazer esse olhar e essa abertura pra sua vida cotidiana… aí que a coisa toda se torna enriquecedora.

Nuvenzinhas x 2

Nuvenzinhas x 2