Arquivos do mês de

março 2015

Faniquito, Fofuras

Quando o importante não é o destino

30 de março de 2015

Nossa primeira viagem não foi exatamente uma viagem. Ainda namorando, fomos tomar café da manhã num sábado qualquer. Estávamos com um guia (acho, realmente não lembro bem), e enquanto dividíamos um suco de laranja, resolvemos sortear um lugar naquelas páginas: sairíamos da padaria, pegaríamos o carro, uma troca de roupa e iríamos para… Cunha. Eu nunca tinha pego estrada na vida, mal sabia onde ficava Cunha, o que tinha por lá, se tinha algo pra fazer. Não importava: eu iria com a Dé.

Foi uma baita de uma viagem – apesar da multa por excesso de velocidade, da busca incessante por um lugar pra dormir (e o resultado dessa busca), da ida à cachoeira do macaco. A estrada por um bem comum: alguém que a gente quer por perto. A cara de bobos felizes está ali em cima, ilustrando o texto de hoje.

Pois bem. Fizemos um bate-volta nesse final de semana até Joinville.

Aniversário de família – mais especificamente, da minha mãe. Uma festa-surpresa. Mas esse texto não é para contar como foi, e sim sobre a ação em si: viajar por uma pessoa, não por um lugar. Ação que eu e a Dé conhecemos muito bem, pois ambos já namoramos pessoas distantes o suficiente pra não chamarmos nossas visitas de “coisa corriqueira” – 500 quilômetros de distância não são exatamente “um pulo ali na esquina”.

A gente tava cansado e gripado em Joinville, mas nem parece.

A gente tava cansado e gripado em Joinville, mas nem parece.

Porém certas circunstâncias pedem por esse esforço. A saudade é mais intensa, e toda ocasião torna-se especial. Se uma viagem de dez, quinze, trinta dias já passa rápido, o que dizer de um final de semana? Um feriado? Aeroporto, estrada, pedágios, check-ins, esperas… não é mole, pois a dor de cabeça do ir e vir que você passa em qualquer viagem mais longa (mas que acaba diluída em dias de sossego e diversão) compete com o pouco tempo que a gente tem com quem encontra do outro lado. E fica a pergunta: vale a pena esse esforço?

– Vale.

Às vezes a distância é bem curtinha. Mas o fator surpresa fica.

Às vezes a distância é bem curtinha. Mas o fator surpresa fica.

Fora nossos namoros, temos algumas poucas ocorrências desse tipo de situação. Algumas pessoas que vêm REALMENTE de longe (outro país, outros estados), algumas de cidades próximas daqui de São Paulo, além de nossas próprias idas, como a desse final de semana. Lembro exatamente de todas as reações: de quem recebe, e de quem é recebido. Sempre um baque gostoso, de “cacete, o que você tá fazendo aqui?”. Os abraços são mais longos, os sorrisos mais largos. Uma surpresa boa nunca machuca – apesar de sempre parecer letal, pois quem é surpreendido tem sinais de tremedeira, descontrole emocional e falta de chão em trocentos porcento dos encontros.

Quando 3 cariocas invadiram São Paulo...

Quando 3 cariocas invadiram São Paulo…

...pra que alguns meses depois, dois paulistas invadissem o Rio.

…pra que alguns meses depois, dois paulistas invadissem o Rio.

Esse breve, cansado, atrasado e sincero textinho de hoje é um incentivo ao turismo emocional. Sim, esse que não tem preferência por destino, mas por pessoas. Ele pode ser simples (como visitar aquela pessoa que mora a dez minutos da sua casa) ou bem mais complicado, com horas dentro de um carro. ônibus ou avião. Pode precisar de balsa. De reserva. De algum dinheiro a mais. Ser recebido ou receber alguém que é capaz de encarar distâncias, alguns obstáculos, e esse monstro medonho chamado preguiça é uma sensação que abrilhanta qualquer vida. Afinal de contas, a gente só é feliz perto de quem ama. E quando estar perto equivale à distância de um abraço, tudo vale a pena.

Estados Unidos

Road Trip pelo Big Sur

26 de março de 2015

Por Talita Campione


Sempre que planejamos nossas férias, temos como principal objetivo uma experiência marcante. Isso para mim não exige luxo, me importo mais com a aventura, a companhia e o quanto o lugar pode acrescentar em nossas vidas! Começamos os planos com a simples ideia de queríamos pisar na areia, tomar sol e surf para o maridão. Escolhemos explorar o Big Sur na Califórnia!

De um modo geral, as pessoas que já foram lá apenas passam dirigindo pelas curvas da Highway 1, fazendo paradas para admirar os penhascos chicoteados pelas ondas do oceano, tendo como destino as cidades mais badaladas no sul da Califórnia.

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Visual pra animar qualquer viagem

Nossos planos foram tomando forma, cor e tamanho, e por fim tínhamos o roteiro da nossa road trip. Uma das maravilhas nos Estados Unidos é que as estradas são excelentes, e pedágios são muito raros. Esse tipo de viagem torna-se um grande atrativo por seus baixos custos, e pela possibilidade de ser espontânea, fazendo paradas que podem acrescentar (e muito) ao seu roteiro pré-estabelecido. Sim… eu usei as palavras “roteiro” e “pré-estabelecido”, porque uma das chaves para uma viagem bem-sucedida é um bom planejamento.

Como a região do Big Sur é muito sinuosa, sabíamos que precisávamos de um carro confortável e com a manutenção em dia. Fomos alugar uma SUV, e acabamos saindo da locadora com uma Suburban, gigante e novinha. O carro parecia um exagero, mas como acamparíamos, foi perfeito para o que precisávamos. Saímos de Utah às 4 da manhã e começamos a engolir o asfalto. A primeira parada seria em San Francisco para uma pequena degustação. Dali seguiríamos adiante e levantaríamos acampamento até o final da tarde.

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Carro bom, estrada boa, viagem boa, companhia boa. Tudo bom!

Eu queria entrar na cidade, passando pela Golden Gate, ouvindo “California Dreamin”… e foi o que fizemos! A ponte é linda, tem uma vista incrível da baía, e de longe você enxerga até Alcatraz. Nos dois lados da ponte existem mirantes para você curtir o visual e tirar fotos clássicas com a belezura. Tínhamos a sensação de estarmos inseridos num cenário de filme. Admiramos a dimensão da ponte, sua arquitetura tão famosa, com curvas sensuais. Ao cruzá-la, fique atento, pois existe um pedágio para quem segue na direção sul – ou seja, de quem vem de Sausalito em direção à San Francisco. A travessia custou U$6,00, e pode ser quitada de diversas formas (http://goldengate.org/tolls/tollpaymentoptions.php). Caso você esqueça desse detalhe, a locadora envia a conta posteriormente.

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A bonitona da Golden Gate Bridge.

Continuamos nosso passeio pela “Fog City” e suas ladeiras. Tomamos café da manhã gostoso* no Mama’s (http://www.mamas-sf.com/location–hours.html) e seguimos em direção ao Pier 39. Lá você encontra embarcações com passeios para a Alcatraz, restaurantes, gift shops, e as focas tomando banho de sol! Fomos embora com algumas fotos básicas do local, e a certeza de que temos que voltar para dar a devida atenção que San Francisco merece.

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Alcatraz ali atrás…

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…e um gift shop estiloso.

Quando entramos na Highway 1, o céu estava queimando, se preparando perfeitamente para nos brindar com um maravilhoso pôr-do-sol. Cada curva revelava um trecho mais bonito, aquele tipo de natureza que parece um quadro! Nosso acampamento foi no parque nacional chamado Pfeiffer Big Sur State Park. Existem muitas opções de camping nessa região, e optamos pelo parque nacional por algumas razões:

  • As diárias eram mais baratas (http://tinyurl.com/kd5q9h8);
  • Os banheiros são razoavelmente limpos, abastecidos com papel higiênico, chuveiros quentes, e até um espelhão para dar um tapa na peruca;
  • Acampar nos Estados Unidos torna toda a brincadeira mais legal, pois você encontra todas as ferramentas imagináveis para te auxiliar;
  • Todos os lotes contam com mesa e bancos, que são ótimos para a hora do jantar. Na semana anterior à nossa viagem houve um incêndio em um dos parques do Estado, e por prevenção todas as churrasqueiras públicas estavam interditadas. Atualmente não sei se voltaram a permitir o uso, mas nesse caso vá preparado, com fogão a gás ou fogareiro, chapa e os utensílios básicos para o acampamento;
  • Uma outra grande vantagem de se hospedar lá é a credencial de entrada, que nos dava acesso a todos os outros parques nacionais Somente na região existem pelo menos outros quatro. Caso não esteja hospedado em um dos complexos, passar o dia nesses parques custa em torno de U$10,00 por veículo;
  • Para aqueles que não são fãs de barracas: o parque tem cabanas e chalés com mais conforto e privacidade.

A região tem tantas atrações que fica difícil descobrir tudo em uma única viagem. Esse é um local para vir e explorar várias vezes, para aproveitar tudo o que tem por lá. Nos dias que se seguiram, visitamos o Point Sur Lighthouse – antigo farol da região, o último com características da Era Vitoriana. Fica no topo da colina, e tem dias e horários específicos para visitação: http://www.pointsur.org/.

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Point Sur Lighthouse, ali no cantinho.

Vale a pena conferir a reserva chamada Julia Pfeiffer Burns (http://www.parks.ca.gov/?page_id=578). Você tem a vista para uma pequena praia, com uma linda queda d’água chamada MCWay Falls. O caminho te leva ao local da antiga casa dos últimos proprietários. Seguindo a direção oposta da trilha, exploramos um pouco da vegetação local, e achamos um cantinho lindo para admirar um pouco mais a natureza ali. Tivemos um jantar gostoso e com climão romântico no restaurante Nepenthe (http://www.nepenthebigsur.com/), que tem um deck incrível, onde você aprecia a vista da região e saboreia uma boa comida!

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Não é muito bonito?

Indico para os surfistas de plantão a Sand Dollar Beach, e também a praia do Andrew Molera, lembrando que para quem não conhece muito a região, todo cuidado é pouco: o mar tem características mais agressivas, como um fundo de pedra, ou características de praias de tombo. Melhores horários para o surf, como sempre: bem cedo, ou final de tarde. Neste link tem uma lista de praias da região e suas características: http://www.bigsurcalifornia.org/beaches.html

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Os detalhes da entrada de Sand Dollar Beach

Point Lobos é uma reserva lindissima. Lá você vai ver muitos, mas MUITOS leões marinhos. Eles “conversam” sem parar, quebrando o som das ondas e o barulho das gaivotas!

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Point Lobos 🙂

Mas meu passeio preferido, sem dúvidas, foi a Pfeiffer Beach (note que tem Pfeiffer pra caramba nesse pedacinho…). A Julia Pfeiffer e a Pfeiffer Beach são locais distintos, e ambos merecem uma conferida! Essa praia é considerada particular (portanto, U$10,00 para entrar com o veículo). Muitas pedras adornam a praia, formando verdadeiras esculturas! Em um trecho da praia, os visitantes deixam a sua contribuição, montando TOTENS de pedras por uma larga faixa da praia. Leve o cesto de pic-nic e vá pronto para farofar, pedir a namorada em casamento, ou simplesmente curtir o dia, porque vale muito a pena.

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Um cenário vivo, esse!

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O espírito do faniquito

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Visual de cair o queixo

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E a natureza ajudando a compor 🙂

A cidade mais próxima, e com tudo o que você possa precisar de última hora, é Monterey! Eu moraria facilmente ali… a cidade tem um charme único, e o cenário que não deixa por menos!

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Quanto custa uma casinha na rua de trás?

Depois de dias incríveis nessa região, decidimos esticar mais para o sul e fomos para San Diego, o que acrescentou dez horas à nossa viagem. Para agilizarmos, desmontamos o acampamento antes de escurecer e dormimos no carro. Fizemos um passeio curto por lá, visitando a famosa estátua chamada Unconditional Surrender Statue, e depois fomos comer na Gaslamp Quarter, uma rua muito simpática com várias opções de restaurantes, lojas interessantes, e a Galeria Chuck Jones, que tinha uma coleção bacana, com peças originais de ilustrações do Dr. Seuss, Snoopy, Looney Toones, enfim… divertido! Achei as praias mais quentes por aqui, e mais family friend do que as praias mais selvagens na região do Big Sur.

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Viajar dá fome também, galera 🙂

Na volta, fizemos a paradinha em Vegas para uma noite de descanso merecido. De quebra, assistimos ao KÀ do Cirque du Soleil… dizer que o palco se mexe e que tudo é impecável não é suficiente!

Voltamos para casa com uma enorme coleção de grandes momentos, e querendo que todas as pessoas do mundo possam ter as mesmas sensações maravilhosas que tivemos! Faça suas malas, jogue tudo dentro do carro e se permita viver uma aventura todos os anos!


Se você quiser participar das publicações do Faniquito com suas histórias, curiosidades e dicas de viagem (e não importa o destino), é só entrar em contato com a gente por esse link. Todo o material deve ser autoral, e será creditado em nosso site.

*Nossos textos não são patrocinados. A gente indica aquilo que a gente gosta/aprova, porque isso também ajuda na viagem alheia. Simples assim.

Croácia

Zadar, quase sem querer

23 de março de 2015

Do itinerário definido em nossa viagem pelo Leste Europeu, um determinado trecho era razoavelmente problemético: Chegaríamos na Croácia por Zagreb, e de lá seguiríamos para Dubrovnik. Um trecho de 600 quilômetros, que a princípio faríamos em um dia… mas convenhamos: quem em santa consciência quer passar um dia inteiro dentro de um ônibus? Apesar da distância ser a mesma entre São Paulo e Rio de Janeiro, não iríamos pela Dutra. Os ônibus que percorrem esse trecho o fazem com diversas paradas, pra subida e descida de passageiros. Além disso, não sabíamos qual a qualidade do ônibus, ou mesmo da estrada (preocupações que posteriormente se mostraram bastante fundamentadas, mas isso é assunto pra outro texto). Conclusão: resolvemos cortar esse trajeto em três partes: o primeiro iria de Zagreb ao Parque Nacional Plitvice (onde passaríamos o dia em visita); ao final da tarde, percorreríamos o segundo trecho, de Plitvice a Zadar, onde passaríamos a noite, e visitaríamos durante o dia seguinte; à noite, viria o terceiro trecho, entre Zadar e Dubrovnik, que faríamos de madrugada, dormindo (em teoria – a prática não foi bem assim, mas quando falarmos de Dubrovnik a gente conta o que aconteceu).

Nosso texto de hoje trata da segunda perna dessa viagem. Mais especificamente, sobre Zadar.

Nosso texto fala sobre esse trecho em destaque, de uma viagem gigante, antes planejada pra ser feita num dia só.

Chegamos na cidade no início da noite, e na rodoviária mesmo acabamos pedindo nosso primeiro cevapi da viagem (um sanduíche bem do gostoso, e uma espécie de kebab em forma de salsichinhas – sim, parece um sanduíche de cocô). Com o wi-fi da lanchonete, vimos onde estávamos, pedimos um táxi e fomos direto pro apartamento que havíamos alugado. Porém, acabamos ficando em um quarto ainda melhor, uma vez que o que reservamos teve sua chave roubada (!) pelas hóspedes anteriores. O dono do lugar promoveu nosso alojamento, e acabamos ganhando cozinha e banheiro exclusivos sem custo adicional. Melhor primeira impressão, impossível.

Parece cocô, mas é bem gostoso.

Parece cocô, mas é bem gostoso.

E depois de jantar, o descanso dos Deuses.

E depois de jantar, o descanso dos Deuses.

Apresentado o tema, vamos à cidade, que desbravamos durante o dia seguinte.

A Dé disse que “só estaria na Croácia de fato quando visse o Mar Adriático” (ou seja, pra ela Zagreb não valia como Croácia). Assim sendo, chegamos enfim à Croácia quando avistamos a marina. Seguindo adiante, chegamos à cidade antiga, e por lá ficamos durante todo o dia. Existem duas atrações em Zadar que são amplamente difundidas, e que atraem visitantes do mundo todo: o Morske orgulje – o “órgão marítimo“, uma estrutura que toca música (mesmo) com o impacto das águas do Mar Adriático, e o Pozdrav Suncu – a “saudação ao Sol“, outra estrutura que fica logo ao lado, e à noite é iluminada por centenas de lâmpadas coloridas. Logo na chegada – por esse caminho que fizemos – demos de cara com as duas.

Com o mar ali do lado, já vale como Croácia :)

Com o mar ali do lado, já vale como Croácia 🙂

Mas antes de falar delas, falemos do Centro Histórico. O passeio em si não é muito demorado, pois ele é composto de poucas ruas mais largas, e outro punhado de vielas mais estreitas. Porém, tanto as ruínas como os prédios são de cair o queixo. Zadar é uma cidade antiquíssima (constam registros de vida na região que datam da pré-história), e alguns pedaços dessa história continuam imponentes e lindos, como os pequenos fragmentos das colunas que faziam parte do Fórum Romano (século II), e a Igreja de São Donatus (século IX). Além disso, a própria composição do Centro, pavimentado com pedras claras e brilhantes, detalhes nas paredes e o ambiente nas vielas deliciam os que passam por lá. Um local absolutamente encantador.

Zadar tem uma cor predominante: o bege.

Zadar tem uma cor predominante: o bege.

E isso não é nenhum demérito, pois a cidade fica ainda mais charmosa desse jeito.

E isso não é nenhum demérito, pois a cidade fica ainda mais charmosa desse jeito.

As colunas, datadas do século II. Do tempo em que o mundo nem redondo era.

As colunas, datadas do século II. Do tempo em que o mundo nem redondo era.

Sete séculos depois, a Igreja de São Donatus.

Sete séculos depois, a Igreja de São Donatus.

Alguns detalhes que não desmentem...

Alguns detalhes que não desmentem…

...a idade e a beleza de Zadar.

…a idade e a beleza de Zadar.

Almoçamos em um dos restaurantes indicados pelo proprietário do apartamento onde ficamos. O Bruschetta (http://www.bruschetta.hr/en/) é enorme, com mesas externas e uma baita vista do Adriático. Além da cerveja – e da bruschetta, obviamente – pudemos experimentar um dos pratos mais gostosos e vistosos de toda a viagem: camarões gigantes, filés de atum, lulas, peixe branco e mariscos. Uma verdadeira e deliciosa sacanagem. Chegue cedo se quiser sentar sem precisar pegar fila.

Aquele azul ali é o Mar Adriático. Nos sentimos chiques.

Aquele azul ali é o Mar Adriático. Nos sentimos chiques.

Chiques e ogros. E felizes.

Chiques e ogros. E felizes.

Durante a tarde passeamos sem rumo. Algumas banquinhas de artesanato, lojinhas pequenas, outras nem tanto, e em pouco tempo você já passeou por todo o Centro. Pelo caminho, diversos grupos de turistas, mas em grupos bem menos numerosos do que veríamos posteriormente em Dubrovnik, o que garante um passeio tranquilo e sem multidões pelo caminho. Fomos então ao Morske orgulje. O mar estava suficientemente agitado para que pudéssemos presenciar e constatar aquilo que nos parecia exagero anteriormente: de fato, Zadar toca música com as águas do Adriático. As pessoas ficam sentadas nos degraus do órgão, e ninguém se importa de vez ou outra se molhar um pouco. A trilha sonora pra tarde estava escolhida, e era de fato maravilhosa.

A alameda que ladeia o Adriático. Ao fundo...

A alameda que ladeia o Adriático. Ao fundo…

...encontramos "o tecladinho de Zadar".

…encontramos “o tecladinho de Zadar”.

Enquanto acompanhávamos a saída de um transatlântico, que estava atracado no porto, próximo ao Pozdrav Suncu, a tarde aos poucos se despedia. O painel principal montado no chão emula a proporção entre o Sol e os planetas – também representados tanto em distância quanto em tamanho pela alameda que ladeia o Centro Antigo.

Um pouco antes do Sol se pôr, a notória alegria de um dia incrível.

Um pouco antes do Sol se pôr, a notória alegria de um dia incrível.

No detalhe, os planetas espalhados pela orla. A foto foi tirada de cima...

No detalhe, os planetas espalhados pela orla. A foto foi tirada de cima…

...do painel que representa o Sol. E agora vocês entendem o porquê.

…do painel que representa o Sol. E agora vocês entendem o porquê.

Foi-se  a tarde, e o transatlântico.

Foi-se a tarde, e o transatlântico.

Pouco depois da saída do navio, não havia mais luz natural. “Ligaram o Sol”, e o Zadar ganhou mais um espacinho em nosso coração com aquelas luzes coloridas, que dançavam desordenadamente, enquanto as pessoas passeavam sobre o painel. Tivemos nosso momento por lá, e ficamos ainda mais encantados. É algo extremamente simples, sem pirotecnias ou adereços desnecessários. Mas é bonito, muito bonito.

Tiramos nossa casquinha das luzes noturnas, daquele enorme Sol.

Tiramos nossa casquinha das luzes noturnas, daquele enorme Sol.

Às vezes a gente acha que passou muito tempo num mesmo lugar. Zadar pedia pelo menos mais um dia. Uma cidade deliciosa, delicada e agora, saudosa. Nossa parada para um descanso tornou-se uma das memórias mais latentes da viagem.

Causos, Faniquito, Fofuras

Apresentando: o mundo

19 de março de 2015

Dia desses a gente programou uma viagem. Que a princípio seria pra dois, mas que no fim das contas dobrou de tamanho. Viagem que seria um mochilão pesado, com mudanças de altitude, longas viagens em ônibus de procedência duvidosa, algumas correrias, e passeios que exigiam certa resistência física (que nem a gente sabia bem se tinha ou não). Na época, eu tinha 31, a Dé 28, e a Mel – nossa amiga e uma das colaboradoras do Faniquito – tinha apenas 20 anos. O papo começou em 2010, a viagem seria em 2011. E durante a comemoração do meu aniversário em janeiro, me chamam à mesa. Minha mãe vira pra mim, e comunica:

– Eu também vou, viu?*

Tomei um susto, óbvio. A começar pela única informação já relatada em nossos perfis: Paquinha** tinha na época seus bem vividos 62 anos, e teria 63 na viagem. Um histórico de dor nas costas, dor nos pés, dor nisso e dor naquilo. Estatura não muito avantajada, e assim como eu, boa de garfo. Mas todas essas informações perdiam importância perto de algumas outras: minha mãe nunca havia saído do país (ok, eu só havia saído uma, a Dé duas), voado de avião, ou mesmo passado tanto tempo longe de casa. Meu pai havia falecido há seis meses, e achei aquele ímpeto sensacional. Dois segundos depois do susto, topei – e não mais repensei, pois sabia que aquilo seria incrível.

Perder alguém (e nesse caso, alguém tão próximo como meu pai) instantaneamente mudou meu modo de lidar com as pessoas. Imagino que cada pessoa lide com uma situação traumática à sua maneira. A minha foi aproveitar ao máximo dali em diante a tudo e a todos: pelo menos uma vez ao ano tentar rever o máximo de pessoas possíveis (e uso descaradamente meu aniversário pra isso), nunca perder a oportunidade de agradecer, criticar, elogiar ou dividir as coisas importantes da vida, e por aí vai. É coisa minha, e é minha forma de eternizar tudo que meu pai fez por mim também. E durante os meses que se seguiram, eu pensava: “O velho teria orgulho de ver o que a gente vai fazer pela Paquinha“.

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A primeira reunião de turma, no Mercadão.

E o Faniquito surgia mais ou menos nessa época :)

O Faniquito surgia mais ou menos nessa época 🙂

E chegou setembro.

Mochilamos. Primeiro, o vôo de São Paulo – com escala em Santa Cruz de la Sierra, e a primeira correria para pegar a conexão – até La Paz. Chegamos à noite, pegamos um táxi capenguíssima e pouco depois estávamos no albergue. Sim, o primeiro albergue da vida da Paquinha. Encomendamos uma pizza e tomamos uma cerveja no meio do bar. E dali seguiram-se várias experiências, que pipocarão aos poucos por aqui: as ladeiras de La Paz, as folhas de coca, o Paro Cívico, as festividades em Cusco, Machu Picchu, Salar do Uyuni, o ônibus quebrado, o amigo americano, as comidas e bebidas inéditas, o primeiro barco (da vida dela, cruzando o Lago Titicaca), passear no deserto, dormir sem energia e acordar em temperatura negativa…

O primeiro dia de fato fora do Brasil - nesse caso, em La Paz.

O primeiro dia de fato fora do Brasil – nesse caso, em La Paz.

E o primeiro baque de emoção, com um evento local em Cusco.

E o primeiro baque de emoção, com um evento local em Cusco.

O ritmo durante a viagem, obviamente, não era o mesmo que o nosso, mas não estávamos com pressa. Dividimos a bagagem dela, e todo mundo se ajudou – ela também ajudou muito a gente: sim, mãe é mãe em qualquer lugar do mundo (e ela no caso estava provida de um filho original, e duas filhas adquiridas). Várias foram as vezes ela se emocionou (como na foto logo acima). As imagens que a gente se acostuma em casa tomam outras cores nesse novo contexto, e redescobrimos as pessoas. A cada novo lugar, uma informação diferente – e essas novidades desnorteavam a Paquinha: as tecelãs peruanas, as montanhas de Machu Picchu, aquela imensidão do deserto de sal boliviano, as lhamas e alpacas. De repente, outra cidade. Vinte e um dias, que permanecem mais que vivos na memória da gente.

Em Pisac, da mesma sequência da foto que abre esse texto...

Em Pisac, da mesma sequência da foto que abre esse texto…

...e um pouco mais tarde, em Ollantaytambo, dando as favas pra chuva que caía.

…e um pouco mais tarde, em Ollantaytambo, dando as favas pra chuva que caía.

Até hoje a gente fala sobre essa viagem, óbvio. Pelos lugares, paisagens e tudo aquilo que a gente tá acostumado a dividir sempre que se afasta de casa, claro, mas o mais legal é notar a cara de novidade que minha mãe faz toda vez que relembra da aventura. É um prazer absurdo pra gente ter “apresentado o mundo” à Paquinha. Notar que toda aquela lista de coisas apontadas lá em cima desapareceram durante a viagem é um prazer, pois a empolgação a cada novo dia era muito maior que qualquer preocupação – aparentemente ela deixou todos os problemas no Brasil sem avisar a gente, mas como confiamos na véia desde o início, não ficamos surpresos.

Não teve obstáculo pra Paquinha...

Não teve obstáculo pra Paquinha…

...e também não foi só perrengue: por diversas vezes nos demos muito bem.

…e também não foi só perrengue: por diversas vezes nos demos muito bem.

O primeiro barco da vida, após 63 anos. Medo?

O primeiro barco da vida, após 63 anos. Medo?

Eis a resposta.

Eis a resposta.

Portanto, ao final desse texto – e dessas fotos – a gente deixa um conselho pra você, amiguinho ou amiguinha viajante: além da bagagem, leve pra estrada quem você ama: seus pais, filhos, irmãos, primos, amigos (com procedência), a vovó, o vovô e até o cachorrinho. Pense em combinações improváveis – sim, às vezes quem menos se imagina quer fazer algo que a gente num primeiro momento pode achar totalmente descabido, mas pense: uma realização de vida dessas tem preço? Mais que um presente, dividir uma experiência de vida tão marcante como uma viagem, ou um trecho dela?

Não tenha frescuras quando for viajar.

Não tenha frescuras quando for viajar.

Procure sempre as melhores companhias.

Procure sempre as melhores companhias.

Leve sempre um agasalho.

Leve sempre um agasalho.

E não tenha medo do desconhecido. Nem de ser feliz.

E não tenha medo do desconhecido. Nem de ser feliz.

Pois você será.

Pois você será.

Não espere que alguém te faça um pedido desses. Tome a iniciativa, como minha mãe tomou. A experiência de viajar já é suficiente marcante, mas se torna inesquecível quando ela deixa de ser só sua, pra ser também de quem você ama.


* Faniquito não tem idade, galera. Está cientificamente comprovado.

** Paquinha (ou Marilene, pros desconhecidos) é minha mãe, e ela faz aniversário daqui a 3 dias. Uma mãe como poucas, e que eu espero, sirva de espelho pra outras mamães por aí. Achei justo homenageá-la numa data próxima, com um apanhado geral de uma viagem que vai aparecer aqui no Faniquito por diversas vezes. Feliz aniversário adiantado, véia. Que o mundo te abrace (assim como eu pretendo fazê-lo, o mais breve possível). Amo muito você.

Romênia

Nicolae

16 de março de 2015

Uma coisa que fica muito clara quando se visita o Leste Europeu: esqueça a imagem do comunismo vendida em Hollywood durante o período da Guerra Fria (anos 80, principalmente). Afinal de contas, foram os soviéticos (e não os americanos) que libertaram diversos países ao final da Segunda Guerra. De certa forma, foram eles os heróis da libertação desses povos do domínio nazista. O que foi feito dali em diante varia muito de país pra país* – alguns foram de fato oprimidos, outros saqueados, outros ainda agregados. E a vida seguiu, de um jeito que a gente não faz ideia – e por isso mesmo, é muito difícil de dizer se bem ou mal.

Um dos fragmentos daquilo que aprendemos se deu na Romênia. Mais especificamente, num dia de tour que fizemos, acompanhados de uma guia muito simpática (chamada Radica, ou Radika – fonema confirmado, grafia infelizmente não), mas que arranhava entre diversos idiomas o nosso Português: “Por causa das novelas“, ela me disse com uma fluidez tímida em nossa língua. Estávamos no ônibus, o passeio teria mais de duas horas, e fomos os últimos turistas recolhidos para o passeio. Pouco antes de seguirmos rumo a Brașov, fizemos um tour por Bucareste, onde nos foi pincelada muito resumidamente a secular história da Romênia. Logo de início, a pergunta básica feita a qualquer grupo de turistas:

– Qual é a primeira coisa que vem à cabeça quando vocês pensam “Romênia”?

E cada um pôde responder. Somente duas respostas eram ditas:

– Drácula/Vlad Tepes, e Transilvânia.

Até a pergunta chegar ao alien aqui, que respondeu:

– Ceaușescu.

Mais dois caras citaram isso depois, e mais adiante nossa guia contou uma breve história sobre Nicolae Ceaușescu. Minha resposta não foi em vão, pois de fato ele (ao lado de Gorbachev) faziam parte da minha pífia educação política enquanto criança. Era um nome diferente, vivia aparecendo na TV, na Veja, eu adorava a cobertura em preto e branco – mas cheia de sangue, que eu criança ainda não entendia de onde saía, mas era muito mais real do que o que eu via em cores nos filmes do Rambo. Assim como real também era aquela imagem desse senhor após seu fuzilamento, morto ao lado de sua esposa. Ficou na minha cabeça, e nunca mais saiu. Vieram Gheorghe Hagi, e Nadia Comăneci em relatos olímpicos, mas Nicolae era protagonista da minha “imagem romena padrão”. Passaram-se alguns minutos até que o assunto chegasse ao seu período de governo.

A enorme e lindíssima Bucareste.

A enorme e lindíssima Bucareste.

E da boca de uma romena pudemos ouvir um pouco sobre a história desse senhor. Sem desvios de imprensa, sem tradução simultânea:

Filiou-se ao Partido Comunista com o fim da Segunda Guerra Mundial. Gradativamente foi alçando cargos mais elevados, até se tornar presidente durante os anos 70. Baseado no modelo de governo da Coreia do Norte (Juche) e na Revolução Cultural Chinesa, tornou-se um líder totalitarista, e afastou a Romênia do bloco do leste, isolando-a da política comunitária proposta no Pacto de Varsóvia. A Securitate (polícia secreta romena) agia desde a década de 40, e multiplicou sua ação durante os anos de Ceaușescu. Povoados foram destruídos, assim como um quinto da Capital – uma área histórica, “que seria reconstruída segundo a vontade de Nicolae”.

A megalomania de Ceaușescu resume-se figurativamente no Parlamento de Bucareste (Palatul Parlamentului). Segundo maior edifício vertical do mundo (perde somente para o Pentágono), teve suas obras iniciadas em 1984 por uma arquiteta romena, sendo que até hoje não foi concluído – por sua extensão absurda, seus materiais caríssimos, entre outros motivos. Um monumento incompatível à situação miserável romena, erguido sobre uma colina (Colina Spirii), no lugar de 30 mil residências, e de diversas igrejas, das mais diversas religiões. O Parlamento era a tradução do culto à personalidade e da corrupção – duas marcas latentes de seu governo.

Após um confronto entre militares e manifestantes que iam contra o regime opressor de Ceaușescu, forças armadas e população alinharam-se. O ditador fugiu, mas foi capturado, julgado e morto.

Cenário esse que muitos sonham hoje em dia no Brasil.

O Parlamento Romeno: um edifício equivalente à megalomania de seu mentor.

O Parlamento Romeno: um edifício equivalente à megalomania de seu mentor.

Imponente, opressor e lindo.

Imponente, opressor e lindo.

Uma foto possível em um país democrático.

Uma foto turística, possível somente em um país agora democrático.

Se ainda hoje houvesse um líder semelhante a Ceaușescu governando a Romênia, essas fotos acima não seriam possíveis; não teríamos caminhado e aproveitado a beleza da cidade, do Parlamento (que hoje em dia funciona abrigando alguns órgãos de governo, além de um museu), das ruas, feirinhas e parques belíssimos, que merecerão outros futuros textos em nosso site.

Radica – ou Radika – contou algumas de suas histórias pessoais; de como as distâncias entre campo e cidade ainda hoje são grandes pelos desdobramentos do governo de Nicolae; de como a economia – mesmo após duas décadas de sua morte – ainda sofre para acompanhar o bloco. Se alegra em contar que hoje pode conversar com outras pessoas, estudar outros idiomas, trocar experiências… enfim, aprender e ensinar. Hoje Radica – ou Radika – pode viver em paz.


Nicolae Ceaușescu era um ditador. Como Hitler, Stalin e Kim Il-sung. Enquanto esteve no poder, minorias religiosas e étnicas foram dizimadas. Não havia liberdade de expressão. A censura era severa, atingia a imprensa, a população, e a polícia secreta eliminava ou desaparecia com os que se opunham ao regime. Pessoas eram vigiadas em todos os lugares, o tempo todo, e delatadas anonimamente.

Ditador é o principal comandante de um processo de ditadura. Ditadura é uma coisa que muitas pessoas querem hoje para o Brasil**. Durante a ditadura, viajar, conhecer, aprender e disseminar conhecimento são atividades proibidas ou fiscalizadas. O Faniquito não existe em  uma ditadura, pois “ter um faniquito” é uma atividade ilegal nesse tipo de regime. Por essa razão, entre outras tantas – em que basta tão somente a informação, um pouco de estudo, curiosidade, e nenhum passaporte, dinheiro gasto ou milhas acumuladas – que somos totalmente CONTRA qualquer posicionamento pró-ditadura ou golpe militar, sob qualquer circunstância. Vivemos – eu e a Dé – os últimos minutos desse regime, e dele quase não lembramos. Certas coisas – o poder pelas armas, a opressão, o racismo, a xenofobia, o extremismo religioso, a intolerância, o fanatismo, entre tantos outros males que notória e historicamente não são justificáveis sob nenhum aspecto. Nunca foram. E nunca serão.


*Sabemos que a dominação de um país durante determinados períodos históricos resulta na imediata exploração de seu povo, seus recursos e facilidades. Antes de botarmos o dedo na cara dos soviéticos, vale lembrar o que aconteceu com os nativos do NOSSO país quando da chegada dos então “conquistadores”, pra onde foram nossos recursos, entre outras semelhanças históricas. E ainda hoje “comemoramos essa descoberta”.

**Sugerimos esse rápido “exercício de sobrevivência a um regime ditatorial”, somente para confirmar as tantas e pesadas linhas de hoje. E interamos: não existe ditadura “mais” ou “menos” branda: qualquer coisa capaz de causar a morte, o sofrimento ou o trauma a uma única pessoa já vai contra nossa natureza, e merece todo o desprezo possível:  http://super.abril.com.br/jogo-ditadura-militar/

Polônia

Meu caso de amor
com um corneteiro polonês

12 de março de 2015

Por Juliana Eliezer


Cracóvia, ao que parece, não é um destino popular entre brasileiros. Digo isso sem preconceito algum, e não sei explicar por que. Segundo minhas impressões, se você não passa por Varsóvia, fica mais difícil chegar e sair da antiga capital polonesa. De Praga, tomei um trem até a fronteira e, a partir de lá, uma van, conduzida por estradas surpreendentemente conservadas e bem sinalizadas, e que me deixou no meu hotel pouco depois das onze e meia de uma noite gelada do final de outubro.

Sou ansiosa, não gosto de esperar: depois do banho e de vestir roupas limpas, desci os degraus desbeiçados do meu hotel, que ficava num prédio de apartamentos tão velho que parecia que iria cair na minha cabeça a qualquer momento, mas que estava na cara do gol para se acessar Stare Miasto, a cidade velha, e meti as caras, acreditando nos relatos dos viajantes que diziam ser Cracóvia super segura para turistas estreantes.

Minutos depois, meu primeiro contato com Rynek Glowny, a maior praça medieval da Europa, envolta numa camada de névoa espessa, que tornava fantasmagórica a iluminação do prédio que eles chamam de Sukiennice, e eu chamarei de mercado central.

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Parentesis: nem se preocupem com a pronúncia desses nomes todos… para vocês terem uma ideia, Cracóvia em polonês se escreve Kraków e se pronuncia “crrrácúfff”, ou algo assim… inútil, portanto, a preocupação com tais preciosismos. Fecha parentesis.

Rynek Glowny levou exatos três segundos para roubar meu coração. Gigantesca, cheia de detalhes e de contrastes – uma igreja do século 10 a poucos passos de um Hard Rock Cafe – estava ali ela, quase envelopada na bruma, de um jeito que fazia com que eu tivesse a impressão que podia pegar o ar com os meus dedos. Quase não havia luzes acesas nas casas que a ladeavam, restaurantes e hoteis em sua maioria, emprestando à praça um curioso aspecto fantasmagórico e nada assustador ao mesmo tempo. Acreditem vocês também: é seguro de fato, mesmo à meia noite e meia de um dia de semana. O máximo que pode acontecer é o turista ser abordado por um dos montes de promotores que entregam panfletos dos bares e restaurantes nas imediações, ou mesmo pelo Freddy Krueger que anda por ali fazendo propaganda da Lost Souls Alley, atração de terror que fica logo ali, na Ulica Florianska.

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Dadas as muitas horas de viagem que eu carregava no lombo naquele momento, somadas à fome que eu estava, meu primeiro exame de Rynek Glowny foi um pouco precário, consistindo apenas em uma volta e meia, para depois tomar o caminho do McDonald’s mais próximo (só porque eu ainda não conhecia o restaurante 24 horas que só vende pierogis, os maravilhosos dumplings recheados que provavelmente são a melhor coisa que já comi na vida). Na volta, apenas uma pequena olhada, dessa vez mais de perto, no prédio do Mercado, que descansava ali no meio do largo. Faltavam dois minutos para a uma da manhã, e eu precisava de sono, muito sono.

Ao caminhar em direção ao hotel, por uma das saídas da praça – aquela que passa pela lateral da Bazylika Mariacka, ou Basílica de Santa Maria, famosa pela assimetria de suas duas torres frontais. Andava com meus passinhos rápidos de garota baixinha, quando me vi subitamente detida: o que eu estava ouvindo era um toque de clarim, ou de algum instrumento de sopro que se assemelhasse.

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A música continuou, sem que eu conseguisse identificar de onde vinha. Aliás, ela parecia mudar de lugar conforme se desenvolvia. Fiquei ali parada, olhando para os lados, para cima, para baixo, perdida, meio atordoada. Os toques eram altos, tinham um quê de lamento e pareciam vir de todo canto. Estática, na lateral semi vazia da praça, com a névoa granulando a noite e aquele som misterioso, acho que senti-me numa cena de filme impressionista.

De repente, parou. Sim, a música parou, como se tivesse ficado pela metade. Como se alguém tivesse puxado a vitrola da tomada. Hoje, me arrependo de não ter tirado uma selfie da minha cara de ponto de interrogação (só vim a conhecer o pau de selfie muitos dias mais tarde, em Roma). O que tinha sido aquilo? “Toca mais“, quase gritei, rindo sozinha da minha vontade boba de mandar o corneteiro misterioso tocar Raul. Uns minutos depois, quando me convenci de que ninguém retomaria a música de onde ela havia parado, voltei para o hotel, prometendo a mim mesma que me seguraria para não googlar o incidente, e ver se no tour guiado do dia seguinte eu descobriria alguma coisa.

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Vejam só, essa viagem me tornou uma viciada em tours guiados, tanto aqueles previamente pagos quanto os outros, nos quais você oferece ao guia o tanto de grana que achar que o tour valeu. O de Cracóvia pertencia a este último tipo, e tive a sorte de ser ciceroneada por um rapaz chamado Tomek, que além de falar inglês muito melhor que eu, sabia tudo sobre todas as histórias bizarras, curiosas e lindas da Stare Miasto. E foi por ele que fiquei sabendo qual era a do corneteiro misterioso…

Depois de darmos uma volta pela Cidade Velha, Tomek levou o grupo para a frente da Basílica, às duas horas da tarde, em ponto. Mandou que todo mundo olhasse pra cima, em direção à torre mais alta. Obedecemos. Uns instantes depois, vemos uma janela se abrir, lá em cima, num ponto muito alto para que se tirasse uma foto que prestasse sem o uso de teleobjetiva. Usando meus pobres óculos, contudo, consegui ver o clarim sendo posto para o lado de fora da janela, e então ouvi o som que se seguiu. Era a mesma música lúgubre da noite anterior, e o corneteiro revezava as janelas, se locomovendo pelo lado de dentro da torre. Ate que, no mesmíssimo ponto, parou. Colocou a mão para fora, acenou e fechou a janela na nossa cara. Fim do mistério.

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Tomek contou que, lá pelos idos de mil, duzentos e alguma coisa, o sentinela que tomava conta da cidade avistou, ao longe, uma cambada de invasores tártaros, que ao que parece planejavam tomar Cracóvia. Acordou todo mundo bem na hora H com o toque do seu instrumento, e a cidade conseguiu se livrar dos inimigos. Tristemente, o corneteiro-heroi não viveu para comemorar a vitória: enquanto tocava, foi atingido por uma flecha bem no pescoço, parando a música pelo meio. E aí que, de hora em hora, hoje, após as badaladas do campanário da Basílica, um funcionário público faz as vezes de corneteiro-heroi, reproduzindo a canção até o momento em que ela foi interrompida. Ou assim diz a lenda. É ou não é para se apaixonar?

Cidades importantes são cheias de crônicas e contos próprios. São verdadeiros repositórios. Em Cracóvia, o real se mistura ao imaginário, o sublime ao sangrento, o real ao popular, num caldeirão fumegante (fui falar de caldeirão, lembrei de novo dos pierogis) que encanta qualquer um. Tem corneteiro, tem dragão, tem papa. Tem rei, tem igreja de torres diferentes. Tem amor, tem guerra. Essa que contei foi apenas uma das histórias que tornou Cracóvia o meu destino favorito na Europa, até agora. Todas as outras são, porém, igualmente apaixonantes, e a gente pode aprender indo lá e escutando-as de um guia, ou sonhando que está lá e digitando alguns caracteres no Google. Recomendo a primeira maneira, para fazer asap, assim que a oportunidade surgir. Sim, acho que posso dizer, com segurança e por promíscuo que pareça, que meu caso de amor não foi só com o corneteiro-heroi, mas sim com toda a Cracóvia.


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