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23 de junho de 2015

Bolívia

Um banho quente

23 de junho de 2015

Nesses dias gelados, me veio à mente uma recordação pertinente ao Faniquito.

Não havia nascido o Sol quando o guia nos chamou. Um frio monumental, da gente não ter coragem de tirar o cobertor. No meio do deserto faz ainda mais frio, e nosso tour em Potosí estava apenas em seu segundo dia. Havíamos lido relatos escabrosos sobre o alojamento em que ficamos durante a noite anterior, e sobre o frio que o acometia: “quase tive um edema“, foi a frase mais chocante que lemos, e que viraria uma piada dali em diante… afinal, as paredes eram bem sólidas, e havia um corredor (fechado e bem protegido) que separava o exterior dos nossos quartos. As camas não eram um primor, mas longe de serem desconfortáveis a esse ponto, e as mantas eram suficientemente grossas e pesadas pra proteger qualquer ser humano daquela temperatura.

Ainda sem sol, mas com uma paisagem que vale acordar cedo.

Ainda sem sol, mas com uma paisagem que vale acordar cedo.

Não tomamos banho, pois era impossível. A energia do lugar estava desligada, e o chuveiro não esquentava. Escovar os dentes já era desafio suficiente, mas que aceitamos. Pessoas com dentes sensíveis não devem fazer o mesmo, pois a água de fato é geladíssima. Poucos minutos depois estávamos prontos pra levantar acampamento. O café da manhã não seria ali.

O tour pelo Salar de Uyuni – a maior planície de sal do mundo – leva normalmente de 4 a 6 dias. Entre as diversas áreas do parque (que estarão por aqui em textos futuros, inclusive falando do próprio Salar), existem esses acampamentos. Assim como acontece no Atacama – vizinho ao Uyuni, no Chile, é impossível visitar tudo em somente um dia. No nosso caso, um tour de 4 dias teve que cabem em 3, por motivos de ônibus quebrado. Assim sendo, não tínhamos muito tempo a perder.

Saímos do acampamento em direção às águas vulcânicas, que ficavam a mais ou menos 20 minutos dali. O sol que nascia lentamente deixava mostrava a mistura de gelo e terra em nosso caminho. Com um cenário desses, e ainda cheios de sono, é de se imaginar a dificuldade em conceber um banho ao ar livre: quem em são consciência vai arrancar suas jaquetas e agasalhos pra encarar uma coisa dessas? Mas assim que chegamos nas piscinas naturais, um ímpeto de coragem tomou conta da Dé e da Mel.

A mistura de terra e gelo, e as cores do começo de dia.

A mistura de terra e gelo, e as cores do começo de dia.

– Vamos? (Dé)
– Vamos! (Mel)
– Vamo, né… (eu, obviamente).

Tiramos a roupa na picape. Minha mãe não acompanhou o furor de juventude, e preferiu se poupar dessa. O caminho do carro até as piscinas é uma coisa que dói na alma – aquele vento frio te corta feito gilete, e você se sente meio imbecil correndo de roupa de banho numa temperatura que você não pensa em enfrentar sem 20 camadas de tecido. Mas ao colocar o pé na água, todo o desconforto vira alegria, e você acaba desacreditando no quão possível é a natureza te entregar mais um presente num ambiente aparentemente tão inóspito.

É isso o que se vê da janela da picape...

É isso o que se vê da janela da picape…

...e mesmo com um mundo de vapor saindo do chão...

…e mesmo com um mundo de vapor saindo do chão…

...é difícil imaginar que essas pessoas não estivessem morrendo de frio.

…é difícil imaginar que essas pessoas não estivessem morrendo de frio.

Aproveitamos aqueles 15, 20 minutos da forma mais plena possível. Obviamente esquecemos a câmera fotográfica no carro, e a mula aqui teve que sair correndo da piscina pro carro, e do carro pra piscina, soltando fumaça de choque térmico numa das cenas mais bizarras e engraçadas da minha vida. Mas registramos, mesmo que precariamente, aquele momento tão divertido. Assim que terminamos nosso banho (que serviu também como banho de fato – mesmo sem sabonete), fomos enfim tomar um café da manhã bacanudo e recompensante na casinha que fica ao lado das piscinas. O sol havia saído e o frio da manhã aos poucos dava lugar a um calor aconchegante. Agora sim estávamos prontos para começar o dia.

Essa foto é tosca, mas me custou uma corrida até a picape numa temperatura bizarra - então, vai pro ar assim mesmo - e não, tirar selfie debaixo de uma nuvem de vapor não dá resultado muito melhor que esse, não :)

Essa foto é tosca, mas me custou uma corrida até a picape numa temperatura bizarra – então, vai pro ar assim mesmo – e não, tirar selfie debaixo de uma nuvem de vapor não dá resultado muito melhor que esse, não 🙂

Depois, é só se trocar ali do lado, e entrar por essa portinha marrom...

Depois, é só se trocar ali do lado, e entrar por essa portinha marrom…

...pra dar de cara com um belo café-da-manhã.

…pra dar de cara com um belo café-da-manhã.

Esse tour tem diversas histórias. Logo mais a gente publica outra 🙂