Polônia

Arbeit macht frei (2/2)

23 de novembro de 2015

Ao contrário da ida para Auschwitz I, o caminho para Auschwitz II-Birkenau serviu pra gente descansar um pouco a cabeça e as pernas. Mesmo sendo uma distância curta, um pequeno intervalo era mais que necessário. Alguns minutos depois, estávamos no portão de entrada.

É bem difícil descrever esse novo impacto, uma vez que o tamanho do campo é totalmente discrepante de qualquer percepção que a gente possa ter por filmagens ou fotos. Em frente à entrada, olhando para ambos os lados, é impossível definir onde termina a área de Auschwitz II-Birkenau. Aguardamos nossa guia, e pouco depois estávamos entrando.

Em frente ao portão de entrada (e também a entrada dos trens, no período).

Em frente ao portão de entrada (e também a entrada dos trens, no período).

À esquerda, uma enormidade.

À esquerda, uma enormidade.

À direita, não enxerga-se onde termina.

À direita, não enxerga-se onde termina.

Uma tentativa fracassada de mostrar o todo.

Uma tentativa fracassada de mostrar o todo.

A vastidão era ainda maior. Andávamos em ritmo acelerado em meio aos trilhos, que naquela época traziam os trens então repletos de prisioneiros. Vários grupos de visitantes se espalhavam no local, e os olhos procuravam as referências tão conhecidas daquele verdadeiro matadouro. O cenário novamente era de um verde vivo e melancólico, com horizontes planos a perder de vista. A tarde era nublada, com uma leve chuva que ia e vinha. Novamente, parecia que o tempo acompanhava nossas emoções.

O espaço gigantesco dispersa a impressão de multidão, mas ela existia.

O espaço gigantesco dispersa a impressão de multidão, mas ela existia.

Pouco depois de entrar, era essa a visão de quem olhava pra trás...

Pouco depois de entrar, era essa a visão de quem olhava pra trás…

...e olhava novamente para a frente.

…e olhava novamente para a frente.

Paramos adiante próximos a um dos vagões, mantido no local. Dali em diante seguiram-se as explicações de como era feita a chegada dos prisioneiros, e sua ordem de execução: crianças, idosos e outras pessoas com capacidade física prejudicada eram os primeiros a serem enviados para a câmara de gás. A “solução final para o problema judeu” parecia ainda mais cruel quando imaginada em tais dimensões. Auschwitz II-Birkenau foi pensada para aliviar a capacidade do campo anterior, então excedente. Desmonte essa frase e pense no que exatamente ela quer dizer, e me diga se é possível ficar indiferente a tamanha atrocidade.

Um dos vagões, que traziam os prisioneiros...

Um dos vagões, que traziam os prisioneiros…

...e um pequeno memorial em seu degrau.

…e um pequeno memorial em seu degrau.

Seguimos adiante até chegar na área oposta à entrada do campo de concentração. Um memorial com placas em homenagem aos refugiados que estiveram em Auschwitz II-Birkenau – em seus respectivos idiomas, além de uma em inglês para a compreensão da mensagem por todos os visitantes.

“Para eternizar neste lugar um grito de desespero e uma advertência para a humanidade, onde os nazistas assassinaram cerca de um milhão e meio de homens, mulheres e crianças, judeus principalmente vindos de vários países da Europa.
Auschwitz-Birkenau 1940 – 1945”

As placas, em diversos idiomas.

As placas, em diversos idiomas.

Olhando novamente em direção à entrada, uma ideia da distância percorrida.

Olhando novamente em direção à entrada, uma ideia da distância percorrida.

Uma perspectiva real das distâncias da entrada (1), do vagão (2) e do memorial com as placas (3).

Uma perspectiva real das distâncias da entrada (1), do vagão (2) e do memorial com as placas (3).

Ali mesmo, fomos todos para o lado esquerdo. As ruínas que estavam logo abaixo eram aquilo que restou de uma das câmaras de gás, destruídas pelos próprios nazistas, que tentaram apagar as evidências da barbárie pouco antes da chegada do exército soviético – como se isso fosse possível. A proximidade de um local desses, mesmo tão descaracterizado, era tão perturbadora quanto a impressão que tivemos ao visitar a câmara de Auschwitz I.

Os escombros das câmaras de gás, totalmente...

Os escombros das câmaras de gás, totalmente…

...ou parcialmente descaracterizadas.

…ou parcialmente descaracterizadas.

Pouco adiante, entramos em um dos galpões de tijolos, cujo visual quebra a imensidão verde dos campos. Eram dois os tipos de galpão existentes em Auschwitz II-Birkenau: os de tijolos abrigavam às mulheres, enquanto os de madeira aos homens. E abrigar é uma forma muito educada de descrever o que de fato acontecia no interior desses galpões. O chão era de terra e lama, com higiene inexistente. Acumulava-se ali todo tipo de dejeto, enquanto os prisioneiros se amontoavam em verdadeiros cubículos. Um lugar onde caberiam no máximo 4 pessoas abrigava de 20 a 30. A impressão nas fotos não é distorcida: é inconcebível a possibilidade desse número absurdo conseguir sobreviver nessas condições – e era exatamente esse o desejo nazista.

De 20 a 30 mulheres eram amontoadas em cada uma dessas células.

De 20 a 30 mulheres eram amontoadas em cada uma dessas células.

Parece impossível, como toda e qualquer informação que tivemos nesse dia.

Parece impossível, como toda e qualquer informação que tivemos nesse dia.

No caso dos barracões onde eram alojados os homens, somente a base resistiu à queima de arquivo nazista. Sendo de madeira, foram incendiados antes da chegada dos soviéticos, restando a fundação como memória dos espaços. Estávamos quase no final do tour, enquanto caminhávamos entre os outros galpões.

Enquanto os barracões femininos permanecem preservados...

Enquanto os barracões femininos permanecem preservados…

...pouco restou dos masculinos.

…pouco restou dos masculinos.

Já próximos ao portão de entrada novamente, nossa guia agradeceu a todos pela presença, contou sobre sua própria preparação para aquele trabalho, e que se esforçava ao máximo para relatar os acontecimentos de forma mais precisa, detalhada e respeitosa a todos, de forma que as lições daquele dia nunca mais se perdessem.

Nossa conclusão sobre a experiência em Auschwitz é aquela que tínhamos como expectativa antes de pensar o destino de nossa viagem: algo transformador, em muitos aspectos. Doloroso, complexo, absurdo de tão distante da nossa realidade. Mas nesses tempos em que a intolerância brota inadvertidamente dos lugares mais inesperados, o aviso expresso na placa em homenagem aos que lá estiveram nos parece cada vez mais necessário. Sentir na pele um lugar tão importante na História da humanidade nos devastou, a ponto de voltarmos para Cracóvia em silênco e mentalmente exaustos. Dali em diante, vivemos e revivemos aqueles momentos a cada informação já conhecida ou ainda não sobre os horrores da Segunda Guerra – e todas as outras, relativas ou diretamente ligadas a atitudes absurdas promovidas pelo ser humano. Recomendamos sim a visita aos campos. Aprender sobre nossa essência, e sobre o que somos capazes de fazer quando nossa vida é movida pelo ódio e pelo preconceito é uma lição da qual jamais esqueceremos.

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2 comentários

  • Responder Angela 25 de novembro de 2015 às 12:32

    Uma coisa que sempre chama a minha atenção quando leio relatos sobre visitas a campos de concentração e quetais é a quase ausência de informação a respeito das outras pessoas que lá foram parar. Fala-se muito na “solução final para os problemas dos judeus”, mas houve tantos ciganos, homossexuais e até mesmo testemunhas de Jeová que foram mandados aos campos.
    Em Auschwitz fala-se deles também?

    • Responder Marcelo Masili 25 de novembro de 2015 às 12:45

      Então, falam sim. Inclusive existe um painel bem extenso que explica a designação que cada um dos diversos grupos recebia (os símbolos nos uniformes variavam segundo a procedência e os motivos da prisão – rebeldes, homossexuais, prisioneiros políticos, testemunhas de Jeová, prisioneiros de guerra soviéticos, ciganos, e até mesmo policiais estão entre os que foram vítimas em Auschwitz.

      Mas os números nem se comparam aos do povo judeu, e por isso mesmo acabam ficando em segundo plano.

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