Arquivos do mês de

maio 2015

Faniquito

E o que fica?

28 de maio de 2015

Existe uma coisa mais importante do que a viagem em si: o conjunto de memórias que ela nos proporciona. Somos feitos de experiências, que nos afetam e transformam a todo instante. Num período especial – como uma viagem, uma data especial como um aniversário, um reveillon ou outras festas – tudo o que queremos é aproveitar ao máximo cada momento, e que de tão especiais levá-los dali em diante pro resto da vida. Mas sabemos que o tempo é cruel, e aos poucos certas memórias perdem cor, vida, detalhes e emoções, podendo se transformar futuramente numa imagem turva daquilo que já foram um dia.

Por sorte, vivemos num mundo onde qualquer registro é possível de diversas e excelentes maneiras. Hoje em dia qualquer pessoa pode gravar um vídeo (e que luxo era isso há 20 anos), um depoimento, ou ainda tirar fotos e mais fotos sem se preocupar “se o filme está acabando”. Possuímos um aparato considerável, a preços módicos e bastante populares já há algum tempo. Nossa memória agradece, pois tenho certeza que num futuro distante, mesmo que esses registros tenham se tornado obsoletos, eles existem – e resgatá-los será uma possibilidade E uma necessidade de toda uma geração.

"Minhas férias" - versão 1985

“Minhas férias” – versão 1985

Mas você já parou pra pensar como andam os seus registros?

Sim. Preservar as memórias é tão necessário quanto acumulá-las. E antes que eu seja considerado um cara com TOC, vou exemplificar o que quero dizer: em algum momento você já revirou as fotos (aquelas, reveladas, tiradas em máquinas analógicas) da sua infância? Conseguiu identificar as pessoas que estão ali? Ou as situações? Em que ano foram tiradas? Por sorte você talvez consiga encontrar aquele carimbo estratégico no rodapé ou no verso da chapa (e na pior das hipóteses, aquela data digital horrorosa no rodapé da foto). É pouco, mas é o que tínhamos… organizávamos álbuns de 24 ou 32 fotos, e nos baseávamos neles para contar uma história que só podia ser vista individualmente.

Hoje, tiramos 32 fotos durante nosso almoço, e exibimos pro mundo.

Então, que tal seguir umas dicas básicas pra organizar direito essa bagunça, e não fazer das memórias da sua viagem um catadão de arquivos aleatórios? Nada de muito difícil ou avançado, e que fará toda a diferença quando daqui a algum tempo você quiser lembrar onde e quando tomou aquele sorvete maravilhoso:

1) Uniformize e não invente

Local / AnoMêsDia_0001 - é baba.

Local / AnoMêsDia_0001 – é baba.

Lugares têm nome. Dias são datas. Monte pastas levando em consideração essas duas informações, e dificilmente você perde aquilo que registrou. Nada de “Nova Pasta (1)” e “Unnamed File”. Mais: se existe um diretório IMAGENS no seu micro, USE: crie um diretório Fotos, outro chamado Viagens dentro dele, e pronto! Parece besta porque é óbvio. Pras lembrancinhas físicas, a mesma coisa. Guarde tudo junto, num só lugar. E organize – é muita sacanagem jogar tudo num canto e depois querer achar alguma coisa. Sua viagem e suas memórias merecem respeito.

2) Backup – faça quantos puder

Mais vale dois HDs funcionando do que um soltando fumaça.

Mais vale dois HDs funcionando do que um soltando fumaça.

Já imaginou perder todos os registros de uma viagem inesquecível por desleixo? Nunca mais ver aquela foto incrível, tirada longe pra burro de casa? Nunca confie plenamente no HD do seu micro. Ou no seu cartão de memória, que pode ficar guardado acidentalmente ao lado de um ímã. Faça cópias dos seus arquivos – em DVD, HDs externos, em nuvens, pen drives, enfim… porque se existe uma certeza nesse mundo, é que um dia a sorte acaba – pra todo mundo. Então, seja precavido.

3) Está viajando? Gostou do lugar? Pegue uma lembrancinha e leve na mala.

Tente lembrar do nome do prato daquele restaurante húngaro...

Tente lembrar do nome do prato daquele restaurante croata…

Pode ser cartão de visita, guardanapo, etiqueta, folheto, bolacha de copo, o que for. Chegando em casa, organize um “coisário” com essas bugigangas. Se visitou várias cidades ou países, divida as coisas em envelopes ou saquinhos. Pode parecer besteira, mas se alguém te perguntar sobre o que fazer em certo lugar que você já visitou, a dica sairá redondinha. Não é mole guardar detalhes de diversos lugares visitados uma única vez, mas relembrar é fácil quando você tem à mão uma lembrancinha.

4) Faça um diário durante a viagem

Serve até como terapia, às vezes.

Serve até como terapia, às vezes.

Querido diário, as minhas férias foram…” – NÃO. Nada disso, pelamor. Acabou o dia? Antes de dormir (naquela pausa no banheiro, ou mesmo deitado na cama) faça um resuminho rápido dos principais acontecimentos do dia. Na hora de contar pra todo mundo com foi sua viagem, nada vai ficar pra trás, e quando quiser relembrar, essas anotações serão um roteirinho mais que simpático pra você sentir saudade daqueles dias 🙂

5) Capriche, e respeite suas memórias

Rale, e faça seu equipamento ralar também.

Rale, e faça seu equipamento ralar também.

Uma viagem é uma conquista importantíssima. Faça valer. Registre coisas interessantes, momentos bacanas, e viva intensamente cada segundo. São dias de deleite, não de pressa. Faça algum esforço para se orgulhar dessas memórias: cuide bem do seu material, tire fotos e faça seus vídeos com calma e cuidado. Mas não viva de fotos: viva os momentos que estarão nelas. Contar uma história bem vivida é mole – e a foto ou o vídeo são excelentes auxiliares, mas o protagonista é você.

Argentina, Gastronomia

Isabel

25 de maio de 2015

Pegando o gancho do texto anterior, escrito pela Dani semana passada, a dica de hoje é sobre um lugarzinho meio inesperado em El Calafate… mas uma coisa de cada vez, então vamos lá:

El Calafate é uma cidadezinha deliciosa localizada na Patagônia Argentina. Pra efeitos de comparação (e levando-se em consideração que sou brasileiro/paulista), é razoavelmente semelhante a Campos do Jordão, porém sem montanhas e menos colonial. Em uma rua principal estão todo os principais pontos comerciais da cidade: restaurantes, lojas, agências de turismo e até mesmo uma feirinha são passeáveis e conhecíveis à pé; numa rua paralela acima está a estação rodoviária, e seguindo adiante está a área residencial da cidade; tomando-se a rua principal como referência novamente, mas olhando pra trás, em três ou quatro ruas paralelas estão distribuídos os hotéis e albergues da cidade, além de alguns serviços essenciais – lojinhas de conveniência, lavanderias e bazares.

De El Calafate falaremos mais em outras oportunidades. Hoje, o assunto é o Hostel El Calafate… bem, mais ou menos. O assunto mesmo está dentro do Hostel El Calafate – mais especificamente, o quê e quem.

Com poucos dias – às vezes, somente um – disponíveis em determinadas cidades, dificilmente o restaurante do hotel é uma opção considerada na hora de decidir onde comer. E aí entra em cena outro personagem dessa história, chamado Leandro, e proprietário do Isabel Cocina al Disco* (http://isabelcocinaaldisco.com/) – um enorme e bonito salão localizado ao lado da recepção do albergue**.

Leandro é o cara à esquerda, no pique.

Leandro é o cara à esquerda, no pique.

Estávamos de saída para conhecer a cidade (chegamos no começo da tarde), quando fomos abordados pelo rapaz pouco antes da saída. Confesso que não me lembro direito do papo, mas foi engraçado – sim, o Leandro era o argentino com maior fluência em Português que havíamos conhecido até então. E com meia dúzia de piadas infames e aquele jeito Ciro Bottini infalível, ficamos meio confusos até ele nos convencer a jantar por lá mesmo.

Resumindo a história: ficamos 5 dias em El Calafate. Jantamos por lá 3 vezes.

Claro que ficamos. Olha o tamanho dessa panela...!

Claro que ficamos. Olha o tamanho dessa panela…!

Porque não basta a comida ser MUITO boa (e escrever em letras maiúsculas é uma pequena tentativa de quantificar o cuidado com o sabor da coisa toda), o ambiente e o atendimento são um capítulo à parte. Falando da comida: além de alguns pratos comuns (leia-se bife de chorizo e adjacências), a especialidade da casa é a cocina al disco de arado – um panelão de diversos ingredientes, com jeito de comida rústica, mas de um sabor que é um verdadeiro soco na cara de tão gostoso.

Dá pra sentir o cheirinho dessa delícia?

Dá pra sentir o cheirinho dessa delícia?

E pra fechar, que tal um sorvetinho de calafate?

E pra fechar, que tal um sorvetinho de calafate?

Quanto ao atendimento, a simpatia do Leandro e da sua equipe são coisa que vão muito além da simples venda – saímos de lá já morrendo de saudade, e felizmente mantemos contato desde então – e que melhor recomendação existe do que conhecer um lugar, e sair de lá com uma amizade a tiracolo?

Três refeições depois: alegria incontida, e amizade saudosa!

Três refeições depois: alegria incontida, e amizade saudosa!

Portanto amiguinhos, esse texto (que porpositalmente está indo ao ar pouco antes do almoço) é um incentivo a mais para que, quando de sua viagem ao país hermano – mais especificamente à parte lá de baixo, onde existem pinguins, geleiras e noites ensolaradas – considerem El Calafate. Cheguem com fome, e conheçam o Isabel. Mais que isso: conheçam o Leandro.

Capaz que saiam de lá de barriga cheia, e torcedores do Racing*** 🙂


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

**Albergue por chamar Hostel El Calafate – mas com área de hotel do lado oposto ao restaurante. Adotamos a convenção porque ficamos no albergue mesmo.

*** Nem Boca nem River – o cara é doente pelo Racing – mesmo (mas ainda assim um gente boa).

Causos, Fofuras

As coisas simples da vida, e das viagens

21 de maio de 2015

Por Daniela Beneti


Oi gente! Já tô de volta pra mais uma participação especial no Faniquito, tipo convidado em seriado americano. Espero que vocês gostem de me ver/ ler por aqui.

Bem, ao vasculhar minhas fotos para o post anterior (não viu? É esse aqui ó), eu achei algumas que são legais por um motivo especial: não tem nenhum ponto turístico.

Claro que ver os grandes marcos, tipo Torre Eiffel, Coliseu, etc, é maravilhoso. Mas se tem uma coisa nesse tipo de viagem que eu realmente adoro é experimentar o dia a dia de lá.

Tá servida, Mademoseille? Ostras fresquinhas!

Tá servida, Mademoseille? Ostras fresquinhas!

Algumas das lembranças e histórias mais legais que eu tenho das viagens envolvem fazer coisas banais, tipo ir à feira livre. É, feira. Na França é muito comum e bem parecido com as que temos no Brasil. É até maior – fui parar em uma pra comprar uma mala nova, pois a minha tinha arrebentado o zíper ainda na ida.

Como raios fui parar na feira pra isso? Ora pois, mas foi Maria, nossa simpática copeira/ cozinheira portuguesa do hotel de Paris. Fui perguntar para o recepcionista onde poderia comprar malas, qual o shopping (ê paulista) mais próximo, ela ouviu e lascou logo o português: “Mais vais a pagar caro!  Deixa-te disso, vais a Duplex!

Aí você, como eu, pergunta o que é Duplex. Ela não me respondeu, só fez um “Duplex, sabes?” (não, eu não sabia) “Segues aqui ó, veja bem. E vais a achar equipagem baratinha” . Desenhou um mapinha no guardanapo e nos despachou porta a fora.

Ora pois, essa é Maria, uma figura portuguesa com certeza.

Ora pois, essa é Maria, uma figura portuguesa com certeza.

Fomos pra Duplex pensando que era uma loja especializada. Só que Duplex é uma das trocentas estações de metrô de Paris, sendo essa suspensa. Embaixo dela tem uma feira de rua, igualzinha as daqui – gente falando alto, comendo guloseimas, comprando frutas e legumes. E sim, malas. Roupas. Sapatos. A feira lá é bem abrangente. Claro que tem produtos locais, tipo ostras enormes, muito queijo. Foi muito legal.

Mas eu mentiria se dissesse que era a primeira vez que via uma feira de rua na Europa. Quando fiz mochilão, em 2008 com minha amiga Camila Dean, nosso hotel no subúrbio de Paris tinha uma feirona logo em frente. Quando chegamos em Nice, no sul da França, descobrimos que a feira de lá é famosa e vimos pela primeira vez frutas como groselha e framboesa, frescas. À noite, as barraquinhas são recolhidas e tudo vira restaurante. Conhecemos dois sul-coreanos no trem e fomos lá, beber.

Claro que nada supera descobrir como são feitas aquelas balinhas coloridas com desenho no meio. Eu e meu pai passeávamos em Praga quando vimos uma vitrine estranha, onde o vendedor juntava grandes blocos coloridos e brilhantes em um bloco. E esticava. Azul, marrom, creme. Esticou até aquilo ficar fininho – e não era trabalho fácil, pois os tubos originais eram enormes. No final, ele picotou aquele tubinho e nos deu: eram balas, e ele havia desenhado uma árvore dentro. Não acredita? Olha aí embaixo.

Nunca na vida eu ia acreditar se não tivesse visto.

Nunca na vida eu ia acreditar se não tivesse visto.

Outra coisa que gosto de fazer em viagens é ir ao mercado para comprar pão, frios, água, suco. Isso ajuda muito a diminuir seus gastos com alimentação durante o trajeto e te coloca em contato com os hábitos locais.

Em Portugal, descobri que tangerina é clementina. Em Santiago do Chile, descobri que todos os produtos de higiene vem em embalagens enormes, tamanho família, e fiquei amiga do pessoal do caixa. Em Paris, conversei com uma velhinha na fila que adorou saber que eu era brasileira, me deu balinhas e, quando eu disse que gostava muito de Paris, me respondeu “Bien sure, tout le monde aime Paris, c’est fantastique”.

Passei vergonha no mercado em Roma, perto da estação Termini, ao erguer um cacho de uva e o maldito se desfazer, com todas aquelas bolinhas rolando, alegremente, enquanto todo mundo olhava o desastre.

Não foi nenhum chef famoso, foi perto da Termini. Mas olha, não trocaria meu simpático tiramissu por sobremesa gourmet nenhuma.

Não foi nenhum chef famoso, foi perto da Termini. Mas olha, não trocaria meu simpático tiramissu por sobremesa gourmet nenhuma.

Outra coisa que adoro são os restaurantes pequenos e escondidos. Nunca fico caçando restaurantes que guias e reportagens recomendam. Não dá tempo. Mas entrar em restaurantezinhos locais sempre rende boas surpresas e histórias hilárias.

Como em Salamanca, quando duas meninas famintas (eu e Camila) entraram em uma lanchonete e viram que tinha tortilha – um tipo de omelete espanhol com batata. Pedimos e veio um lanche RECHEADO com uma tortilha enorme. Comendo assim, claro que tem que fazer siesta, vocês tão malucos.

Ou quando, novamente famintas (eu andei muito no mochilão, tenham compaixão), e sem nenhum restaurante por perto no subúrbio de Florença, eu e Camila entramos em uma cantininha a noite.

Ok, lanche de tortilha. Pela minha cara de felicidade, dá pra ver que é bom.

Ok, lanche de tortilha. Pela minha cara de felicidade, dá pra ver que é bom.

O lugar inteiro parou e olhou para nós – só famílias do bairro. Sentamos, veio a garçonete com o cardápio. Queríamos algo que não fosse macarrão ou lasagna daquela vez e minha amiga viu “Petto de taquino à caprese”. Sabendo que caprese era uma salada, perguntou “Petto de taquino?” e encolheu os ombros. A garçonete saiu correndo. “Caramba o que foi que você disse, Camila?!”

Quando a garçonete voltou, olhou pra nós, concentrada. Todas as mesas nos observavam em expectativa. Ela então bateu os braços, imitando um pássaro e disse “turkey”. É, esse suspense todo pra dizer que era peito de peru. Sensacional.

Teve o restaurantezinho na Normandia, em uma das cidadezinhas beirando a costa. Eu e meu pai, estávamos em uma viagem temática de Segunda Guerra e ele quis visitar as praias do Desembarque. Na volta, Seu Ricardo queria porque queria jantar em um restaurante típico, mas não havia nada no caminho.

Depois de rodar por vilas que pareciam abandonadas, vimos um restaurantezinho pequeno e simpático. Donos também muito simpáticos nos receberam, mas só falavam francês e eu falava muito pouco da língua na época. A dona tentou me oferecer pratos típicos , mas quando foi me explicar o que era “tête de boeuf” e quis me mostrar, o cozinheiro interviu: “melhor não”. Era miolo de boi, pessoal. O cozinheiro salvador sugeriu uma pizza, que de estranho tinha só um ovo frito no centro. E bebemos a verdadeira Cidra – nada dessa coisa que te dão no Natal, não. A Cidra é o orgulho da Normandia, é uma delícia e sobe que nem rojão.

Na Normandia, a pizza tem um ovo frito malandro no meio. Mas ainda é melhor que “Tête de boeuf”.

Na Normandia, a pizza tem um ovo frito malandro no meio. Mas ainda é melhor que “Tête de boeuf”.

Essas são só algumas das histórias de cotidiano em viagem. Porque pra mim isso é ser viajante e não turista: experimentar a vida local, falar com as pessoas, andar de metrô, trem, ônibus. E perceber como temos coisas em comum com outros povos, coisas que nem percebemos, que nos aproximam do outro e nos tornam mais tolerantes quando voltamos.

Esse simpático casal viu eu e minha mãe passeando em Mendoza e resolveu conversar com a gente, tirar nossa foto e quiseram ser fotografados, mostrando como os Mendocinos são hospitaleiros.

Esse simpático casal viu eu e minha mãe passeando em Mendoza e resolveu conversar com a gente, tirar nossa foto e quiseram ser fotografados, mostrando como os Mendocinos são hospitaleiros.


Se você quiser participar das publicações do Faniquito com suas histórias, curiosidades e dicas de viagem (e não importa o destino), é só entrar em contato com a gente por esse link. Todo o material deve ser autoral, e será creditado em nosso site.

Áustria

O café de Freud, Hitler e Trotsky

18 de maio de 2015

O Cafe Central* (http://www.palaisevents.at/en/cafecentral.html) é uma casa tradicionalíssima de Viena. Localizada no andar térreo do antigo prédio da Bolsa de Valores austríaca, mistura-se muito bem ao visual tradicional e absolutamente bem preservado da Cidade Antiga (Innere Stadt), localizada na área central da cidade. O Cafe pode passar desapercebido num passeio mais apressado, pois possui um pequeno jardim e alguns guarda-sóis bem em frente a sua fachada, que é tão tradicional quanto os outros prédios vizinhos. Porém, a constante aglomeração de pessoas em sua entrada – por vezes sutil, por vezes desanimadora – deixa clara a necessidade de uma visita.

O visual imponente, a austeridade e a educação de seus funcionários pode afugentar os mais inseguros num primeiro momento. Mesmo de bermuda e camiseta, não há olhar torto nem discriminação no atendimento, portanto entre – mesmo se estiver de mochila nas costas. O responsável pela recepção (esse enorme senhor da foto abaixo) foi descrito pela Dé como “a cara da Áustria”. A legenda explica.

"Esse homem pra mim é a cara da Áustria" - BASSI, Debs.

“Esse homem pra mim é a cara da Áustria” – BASSI, Debs.

Seu interior é absolutamente fantástico. O Cafe Central completa 140 anos de existência em 2016, e está impecavelmente preservado, sendo nome presente em qualquer lista dos dez melhores cafés do mundo. Porque sim, não basta ser bonito – precisa ser gostoso. Suas colunas de mármore e os adornos do teto fazem do salão um lugar deliciosamente aconchegante. As mesas são pequenas, mas numerosas – o que causa uma boa rotatividade de clientes. Portanto, mesmo em caso de espera, não desanime, pois a chance do seu nome ser chamado rapidamente é grande.

Um lugar tão antigo e histórico só podia ser bonito. Pra burro.

Um lugar tão antigo e histórico só podia ser bonito. Pra burro.

Nossa visita aconteceu no meio de uma tarde quente, e acabamos/acabei (a Dé não gosta) não pedindo café. Mas fomos aconselhados a experimentar o apfelstrudel da casa. Tentando aproveitar ao máximo a experiência, eu pedi o dito, enquanto a Dé pediu um petit-gateau (sim, quando você sabe que só vai visitar um lugar uma única vez, tente tirar o máximo dele, mesmo que seu máximo possível seja composto de dois pratos, ao invés de somente um por duas vezes). Antes de falar dos dois, fiquem com as imagens:

Eu daria um abraço apertado nesse strudel.

Eu daria um abraço apertado nesse strudel.

E esfregaria esse petit-gateau na cara.

E esfregaria esse petit-gateau na cara.

Essa jarrinha ao lado do strudel é chocolate branco, meus amigos. O verdadeiro, não a barrinha de banha derretida. E essa folhinha com o nome do Cafe no topo do petit-gateau é uma folha… de chocolate. Sim, come-se isso. O chantilly é sexualmente indecente – sim, dá pra enfiar a cara nele e chamar de “meu amor”. Não por acaso, um dos frequentadores da casa era o safado do Adolf Hitler – e imagino que tenha sido uma clientela suficientemente exigente e satisfeita naqueles tempos. Porcos malditos à parte, a casa recebeu outros nomes que nos são muito mais simpáticos, e que também marcaram a história do mundo – porém, de uma forma muito boa, como Sigmund Freud, Leon Trotsky e Peter Altenberg. Com essa aura histórica permeando o ambiente, foi uma meia hora absolutamente gostosa e memorável essa que tivemos lá.

Nota-se que o pedido do  ainda não chegou.

Nota-se que o pedido do Altenberg ainda não chegou.

Viena é uma cidade propensa a bons momentos como esse, e dela falaremos em outras oportunidades. Mas quando estiver por lá, não esqueça: no meio da tarde, ao passar na esquina da Strauchgasse com a Herrengasse, uma pausa para o café pode ser bem especial.


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Bolívia

Coca: a polêmica

14 de maio de 2015

Desde aquela fatídica eliminatória em 1993, quando perdemos nossa primeira partida na história da competição para a Bolívia, ouvimos falar com insistência do quanto a altitude de La Paz castiga. Em tempos de Taça Libertadores da América, tomes que apanham por 5 ou 6 gols quando jogam fora da cidade costumam vencer por lá. Atletas profissionais, com seu preparo físico indiscutível, passam mal na beirada do campo, apelando por vezes para pequenos balões de oxigênio.

Exagero? Nenhum.

La Paz (ou Nuestra Señora de La Paz) é uma cidade localizada a uma altitude de 3.640 metros acima do nível do mar: um verdadeiro desafio para o corpo humano, pois a concentração de oxigênio nesses termos é ridícula, e respirar passa a ser um desafio. Pra isso, existe um remédio local que ainda causa um mundo de curiosidade para quem não visitou a cidade: as folhas de coca. Também encontradas em outros lugares – inclusive no Perú, mais especificamente em Cusco, é um pré-requisito e uma ferramenta natural de sobrevivência. E esse texto breve é para matar algumas dúvidas a respeito dessa peculiaridade:

Você fica doidão mascando a danada?

– Não. Por sinal, não é a sensação mais agradável do mundo mastigar uma folha seca. Tem gosto de… folha seca. Apesar de estar ruminando um pedaço de mato, é comestível, suportável, e após algum tempo você se habitua.

Mas é dela mesmo que se faz a cocaína, né?

– Aham. Seu noia.

O chá você encontra à venda em quase todo lugar, mas bebe de graça em quase todo lugar também.

O chá você encontra à venda em quase todo lugar, mas bebe de graça em quase todo lugar também.

Quanto eu preciso pra altitude não me castigar?

– O consumo da folha de coca na Bolívia é extremamente natural, normal e corriqueiro. Existem cestinhas espalhadas em albergues (possivelmente em hotéis também), assim como o chá, que é encontrado em todos os cantos da cidade – para beber ou comprar os pacotinhos, por preços irrisórios. Fizemos um tour, e os guias levavam um saco cheio de folhas no carro – para consumo próprio e nosso, que foi bastante necessário. O efeito que a coca causa é a expansão dos alvéolos pulmonares, ou seja, ela aumenta a capacidade pulmonar de absorção de oxigênio, o que ajuda a equalizar o efeito de desconforto causado pela altitude.

Existe esse efeito todo mesmo? Não é frescura?

– Frescura nenhuma. A cidade de La Paz é composta de ladeiras bastante íngremes, e a geografia da cidade e arredores é montanhosa – vezes pra cima, vezes pra baixo. Seus pulmões são exigidos o tempo todo, e sob tais condições atmosféricas, a não-compensação causa falta de ar, tontura, sono e enjôo – tudo isso dependendo do quanto de esforço está sendo feito.

Ladeiras de verdade, longas e íngremes. Haja pulmão.

Ladeiras de verdade, longas e íngremes. Haja pulmão.

Os bolivianos passam mal como a gente?

– Não, pois nasceram ou viveram por muito tempo durante essas condições, e seus corpos se habituaram a tais condições. Assim como o esquimó é capaz de reconhecer muitos tons de branco devido à vida na neve, a altitude não é um problema para os habitantes de La Paz. Eles tomam chá como se fosse o nosso chá preto, e consomem folhas quando viajam para locais ainda mais altos.

Dá pra trazer o chá pro Brasil?

– Dá. Mas a gente resolveu não arriscar, pois se tem um bicho complicado de se entender é fiscal de alfândega. Macaco gordo não sobe em galho.

E não, não dá pra jogar futebol em La Paz. Apesar das criancinhas da foto me desmentirem (por motivos apontados no penúltimo ítem).

Esqueça: seu time não ganha se jogar em La Paz.

Esqueça: seu time não ganha se jogar em La Paz.

Esqueça qualquer relação com as drogas: folha de coca é legal sim, é necessária sim, e se você for pra Bolívia (e vá, porque vale a pena, logo mais a gente conta os porquês) você vai mascar sim. Seu corpo agradece, seu pulmão mais ainda.

Argentina

Chocolate com gelo

12 de maio de 2015

É de conhecimento público um dos conselhos mais conhecidos – e oferecidos – a quem viaja: “pegue dicas com os locais”. Não é uma regra, mas é uma verdade – sem esquecer que existe nó cego e pilantra em qualquer lugar do mundo. Não era o caso da Deborah, com agá.

Não, não estou falando da minha esposa. Deborah é o nome de uma das donas de uma doceria que fica na principal rua do centro de Ushuaia, chamada Isla de Chocolate* (http://tinyurl.com/deborah-com-h), onde além de fazermos amizade, experimentamos alguns doces e ótimas bebidas quentes durante nossa estadia na cidade. Deborah acabava puxando papo sempre que aparecíamos por lá, e em determinado dia – um dos últimos – nos recomendou conhecer o Glaciar Martial: “Não tem muito apelo com os turistas, e acaba sendo uma atração muito mais local no fim das contas”, ela nos disse. E topamos a empreitada.

Dois bons motivos pra bater um papo com a Deborah.

Dois bons motivos pra bater um papo com a Deborah.

A distância do centro (dir) até o Glaciar Martial (esq).

A distância do centro (dir) até o Glaciar Martial (esq).

Do centro de Ushuaia pegamos um remis (uma espécie de táxi muito comum na Argentina, onde você define previamente trajeto e valores, fazendo o trajeto sem taxímetro ligado), que nos levou até a parte alta da cidade. Durante essa subida, é possível ver (e caso você tenha dinheiro, acessar e se hospedar em) alguns dos mais luxuosos hotéis da cidade. A estrada termina justamente na entrada do parque, de onde seguimos à pé. Ou melhor… de aerosilla.

Se um visual desses não te comove, nada mais será capaz.

Se um visual desses não te comove, nada mais será capaz.

Sim, aerosilla. A entrada do parque é gratuita, mas dali em diante a subida é feita por teleféricos (ou aerosillas), cujo valor na época – 2013 – era de 65 pesos (li em outro site que o valor subiu para 80, mas ainda assim não é nenhuma fortuna). Sim, pode-se subir à pé também, e de graça, porém são necessárias outras duas coisas: disposição, e que o parque não esteja debaixo de neve, pois durante as estações frias ele se transforma em estação de esqui. Conselho: tire o escorpião do bolso e aproveite o passeio, que é lindo.

O passeio de teleférico termina num mirante, cuja vista dispensa descrições.

Isso chama-se "recompensa".

Isso chama-se “recompensa”.

Dali em diante, mais uma breve caminhada. A subida é bastante tranquila, atravessando o riozinho atrávés de uma pequena ponte, e caminhando por entre as árvores. Não há uma imagem que não seja minimamente espetacular, e desde aquele momento o passeio já se justificava.

A única coisa feia nessa foto: eu.

A única coisa feia nessa foto: eu.

Era verão, e pelo caminho encontramos enormes placas de gelo, que me permitiram a experiência mais próxima de brincar na neve que havia tido até então – e só por isso já se tornava imediatamente inesquecível. Pode parecer besteira, mas realizar essas coisas traz pra gente uma felicidade pura – e não fui só eu quem deixou essa sensação explícita…

Bobos e felizes. Muito bobos, e muito felizes.

Bobos e felizes. Muito bobos, e muito felizes.

Após dez minutos à pé, seria possível prosseguir, subindo as montanhas. São vários os grupos de turistas, inclusive famílias que arriscam a subida pelo terreno pedregoso. É uma subida bem arriscada, pois as pedras são soltas, e o desafio é maiúsculo. Porém, não estávamos preparados – eu, principalmente, e pouco depois de iniciarmos a subida acabamos nos instalando ali mesmo para descansar e apreciar aquela paisagem espetacular.

Sem subir, você já tem tudo isso a seus pés.

Sem subir, você já tem tudo isso a seus pés.

“Descansar de quê?”, você pode perguntar. Bem, além do nosso até então nenhum preparo físico e total inexperiência nesse tipo de passeio, havia um obstáculo natural sempre presente em Ushuaia: o vento patagônco. E se ainda assim parecer exagero, caso o vídeo anterior ainda não tenha te convencido, o que vem a seguir deixa isso bem claro (para traduzir o contexto: a Dé está rachando o bico, pois minha mochila tinha acabado de rolar montanha abaixo POR CAUSA DO VENTO, sendo resgatada por um rapaz que vinha subindo, e resolveu bancar o goleiro. No meio do vídeo, quase que EU sou levado pelo vento):

O Glaciar Martial proporciona um passeio absolutamente espetacular, com paisagens lindas e uma tranquilidade muito difícil de ser encontrada. Como bônus, pouco antes da saída do parque, na volta do teleférico, um café, chocolate quente ou mesmo um conhaque para fechar lindamente o programa antes da descida para o centro da cidade.

A chegada da aerosilla...

A chegada da aerosilla…

...e um afaguinho final :)

…e um afaguinho final 🙂

Caso você tenha ficado com vontade, eu entendo. E acima de tudo, recomendo.


*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.